Há algum tempo, fui ao Manguinho visitar os homens mais velhos da Calheta. Entre eles, claro, consta um homem singular: Virgílio Furtado, Diboia ou simplemente Gil di Jóia. O velho acamado ofereceu-me um exemplar da sua biografia: Gil di Jóia: Uma História, Uma Vida da autoria do seu afilhado Nataniel Vicente Barbosa e Silva (redigido a partir da Vila do Tarrafal, em 2006).
Gil di Jóia
«Nasceu na Calheta, a 3 de Fevereiro de 1930. De tez negra, estatura média, afável, bem-humorado, com grande amor à vida, solteirão, brincalhão, de espírito aberto, franco e leal, tocador de gaita nos tempos da juventude, conversador e conservador das suas raízes. De voz timbrada e rouca quando canta, o que não é sempre, a sua voz assemelha a de Louis Armstrong, o famoso cantor negro norte-americano.»
Gil di Jóia e as suas aventuras por terras de África
«Gil di Jóia, então já adulto e amadurecido, responsável e senhor de si, tenta resolutamente lançar no mundo das aventuras. Assim, em 1951, aos 26 anos de idade, parte para Angola, viajando a céu e mar durante 18 dias e 18 noites, a bordo do Sofala, passando para a Ilha do Príncipe, no meio do Atlântico, entre alegria e a saudade da sua terra e dos seus ente-queridos. Chega então ao Porto Ambuim sem nenhum sobressalto que merece destacar, a não ser o falecimento repentino de uma criança de 10 anos em pleno alto mar, acontecendo aí mesmo o seu sepulto obedecendo rigorosamente os rituais próprios.
Após os ofícios fúnebres, o barco continuou a sua viagem calmamente para a Catumbela, ficando entretanto uma parte dos contratados na primeira etapa e a outra parte neste último destino. Aí, então se estabeleceu o grande aventureiro, Gil di Jóia. No entanto, os dias iam passando e o Gil pouco se ia adaptando com o terreno. O destino reservou-lhe um lugar cómodo, chamado Sanzala Muro-Galo, tendo conseguido um emprego numa fábrica de açúcar com o salário mensal de 90$. Recebendo apenas uma metade, ficando a outra parte na Caixa. Entre a vida e a morte, trabalhou arduamente o jovem aventureiro, enfrentando todas as adversidades, escapando milagrosamente de um acidente de comboio, no descarrilamento de um dos vagões.
Depois de três anos de ausência, regressa à terra de origem, o grande aventureiro, sem nenhuma jóia, mas com alguns vinténs, muito pouco para se dar ao luxo de viver como gente grande. Ainda bem jovem e folgazão, como sempre, com a sua boa arte de conquistar as amizades, as fofinhas, das mais bonitas nunca lhe faltaram; mas, casamento? Casamento, nem pensar. O casamento não fazia parte do plano de vida de Gil que só gostava de curtir... e muitas promessas ainda pairam no ar. [...]
Em 1955, já com alguma experiência do além-fronteiras, o jovem conquistador lança novamente em aventuras por terras verdejantes de África, desta feita ruma-se para o Sul (São Tomé e Principe), estabelecendo-se na Roça Praia das Conchas, onde trabalhou numa fábrica de café, azeite, sabão e caroço, como contratado; uma vez mais o destino não lhe foi assim tão sorridente, tendo em conta um acidente sofrido na linha de ferro em que fracturou uma perna que infelizmente lhe molestou até à data [...].
Decorria pois o ano de 1959, o Virgílio, de novo na sua terra natal, andando agora na casa dos 29 anos, ainda bem rijo e jovem para se conformar com os parcos recursos que conseguiu angariar [...]. Confiante no futuro, parte pela segunda vez para o Sul, como então se dizia, e lá foi como canta o saudoso Ildo Lobo, di maleta na mó y sperança na coraçon, à procura de um novo sol, conseguindo ali um modesto lugar na Roça Porto Alegre [...]. Após os bem sacrificados quatro anos de trabalho regressa então definitivamente ao seu torão natal com algumas migalhinhas no bolso, deixando naturalmente, como é evidente, na Caixa, algumas notinhas para a reforma, que ainda hoje vem esperando [...].
O Gil di Jóia, com a bonita idade de 33 anos, já um homem amadurecido, mas ainda novo, conquista com a sua jovialidade muitas amizades. Ironizando, diz que as amizades foram repartidas: 75% às mulheres e 25% aos homens. O Gil demonstra aí que o inglês tem razão, quando diz: woman in first time.»
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SUMÁRIO da biografia do Gil:
01 | Nota de abertura
02 | Gil di Jóia
03 | Uma das mais engraçadas peripécias de Gil di Jóia
04 | Gil di Jóia e as suas primeiras trajectórias por terras de África
05 | Gil di Jóia regressa à terra natal
06 | Gil di Jóia na sua terra faz amigos e conquista corações
07 | Gil di Jóia em Assomada implacável com um bêbado
08 | Gil di Jóia enfreta corajosamente a «fúria» de um «policeman»
09 | Gil di Jóia nas festa de São Miguel di Maio
10 | Gil di Jóia desce a ladeira às costas
11 | Gil di Jóia em Ponta Verde passa as festas do fim de ano, de copo na boca
12 | O excesso de álcool, a euforia e a intolerância tentam estragar a vida do Gil
13 | Gil di Jóia nas festas de Nhô Santo Amaro
14 | Gil di Jóia e a nostalgia do passado
15 | Como vive presentemente o Gil?