“Retratos Cativos”


4.
Vai a mulher de boi pelo abismo
da manhã. Que langor e delícia terna
na austera vigil fronte, embora
hajam ali depositado deuses
seu alqueire de injúrias.

Pedrestes e negros, vão ele e ela,
mai-la sombra que é de ambos.
Diz-me, tu, António, se é o boi
da paciência ou bulimundo
caminho do enlace.

Diz-me que torpor ou sombra dele
se adivinha nas íris da mulher,
ou na fonte do bovino esponsal.
Diz-me, tu, cujos olhos conhecem
o prodígio que se não repete,

inda tê-lo contemplado um dia
transformou-te, como a mulher de lot,
em emudecida estátua nos baldios
onde o primeiro raspão do frio
nos punha o coração em padecimento.

Orai por eles, para que lhes seja leve
o céu ensombrecendo-se a cada
rotação, mas cimeiro retumbem sinos
de passarem à rubra esquina do tardecer.

José Luís Tavares
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Parabéns, José Luís Tavares e Gláucia Nogueira pelo prémio Literatura para Todos (Brasil/2008)!

 
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