Nos próximos dias 10 e 11 de novembro, vai realizar-se, na FLUP, o colóquio «De Luuanda (1964) a Luandino (2014): Veredas», que assinala o cinquentenário da publicação de Luuanda, da autoria de José Luandino Vieira. Transferido para o Campo de Concentração do Tarrafal em 1964 no âmbito do Processo dos 50, foi lá que o escritor Luandino Vieira recebeu (muito tardiamente) a notícia de que o seu livro de contos (visado pela censura) havia sido premiado pela sociedade portuguesa de escritores (e que o prémio também havia sido censurado pelos serviços de censura em Portugal, por causa do seu envolvimento político na luta anti-colonial em Luanda). Para mais informações sobre o colóquio: clique lisin.
Cabo Verde e Brasil: 7 Curiosidades Históricas
10.10.14
Eurídice Monteiro
Por estes dias em que as atenções estão voltadas para o Brasil deixo aqui 7 curiosidades históricas:
I. Cabo Verde e Brasil têm uma ligação histórica colonial, cultural, política e linguística. Curiosamente, a historiografia indica que o arquipélago de Cabo Verde foi achado, povoado e colonizado antes do Brasil. Segundo consta, Cabo Verde foi “descoberto” entre 1460-1462 e, quase quarenta anos depois, em 1500 os navegadores portugueses comandados por Pedro Alvares Cabral chegaram acidentalmente às terras de Vera Cruz. Ao longo do tráfico negreiro, uma vasta mão-de-obra escrava – ladinizada aqui – seguiu viagem para essa outra ponta do atlântico (questão largamente tratada nos estudos de António Carreira, Daniel Pereira, João Lopes Filho e HGCV).
II. Ao contrário daquele país, dizem que aqui só havia aves de rapina, aves marítimas e aves canoras e também não havia sinal algum de riquezas minerais de valor económico, nem sólidas, nem líquidas, nem gasosas. Lá havia população nativa, índios; havia pedras preciosas, ouro e diamante, e uma variedade de recursos naturais.
III. No quadro do império colonial português, a história do Brasil tem alguns processos caricatos, com ligações curiosas a este arquipélago. Em 1807, quando D. João VI fugiu para o Brasil, uma parte da família real portuguesa fez escala em Cabo Verde antes de seguir viagem, transferindo a coroa portuguesa do reino (Portugal) para uma das suas colónias (nesse caso para o Brasil, tendo-se instalado no Rio de Janeiro). Na altura, contavam com o apoio britânico contra a ameaça da França de Napoleão Bonaparte. A coroa portuguesa só regressaria ao reino em 1821, após a revolução liberal de 1820 em Portugal. Recorda-se que a revolução liberal abriu alas não só para as mobilizações camponesas pelo acesso à terra em Cabo Verde, como a revolta dos Engenhos em janeiro de 1822 (assunto documentado e esmiuçado no livro As Revoltas, de Eduardo Camilo), mas também para a independência do Brasil.
IV. Deste modo, o Brasil se emancipou politicamente bem antes, em 1822. Aqui a independência só chegou em 1975, mais de um século e meio depois do Brasil. No século XIX, na sequência da independência do Brasil, em Cabo Verde surgiu uma proposta de separação política do arquipélago de Portugal e da sua vinculação ao Brasil. Uma iniciativa que foi desmantelada à nascença.
V. Recuando ao século XVIII, recorda-se que aconteceu no Brasil outra coisa que também teve consequências por aqui: a famosa Inconfidência Mineira (chefiada pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes). Tudo indica que aquilo foi uma tentativa de revolta de viés separatista desencadeada na capitania de Minas Gerais contra a execução da derrama e, inclusivamente, contra a própria expropriação colonial. Tal conspiração tinha como objetivo acabar com a dominação portuguesa de Minas Gerais, transformando aquela região da colónia num país independente. Inspirados pela Independência dos Estados Unidos da América (1776) e pelas ideias iluministas da revolução francesa (1789), a forma de governo que pretendiam estabelecer era uma República, cunhando num esboço da branca bandeira da nova república uma expressão em latim que poderia significar «liberdade ainda que tardia» (isto comparativamente ao que havia sucedido na américa inglesa, EUA). Entretanto, esta tentativa de levante foi abortada pela Coroa Portuguesa em 1789, abrindo um processo judicial que estendeu-se durante dois anos e culminou em 1792 com o esquartejamento do seu cabecilha (Tiradentes) e a deportação dos outros membros da conspiração para partes de África (destes, o pai e o filho Rezende Costa vieram para Cabo Verde). Estes deportados e outros que já andavam por aqui contribuíram para a propagação dos ideais liberais nas ilhas.
VI. Mais perto dos nossos dias, por meados da década de 1930, os escritores cabo-verdianos recorreram-se aos pressupostos teóricos elaborados por ideólogos brasileiros, como Gilberto Freyre, Nina Rodrigues ou Artur Ramos, para explicar o caso de Cabo Verde, pondo a questão da miscigenação étnico-cultural no centro do debate cultural neste arquipélago (debate que ainda hoje continua em aberto).
VII. Por último, nos finais do século XVIII, o naturalista brasileiro João da Silva Feijó esteve durante treze anos (1783-1796) nas ilhas de Cabo Verde em expedições científicas, tendo deixado um bom acervo sobre a área da sua especialidade.
Sapatinha rubera riba, saparinha rubera baxu... Quem souber mais que acrescente outros factos!
I. Cabo Verde e Brasil têm uma ligação histórica colonial, cultural, política e linguística. Curiosamente, a historiografia indica que o arquipélago de Cabo Verde foi achado, povoado e colonizado antes do Brasil. Segundo consta, Cabo Verde foi “descoberto” entre 1460-1462 e, quase quarenta anos depois, em 1500 os navegadores portugueses comandados por Pedro Alvares Cabral chegaram acidentalmente às terras de Vera Cruz. Ao longo do tráfico negreiro, uma vasta mão-de-obra escrava – ladinizada aqui – seguiu viagem para essa outra ponta do atlântico (questão largamente tratada nos estudos de António Carreira, Daniel Pereira, João Lopes Filho e HGCV).
II. Ao contrário daquele país, dizem que aqui só havia aves de rapina, aves marítimas e aves canoras e também não havia sinal algum de riquezas minerais de valor económico, nem sólidas, nem líquidas, nem gasosas. Lá havia população nativa, índios; havia pedras preciosas, ouro e diamante, e uma variedade de recursos naturais.
III. No quadro do império colonial português, a história do Brasil tem alguns processos caricatos, com ligações curiosas a este arquipélago. Em 1807, quando D. João VI fugiu para o Brasil, uma parte da família real portuguesa fez escala em Cabo Verde antes de seguir viagem, transferindo a coroa portuguesa do reino (Portugal) para uma das suas colónias (nesse caso para o Brasil, tendo-se instalado no Rio de Janeiro). Na altura, contavam com o apoio britânico contra a ameaça da França de Napoleão Bonaparte. A coroa portuguesa só regressaria ao reino em 1821, após a revolução liberal de 1820 em Portugal. Recorda-se que a revolução liberal abriu alas não só para as mobilizações camponesas pelo acesso à terra em Cabo Verde, como a revolta dos Engenhos em janeiro de 1822 (assunto documentado e esmiuçado no livro As Revoltas, de Eduardo Camilo), mas também para a independência do Brasil.
IV. Deste modo, o Brasil se emancipou politicamente bem antes, em 1822. Aqui a independência só chegou em 1975, mais de um século e meio depois do Brasil. No século XIX, na sequência da independência do Brasil, em Cabo Verde surgiu uma proposta de separação política do arquipélago de Portugal e da sua vinculação ao Brasil. Uma iniciativa que foi desmantelada à nascença.
V. Recuando ao século XVIII, recorda-se que aconteceu no Brasil outra coisa que também teve consequências por aqui: a famosa Inconfidência Mineira (chefiada pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por Tiradentes). Tudo indica que aquilo foi uma tentativa de revolta de viés separatista desencadeada na capitania de Minas Gerais contra a execução da derrama e, inclusivamente, contra a própria expropriação colonial. Tal conspiração tinha como objetivo acabar com a dominação portuguesa de Minas Gerais, transformando aquela região da colónia num país independente. Inspirados pela Independência dos Estados Unidos da América (1776) e pelas ideias iluministas da revolução francesa (1789), a forma de governo que pretendiam estabelecer era uma República, cunhando num esboço da branca bandeira da nova república uma expressão em latim que poderia significar «liberdade ainda que tardia» (isto comparativamente ao que havia sucedido na américa inglesa, EUA). Entretanto, esta tentativa de levante foi abortada pela Coroa Portuguesa em 1789, abrindo um processo judicial que estendeu-se durante dois anos e culminou em 1792 com o esquartejamento do seu cabecilha (Tiradentes) e a deportação dos outros membros da conspiração para partes de África (destes, o pai e o filho Rezende Costa vieram para Cabo Verde). Estes deportados e outros que já andavam por aqui contribuíram para a propagação dos ideais liberais nas ilhas.
VI. Mais perto dos nossos dias, por meados da década de 1930, os escritores cabo-verdianos recorreram-se aos pressupostos teóricos elaborados por ideólogos brasileiros, como Gilberto Freyre, Nina Rodrigues ou Artur Ramos, para explicar o caso de Cabo Verde, pondo a questão da miscigenação étnico-cultural no centro do debate cultural neste arquipélago (debate que ainda hoje continua em aberto).
VII. Por último, nos finais do século XVIII, o naturalista brasileiro João da Silva Feijó esteve durante treze anos (1783-1796) nas ilhas de Cabo Verde em expedições científicas, tendo deixado um bom acervo sobre a área da sua especialidade.
Sapatinha rubera riba, saparinha rubera baxu... Quem souber mais que acrescente outros factos!
Caldeirada à moda da casa
10.10.14
Eurídice Monteiro
Os bons exemplos começam em casa. Tive na família alguns homens que ousaram ser diferentes. Quando o meu avô do lado de mãe entrava na cozinha o caldo de peixe virava caldeirada. Já o meu avô paterno deixava a gente com a água na boca só de falar sobre os seus temperos. Ambos foram meus amigos do peito. Recordo-me com satisfação das habilidades dos meus mestres da culinária. Isto tudo para vos dizer que hoje é sexta-feira e cá em casa o almoço vai ser uma caldeirada à moda vô Yoto acompanhada com arroz branco à moda vô Raw. Tudo isso feito por mim.
CALDEIRADA
Ingredientes | Postas de peixes diversos de Porto Mosquito (garoupa-pintada, bidion, xalinu, moreia preta...); batata-doce, batata-inglesa e banana verde de Txan-pa-Riba; cebolona; tomate maduro; pimentão verde; azeite Oliveira da Serra; lima e alho di terra; salsa do quintal da vovó; sal.
Preparação | O primeiro segredo é a qualidade dos peixes. Não aconselho peixes do rio, porque peixes do mar têm outro sabor. Tempera-se as postas dos peixes à base de alho pilado com um pouco de sal. Rega-se com um pouco de lima espremida à mão. Deixa-se no tempero durante um bom tempo. (Para o pessoal da pinga, aconselho que junte-se ao tempero uma boa dose de malagueta da cor vermelha).
Outro segredo é controlar o tempo do tempero, umas duas horas. Às vezes, tempero as postas já com a panela ao lume e, confesso, que não costuma dar certo. Parece que fica sem tempero, sem sal.
O terceiro segredo é o tipo de tacho. Aconselho cada qual a cozinhar na sua própria panela. Panela da sogra não serve (corre-se o risco de salgar a comida!). Tendo em mãos uma boa panela de fundo raso, deita-se as rodelas de cebolona e tomate.
Deve-se colocar os cubos de batatas e as bananas antes das postas dos peixes, caso contrário estas ficam desfeadas. Deita-se por cima as tiras de pimentão verde, um pouco de salsa picada e sal q.b. Rega-se agora com um fio de azeite.
Depois do momento da fervura, deixe-se cozer em lume brando durante cerca de um quarto de hora. Serve-se com arroz branco (o meu arroz é à moda do vô Raw, segredo de família mas hei-de partilhá-lo aqui um dia desses).
Pode-se também servir com pirão à moda do Maranhão ou à moda do Papabedjo (meu bisavô). Nos finalmente, é bom que se tenha em conta a companhia. Todo esse trabalho para qualquer pessoa, não dá! Portanto... (agora é hora de dizer, não se fecha uma frase com portanto...).
SE FOR NUM SÁBADO OU NUM DOMINGO, PODE-SE COLOCAR UMA COLADEIRA A TOCAR.
Outro segredo é controlar o tempo do tempero, umas duas horas. Às vezes, tempero as postas já com a panela ao lume e, confesso, que não costuma dar certo. Parece que fica sem tempero, sem sal.
O terceiro segredo é o tipo de tacho. Aconselho cada qual a cozinhar na sua própria panela. Panela da sogra não serve (corre-se o risco de salgar a comida!). Tendo em mãos uma boa panela de fundo raso, deita-se as rodelas de cebolona e tomate.
Deve-se colocar os cubos de batatas e as bananas antes das postas dos peixes, caso contrário estas ficam desfeadas. Deita-se por cima as tiras de pimentão verde, um pouco de salsa picada e sal q.b. Rega-se agora com um fio de azeite.
Depois do momento da fervura, deixe-se cozer em lume brando durante cerca de um quarto de hora. Serve-se com arroz branco (o meu arroz é à moda do vô Raw, segredo de família mas hei-de partilhá-lo aqui um dia desses).
Pode-se também servir com pirão à moda do Maranhão ou à moda do Papabedjo (meu bisavô). Nos finalmente, é bom que se tenha em conta a companhia. Todo esse trabalho para qualquer pessoa, não dá! Portanto... (agora é hora de dizer, não se fecha uma frase com portanto...).
SE FOR NUM SÁBADO OU NUM DOMINGO, PODE-SE COLOCAR UMA COLADEIRA A TOCAR.
«moringa, original!»
4.10.14
Eurídice Monteiro
Pelos vistos todo o mundo anda doido atrás das folhas de moringa. As rabidantes sabem disso. De maneira que hoje, pela manhã, aí por volta das oito e tal, havia uma rabidante no mercado municipal da capital bradando aos quatro ventos: «moringa, original!» Quando estiquei a cabeça para dar fé, ela apanhou-me: «hey, venha! Isso é para ti. Leva. É bom. O doutor, que esteve cá ontem, disse que o chá de moringa cura todas as doenças: cura aquelas que a gente tem e aquelas que a gente não sabe que tem. Só não toma se tiver tensão baixa, o doutor é que disse.» Parecia que todo o mundo tinha a intenção de comprar as folhas de moringa. E eu, que fui comprar hortelã, não resisti. Por via das dúvidas, também comprei.
primárias socialistas: quem ganhará?
28.9.14
Eurídice Monteiro
Hoje é domingo, 28 de setembro, dia das primárias socialistas em Portugal. Tudo indica que o tal António José que se achava seguro vai precisar é do Costa para subir a montanha. Este é um típico caso de políticos sem jeito para interpretar os sinais do tempo e os dados. Bom objeto de estudo, sem dúvida! Sabendo isso, quem anda em cima é o outro que vai pedindo uma vitória “inequívoca”, deixando seu rival temendo cada vez mais que a sua história acabe aqui antes de começar.
O Mistério do Quadro de Bellini
19.9.14
Eurídice Monteiro
Nestes dias ainda a meio-gás, e sobretudo hoje, em que a chuva amiga beija e abraça as nossas vilas e cidades, dou por mim a desfolhar as páginas do livro de Jason Goodwin, O Mistério do Quadro de Bellini. Tenho um mau hábito antigo de não gostar de esperar. Sempre que repouso num café ou espero no corredor de uma repartição, pego em alguma coisa para me ocupar enquanto vou aguardando pela minha vez. E assim, quase nunca sinto que perco tempo à toa.
Hoje dou por mim debaixo do chapelão deste café, a ler este livro de Jason. A chuva vai caindo. Um chinês muito magrelas vai a correr, corre a toda força ao sabor do vento, e uns crioulos na esplanada gritam ao chinês para não correr, que assim espanta a chuva, que aqui a chuva é amiga e é bem-vinda. Os homens aqui no café falam da remodelação governamental de ontem. Escuto de longe. Os homens continuam falando. Sugerem a extinção de seis das nove câmaras da ilha de Santiago. E até indiciam que seria melhor a anexação da câmara da ilha do Maio a alguma outra ilha.
Sinopse
Istambul, 1840. Yashim Togalu, o brilhante detetive eunuco, é convocado para uma audiência com o jovem sultão Abdiilmecid, que o encarrega de encontrar uma obra de arte há muito desaparecida: o retrato de Mehmet, o Conquistador, pintado em 1479 pelo famoso mestre veneziano Bellini.O sultão está convencido de que o quadro se encontra em Veneza e, disfarçados, Yashim e o seu inestimável amigo, o embaixador polaco Stanislaw Palewski, atravessam o Mediterrâneo.Veneza é então uma cidade decadente, de palácios desertos e canais silenciosos onde se cruzam negociantes de Arte, falsificadores e aristocratas. O que começa por ser uma simples investigação em breve se torna num jogo perigoso e fatal, e os dois homens veem-se envolvidos numa conspiração que põe em causa quer a estabilidade do Império Otomano, quer a paz na Europa.Jason Goodwin, neste seu terceiro romance da série protagonizada pelo detetive Yashim, torna a oferecer-nos um retrato fascinante, com um apurado detalhe histórico, do Império Otomano e da Veneza dominada pelos Habsburgo.
Quem foi a mãe de Amílcar Cabral?
12.9.14
Eurídice Monteiro
Escrever sobre os passos biográficos de Dona Iva representa um duplo desafio. Apesar de conservar um certo simbolismo social pela sua devoção maternal no terrível segundo quartel do século XX, apenas recentemente surgiram dados e testemunhos mais significativos sobre a história de vida desta figura que ocupa um lugar na História como mãe de Amílcar Cabral. Nisso reside o duplo desafio deste pequeno texto: por um lado, trata-se de revisitar a biografia desta mulher, nas fronteiras da vida pública e privada; por outro, propõe-se uma abordagem sobre a sua influência na formação do líder e teórico da luta de libertação da Guiné e de Cabo Verde. Não se trata de empreender um exercício de escavação arqueológica nos escombros da História, mas sim juntar algumas peças soltas e fragmentadas que já foram de algum modo publicadas e, sempre que possível, tentar proporcionar uma leitura complementar ou até decifrar pistas de investigação, sobretudo quanto às relações quotidianas, laborais, familiares, interpessoais e de género. Efetivamente, isto implica um olhar atento sobre as múltiplas formas de participação feminina nos projetos nacionais.
Iva Pinhel Évora (1893-1977)
Este é um pequeno texto sobre a história de uma mulher da qual não só sabe-se muito pouco, como propagam-se equívocos acerca da sua origem e trajetória. Ainda há pouco tempo, pressupunha-se que Iva Pinhel Évora fosse guineense (cf. Sousa, 2011: 43), natural da Boavista (Lopes, 2002: 45-46; Tomás, 2007: 37-38) ou da cidade da Praia (Castanheira, 1995: 26). Embora seja muito pouca a documentação oficial sobre ela, “pelo simples facto de nunca ter exercido funções a nível da Administração Pública” e porque de facto “nunca escreveu nenhuma memória autobiográfica, salvo uma entrevista concedida ao jornal Nô Pintcha [...] em 1977” (Sousa, 2011: 44), José Maria Vieira de Brito Almeida conseguiu, em 2004, localizar a sua certidão de batismo, revelando mais dados sobre o local de origem, a filiação e a data de nascimento desta personagem histórica.
Com efeito, sabe-se hoje que Dona Iva nasceu talvez no sítio de São Francisco, no concelho da Praia (Santiago), a 31 de dezembro de 1893. O pai, António Pinhel Évora nasceu na ilha de Santiago, era lavrador e tinha “uma bela caligrafia.” Sua mãe, Maximiana Monteiro da Rocha era igualmente natural da ilha de Santiago, foi lavadeira e não sabia ler nem escrever.[1] Ela foi batizada na Igreja de Nossa Senhora da Graça, Praia, a 13 de junho de 1894. Foram padrinhos João F. Pereira de Mello e Mascarenhas (solteiro, caixeiro) e Amália Cândida Nunes d’Aguiar Alfama (casada, proprietária), residentes na cidade da Praia (cf. Almeida, 2004: 4).
Patrick Chabal (1983: 29) havia afirmado que Iva Pinhel Évora “came from a very modest São Tiago family and did not receive any formal schooling at all.” Porém, existem atualmente informações que contrariam tal asserção. Com base nas entrevistas realizadas aos familiares desta protagonista, Julião Soares Sousa (2011: 44) assegurou que, “à semelhança dos restantes irmãos, Iva Pinhel Évora apenas pôde completar a instrução primária.” Para além disso, conforme certificou José Maria Almeida (2004: 4), tal como o seu pai, ela tinha “uma bela caligrafia.” Tendo em atenção que, ao tempo, a maioria da população feminina não tinha facilmente acesso à educação formal e muitas mulheres permaneciam analfabetas ao longo da vida, pode-se perceber que o facto de ser originária de um dado meio geográfico, onde havia um certo número de estabelecimentos de ensino primário, e filha de pai com alguma instrução teria favorecido a sua ida à escola, ainda que ela não pertencesse aos estratos mais elevados da sociedade.
Em 1922, quando tinha 29 anos de idade, ela emigrou para a Guiné, com o seu primogénito de nove meses (Ivo Carvalho Silva, nascido a 24 de novembro de 1921) e o seu companheiro (João Carvalho Silva, que seria funcionário das finanças nessa outra colónia). Mal aportaram na Guiné, tal relação chegou ao fim. Ao que se sabe, nesse mesmo ano, Iva Pinhel Évora conheceu Juvenal Cabral,[2] o seu futuro companheiro (Chabal, 1983: 29; Sousa, 2011: 44).
De acordo com o historiador guineense Julião Soares Sousa, existe uma nota administrativa, escrita na véspera do Natal de 1923, revelando que “outra mulher, residente em Bafatá, tinha entrado na vida de Juvenal Cabral, o que certamente justificava as frequentes ausências deste do seu posto de trabalho em Geba.” Tal nota, da autoria do administrador, informava que “essas ausências eram motivadas pela necessidade de fiscalizar o negócio de uma ‘loja em nome de uma mulher’, que com ele vivia naquela cidade, para além de outro ‘estabelecimento semelhante em Geba, mas que se encontrava em nome da sua própria mulher’.” Com efeito, Julião Soares Sousa confirmou, nessa época, a “existência de duas mulheres: uma a viver em Bafatá, que se trataria de Iva Pinhel Évora, e a outra, a ‘própria mulher’, que deveria ser a Ernestina Soares de Andrade, ao tempo residente em Geba com a sua, já nessa altura, numerosa prole.” Também, numa nota enviada à administração, a 23 de dezembro de 1923, Juvenal dava conta que, “achando-se em férias, seguiria para Bafatá, ‘a fim de preparar uns documentos’ que lhe seriam necessários, pois tencionava ‘mudar de situação’.” Entretanto, passados nove meses, um novo facto de registo prendia-se com o nascimento de Amílcar Cabral, a 12 de setembro de 1924, filho de Juvenal Cabral e Iva Pinhel Évora (Sousa, 2011: 41 e 49-50).
(Iva Pinhel
Évora aos 37 anos,
foto gentilmente cedida pelo Dr. José Maria Almeida)
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(Juvenal Cabral aos 48 anos,
foto gentilmente cedida pelo Dr. José Maria Almeida)
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Possivelmente por dificuldades de readaptação, Iva regressou à Guiné, em 1930 ou 1931, “tendo fixado residência em Bissau, mais concretamente no bairro de Chão de Papel, onde [...] partilhou a mesma casa com o Juvenal e a sua nova família.”[3] Ali, naquelas circunstâncias e em precárias condições financeiras, Iva teria ocupado confeccionando coisas caseiras para comercializar no sector informal. Em 1932, Juvenal regressou definitivamente ao arquipélago de Cabo Verde, levando consigo Amílcar, Armanda e Arminda (frutos da sua relação com a Iva), uma vez que, talvez por motivos de saúde maternal e infantil, a sua esposa portuguesa Adelina havia permanecido em Santiago, desde o fim do primeiro trimestre desse ano, com o seu filho primogénito dessa nova relação (Luís Cabral, nascido em 10 de abril de 1931). Efetivamente, tudo indica que, nesse período, Iva ficou na Guiné, “alegadamente impossibilitada de viajar por ter sido vítima de um roubo, que a obrigou a tentar refazer a sua vida antes de partir.” Mais ou menos um ano depois, em 1933 ou 1934, ela regressou ao arquipélago de Cabo Verde, fixando residência em Ponta Belém (Praia), e reassumindo a tutela dos seus filhos que estavam com o pai deles, no interior da ilha de Santiago (cf. Tomás, 2007: 49; Sousa, 2011: 56-66). Pedro Martins (1995: 173) assegurou que a conquista da custódia dos filhos não teria sido nada fácil: “quando a Dona Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar, ia visitá-lo, assim como aos outros filhos [...], eram criadas dificuldades imensas, e os meus avós tinham que interceder para que ela os pudesse ver. Geralmente, era em casa dos meus avós que a Dona Iva se encontrava com os seus filhos [...]. Amílcar [estava] muito atrasado nos estudos. Ela chorava, e Amílcar consolava-a naquele tom convincente que possuía desde criança: ‘Mãe não chore. Um dia hei-de fazer-te feliz’.”
Tudo indica ainda que tinha sido, na Praia, que Amílcar Cabral iniciou os seus estudos, seguindo, em 1937, com a mãe e os restantes quatro filhos dela, para a ilha de São Vicente, a fim de frequentar o Liceu Gil Eanes, único que havia no arquipélago. Tal deslocação da Iva e de todos os seus filhos devia-se talvez à falta de familiar que pudesse acolher o seu filho estudante, que havia concluído a instrução primária com distinção (cf. Sousa, 2011: 67-94). Em São Vicente, atendendo às necessidades de subsistência e da educação dos filhos, Iva não se poupou a esforços. Na sua situação de mulher independente e chefe da sua família, teve que se desdobrar em várias ocupações, tendo sido não apenas operária numa fábrica de conserva de peixe, mas também costureira e lavadeira de militares portugueses, que estavam na ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial. Em 1944, Amílcar concluiu o liceu, tendo regressado para a Praia, juntamente com a sua mãe e os seus irmãos.
A propósito, na única entrevista que concedeu, pouco antes da sua morte, em 1977, Iva Pinhel Évora deixou um testemunho da dureza dos dias passados: “cansei-me demais na máquina, na tina e no ferro; a trabalhar dia e noite porque não tinha auxílio do pai” (apud Lopes, 2002: 45; cf. Sousa, 2011: 44 e 92). Numa referência acerca do trabalho da sua mãe e da penúria que assolava o arquipélago, Amílcar Cabral (1974: 57) recordaria: “quando eu estava no liceu, a minha mãe [...] empregou-se na fábrica de conserva de peixe, porque a costura não dava nada. E sabem quanto é que ela ganhava por hora? Cinco tostões por hora, e, se houvesse muito peixe, podia trabalhar 8 horas por dia, ganhando 4 pesos (escudos). Mas se o peixe fosse pouco, (era preciso andar muito para chegar à fábrica) trabalhava uma hora e ganhava cinco tostões.” É importante reflectir que, neste apontamento de Amílcar Cabral, nota-se não só o reconhecimento dos sacrifícios de uma operária (e sua mãe), como a sua utilização propagandista contra o sistema colonial. Todavia, Iva pôde contar igualmente com os ordenados do seu “filho mais velho de outra relação, Ivo Carvalho da Silva [...], que havia frequentado ‘a escola de carpintaria e marcenaria’ [...] [e do seu filho Amílcar, que] dava explicações” (Sousa, 2011: 92). Justando todos esses esforços, Iva Pinhel Évora conseguiu garantir o sustento da sua família, num tempo de seca, de crise alimentar e de derradeira decadência do Porto Grande de São Vicente. Entre 1944 e 1945, já instalado na cidade da Praia, Amílcar ocupou-se como ajudante de tipógrafo na Imprensa Nacional. Seguiu para o ensino superior, em Lisboa, em 1945, tendo concluído o curso de Agronomia, em 1952,[4] e fundado o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, nos anos cinquenta.
Muito embora se saiba o quão importante foi o papel desta mãe no percurso e no processo educativo do seu filho Amílcar Cabral, pouco se fala da sua influência no pensamento e na acção política do líder e teórico revolucionário. Numa análise histórica recente sobre a biografia de Amílcar Cabral, Julião Soares Sousa (2011: 89) assegurou que, do ponto de vista referencial, a mãe, Iva Pinhel Évora, ocupava “um lugar central na vida de Amílcar.” Iva tinha lutado, numa terra agreste e numa época sombria, para a sobrevivência e a educação dos filhos. “Este foi-lhe, como é óbvio, eternamente grato por isso; através do advogado A.V.S., fazia chegar até ela uma mesada para o seu sustento” (Lopes, 2002: 45). Porém, quanto às acções políticas do filho, Iva confessou: “Ele nunca me disse claramente que ia entrar na vida política. Não ousava dizer-me isso [...]. Se eu soubesse que ia dar em político, não lhe dava estudos. Mas adivinhar [era] proibido” (apud Lopes, 2002: 45).
Segundo o historiador guineense, ela teria exercido uma forte influência na formação do seu filho, com excepção da formação estritamente política. Entretanto, para Sousa, isto não pressupõe que Juvenal Cabral[5] teria exercido maior influência na consciencialização política de Amílcar, apesar do seu capital cultural, social e político (Sousa, 2011: 89 e 92). Em todo o caso, parece importante não ignorar quer “a influência [directa ou indirectamente] exercida por Juvenal Cabral na formação intelectual do filho, como literato de erudição clássica e pela sua acção cívica assumida em defesa dos interesses da colónia” (Osório, 1984: 39), ainda que não passaram muito tempo juntos e ainda que o tempo colocou-lhes em oposição histórica; quer a influência pessoal, maternal e moral de Iva Pinhel Évora, como uma lutadora incansável, operária e mãe visionária.
Para além disso, “como outra mostra de gratidão e de reconhecimento, o relatório final do curso foi novamente dedicado à mãe e, pouco depois de terminar o curso de Agronomia, já a caminho da Guiné, Amílcar não deixou de fazer escala na cidade da Praia, com o intuito de mostrar o diploma à progenitora.” De igual modo, “em jeito de homenagem àquela que foi de facto tudo para ele, Amílcar atribuiu o nome de Iva à filha primogénita da relação com Maria Helena Vilhena, nascida em Bissau, a 13 de Abril de 1953” (Sousa, 2011: 94; cf. ainda Almeida, 2004: 4).
Para ti, Mãe Iva,
Eu deixo uma parcela
Do meu livro de curso…
P’ra ti, que foste a estrela
Da minha infância agreste.
P’ra ti, Mãe, que me deste
A tua alma viva
E o teu Amor profundo,
Maior que o próprio Mundo!
Aceita este tributo,
Que tudo quanto eu for,
Será do teu Amor,
- Tua carne, Mãe, teu fruto!
Sem ti, não sou ninguém.
Só sou – porque és Mãe.
Ao que se sabe, “mãe e filho viram-se, pela última vez, em 1959” (Lopes, 2002: 45). Amílcar foi assassinado na Guiné-Conacri, a 20 de Janeiro de 1973. Na altura, Iva Pinhel Évora residia em Bissau, tendo deslocado ao país vizinho para o funeral do filho (Tomás, 2007: 284; cf. Ygnatiev, 1975; cf. Castanheira, 1995). Aquando da independência de Cabo Verde (5 de Julho de 1975), ela estava ainda viva. Morreu em Bissau, em Agosto de 1977.
Depois da sua morte, na última página do jornal Voz di Povo, em Cabo Verde, foi publicado uma fotografia dela, com a seguinte nota informativa: “Morreu a mãe de Cabral. Dona Iva foi um exemplo de carácter firme de muitas mães africanas a quem o engajamento dos filhos na luta de libertação privou de um amparo material e expôs às pressões e insultos dos ocupantes coloniais. A resistência firme de mães como Dona Iva foi certamente uma força moral que contribuiu para a vitória política e é indispensável para a vitória económica” (apud Almeida, 2004: 4).
Referências bibliográficas
ALMEIDA, José Maria (2004), “Subsídios para a Biografia de Amílcar Cabral”, in Horizonte (Sexta-feira, 17 de Setembro), pp4.
CABRAL, Amílcar (1974), Alguns Princípios do Partido. Lisboa: Seara Nova.
CABRAL, Juvenal (2002), Memórias e Reflexões. Praia: IBN.
CASTANHEIRA, José Pedro (1995), Quem Mandou Matar Amílcar Cabral. Lisboa: Relógio D’Água.
CHABAL, Patrick (1983), Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War. London: Cambridge University Press.
LOPES, José Vicente (2002), Cabo Verde: Os Bastidores da Independência. Praia: Spleen.
MARTINS, Pedro (1995), Testemunho de um Combatente. Praia e Mindelo: CCP.
OSÒRIO, Oswaldo (org.) (1984), A Emergência da Poesia em Amílcar Cabral: 30 Poemas. Praia: Grafedito.
TOMÁS, António (2007), O Fazedor de Utopias: Uma Biografia de Amílcar Cabral. Lisboa: Tinta-da-China.
SOUSA, Julião Soares (2011), Amílcar Cabral: Vida e Morte de um Revolucionário Africano. Lisboa: Nova Vega.
YGNATIEV, Oleg (1975), Três Tiros da PIDE: Quem, Porquê e Como Mataram Amílcar Cabral. Lisboa: Prelo.
[1] António Pinhel Évora era filho de Serafim A. Évora (ourives, Boavista) e Maria Pinhel Évora (proprietária, Praia); Maximiana Monteiro da Rocha era filha de Francisco Monteiro e Marcella Monteiro Rocha, ambos agricultores e naturais de Santiago (Almeida, 2004: 4; Sousa, 2011: 44).
[2] Juvenal António Lopes da Costa Cabral nasceu na freguesia de São Nicolau Tolentino (Santiago), a 2 de Janeiro de 1889. Este era filho do padre António Lopes da Costa (antigo aluno no Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau) e Rufina Lopes Cabral (descendente de uma família de lavradores da Ribeira dos Engenhos, Santiago). Tinha dez meses, quando o seu pai foi assassinado. Com a morte do pai, Juvenal ficou a cargo do avô paterno, Pedro Lopes da Costa, de uma tia paterna, Paula Lopes da Costa, e depois da sua madrinha, Simoa dos Reis Borges. Simoa foi uma das duas herdeiras do irmão Manuel dos Reis Borges, um dos grandes proprietários da ilha de Santiago de então. Em 1898, uma vez casada em segundas núpcias, Simoa arrendou as propriedades herdadas a um seu irmão, seguindo em companhia do marido português e de Juvenal para S. Tiago de Cassurrães (Beira Alta, Portugal). Ali, Juvenal recebeu a notícia do falecimento do seu avô paterno, sendo-lhe deixado em testamento a quantia de 600 mil réis para financiar os seus estudos. Frequentou o ensino primário em S. Tiago de Cassurrães e o Seminário de Viseu, embora não tendo concluído o desejado estudo sacerdotal. Em 1905, regressou a Cabo Verde, e no ano seguinte inscreveu-se no Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau. Porém, passado apenas um ano, desistiu dos estudos e regressou para a ilha de Santiago. Em 1911, viveu na Praia, mas logo nesse ano seguiu para a Guiné, em busca do seu primeiro emprego. Ali, depois de desempenhar algumas funções de curta duração, foi contratado como professor não diplomado, em 1913, tendo exercido esta profissão em diversas escolas primárias para o sexo masculino, até ao ano de 1932, data do seu pedido de aposentação por invalidez. Além de motivos de saúde, haveria eventualmente outras razões para o regresso definitivo a Cabo Verde, como as dificuldades de progressão na carreira, os conflitos laborais e o facto de ser designado como administrador e futuro herdeiro das propriedades da sua madrinha Simoa. Com efeito, fixou residência em Achada Falcão e, devido às crises dos finais dos anos trinta e princípios dos anos quarenta, mudou para a cidade da Praia. Ao todo, ele teve cerca de duas ou três dezenas de filhos. Morreu em 20 de Março de 1951 (cf. Cabral, 2002: 17ss; Lopes, 2002: 44; Castanheira, 1995: 26; Sousa, 2011: 42-63).
[3] Na paróquia de Santa Catarina (ilha de Santiago), a 22 de Fevereiro de 1930, Juvenal Cabral casou-se com a portuguesa Adelina Rodrigues Correia, cunhada da sua madrinha Simoa (cf. Sousa, 2011: 56).
[4] Amílcar seguiu para o ensino superior “graças à obtenção de duas bolsas: uma do liceu, obtida por mérito, e outra, a concurso, da Missão dos Estudantes do Ultramar.” Mas não bastariam para pagar as despesas. Por isso, também “dava explicações durante o ano lectivo e procurava trabalhos ocasionais durante as férias. Apesar dos apertos financeiros, no entanto, nunca descurou as suas responsabilidades familiares. Apoiava ocasionalmente a família que tinha deixado em Cabo Verde e ajudou a irmã, Arminda, a vir mais tarde para Lisboa frequentar cursos de enfermagem e de corte e costura” (Tomás, 2007: 59-60).
[5] No entender de Julião Soares Sousa, “Amílcar Cabral nunca podia ter herdado de Juvenal um sentimento de hostilidade relativamente à colonização, conhecida que era a simpatia do pai [enquanto intelectual] para com a ideia de Pátria-Lusitana e até com o regime vigente.” Seguindo Sousa, “em virtude da educação recebida na Praia, no Mindelo e mais tarde em Portugal, pelo menos até 1949, o próprio Amílcar teve dificuldades em libertar-se da imagem de um Cabo Verde integrado dentro do chamado ‘mundo português’ e também do sentimento de ser português, devido a uma alienação à História e à cultura portuguesas.” Isto, de certa forma, “não deixava de colidir com [...] [o sentimento de] revolta em relação ao destino do povo caboverdiano, estigmatizado pela fome e pelas crises agrícolas.” Por isso, a passagem para a africanidade teria ocorrido em Portugal, onde efectuou os seus estudos superiores num ambiente marcado pelo contacto com os estudantes das outras colónias portuguesas e com o movimento da negritude, protagonizado por estudantes originários das colónias francesas e residentes em Paris (Sousa, 2011: 87-88 e 113).
Cabo Verde fura as balizas do lado de riba e do lado de baixo
10.9.14
Eurídice Monteiro
Foto: ASM. |
Depois dos 3-1 aplicados ao Níger, Cabo Verde vence Zâmbia por 2-1. Os Tubarões Azuis foram os primeiros a furar tanto a baliza de riba como a de baixo do novo estádio nacional em Monte Vaca. Somando 6 pontos em dois jogos, Cabo Verde lidera o grupo f rumo ao CAN-2015, em terras marroquinas.
Próxima missão: trocar a relva chinesa por coisa melhor, além de deitar fora este equipamento pré-fabricado...
“As Mãos de Eurídice” no Mindelact
8.9.14
Eurídice Monteiro
Parabéns, Mindelact!
Uma vez, fôramos a Mindelo em digressão-escolar-teatral e, enquanto grupo liceal (Juliceu do LDR), recebêramos bilhetes para assistir a alguns espetáculos. É pena que eu nunca mais tenha voltado ao Mindelact. Também a minha carreira de atriz foi efémera. Começou e terminou no mesmo ano letivo, com uma única peça de razoável sucesso. Fiquei com uma boa memória desse tempo, do festival de teatro do Mindelo e do seu diretor João Branco. Pelos palcos do Mindelact já passaram tantas peças e eu tenho escutado os ecos das coisas boas que lá acontecem. Parabéns, Mindelact!
“As Mãos de Eurídice”, encenação crioula
Esta é a mais famosa peça do dramaturgo ucraniano Pedro Bloch, que narra a história de um escritor de obras inéditas, Gumercindo Tavares, e a sua louca paixão por Eurídice. Escrito em 1949, é considerado o primeiro monólogo encenado no Brasil. Estreou-se em 1950, tendo como protagonista o ator Rodolfo Mayer. Segundo consta, desde então, já conta com mais de 60 mil encenações em mais de 45 países. É uma peça que vem sendo interpretada pelo mundo fora, por consagrados atores de teatro como Sean Connery (Inglaterra), Maurice Schwartz (EUA), Enrique Guitart (Espanha) ou Marcello Moretti (Itália). No ano passado, pela primeira vez, foi apresentada em Portugal, com o ator Sindle Filipe. E agora, no dia 22 de Setembro, no âmbito da 20ª edição do Mindelact, acontecerá mais uma encenação, em Cabo Verde, com o ator caboverdiano Manuel Estevão.
Na encenação crioula, o protagonista é Manuel Estevão. A adaptação deste monólogo conta «a história de um homem sozinho com o seu desespero, procurando apoio, compreensão e solidariedade entre o público que o assiste e paz consigo próprio». Nesta peça, Gumercindo é o homem que se apaixonou por Eurídice, que tinha belas mãos, e com quem viveu uma aventurosa paixão na Argentina, durante sete longos anos, mas que o abandonou depois de sugar todo o seu dinheiro no jogo de casino. «Percebendo que nada lhe restava ali, Gumercindo pediu a Eurídice que lhe devolvesse alguma das suas jóias. Vendo que este pedido não foi atendido, Gumercindo resolve voltar para casa», onde deixou a sua ex-esposa, Dulce, e os seus filhos. Entretanto, «encontra a sua mulher com outro homem, a sua filha casada e, aterrorizado, dá-se conta que o seu filho morreu». Em síntese, nesta versão, «as mãos de Eurídice trazem, a Gumercindo Tavares, a angústia, a alegria, a miséria, as mãos nos seus afagos, nos seus vícios, enfim, no seu extremo poder, mostrando, acima de tudo, o quanto conseguem os males do Homem penetrar fundo no seu íntimo e deixar marcado o símbolo de seus actos.»
Manuel Estevão, o ator
Manuel Estevão é caboverdiano, de São Vicente, e vive em Seixal. Tem 52 anos. Foi, recentemente, distinguido com o Prémio de Mérito Teatral e pelos 40 anos de carreira. Na sua experiência como ator de teatro, destaca-se a sua participação em diferentes peças, entre outros: “No Inferno”, de Arménio Vieira; “A Última Ceia”, de Rui Zink; “Alto Mar”, baseado nas obras de Mrozec e Eugénio Tavares; “Sapateira Prodigiosa”, de Frederico Garcia Lorca; “O Conde de Abranhos”, de Eça de Queirós; “Agravos de um Artista” e “Os Dois Irmãos”, de Germano Almeida; “Médico à Força”, de Moliére e “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. A sua estreia na peça “As Mãos de Eurídice” foi há três décadas. É, até agora, o único ator a interpretar este monólogo em Cabo Verde.
Manuel Estevão, o ator
Manuel Estevão é caboverdiano, de São Vicente, e vive em Seixal. Tem 52 anos. Foi, recentemente, distinguido com o Prémio de Mérito Teatral e pelos 40 anos de carreira. Na sua experiência como ator de teatro, destaca-se a sua participação em diferentes peças, entre outros: “No Inferno”, de Arménio Vieira; “A Última Ceia”, de Rui Zink; “Alto Mar”, baseado nas obras de Mrozec e Eugénio Tavares; “Sapateira Prodigiosa”, de Frederico Garcia Lorca; “O Conde de Abranhos”, de Eça de Queirós; “Agravos de um Artista” e “Os Dois Irmãos”, de Germano Almeida; “Médico à Força”, de Moliére e “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. A sua estreia na peça “As Mãos de Eurídice” foi há três décadas. É, até agora, o único ator a interpretar este monólogo em Cabo Verde.
Manuel Estevão, na peça No Inferno, de Arménio Vieira. |
No cinema, já participou em “Fintar o Destino”, do realizador Fernando Vendrell; “O Testamento do Sr. Napomuceno”, do realizador Francisco Manso; “Os Flagelados do Vento Leste”, do realizador António Faria, etc. Para além destas atividades, desempenha muitas outras funções no campo cultural.
Pedro Bloch, o autor
Foi médico pediatra, foniatra, jornalista, compositor, poeta, dramaturgo e autor de livros infanto-juvenis. Nasceu na Ucrânia, em 1914. Em 1922, quando contava 8 anos de idade, a sua família imigrou para o Brasil, onde ele se fez homem e viria a morrer aos 89 anos. No teatro, o seu primeiro grande sucesso foi “As Mãos de Eurídice”. Com esta peça, tornou-se autor do primeiro monólogo encenado no Brasil, tornando-se o dramaturgo brasileiro mais traduzido e representado pelo mundo fora.
“As Mãos de Eurídice”, com Rodolfo Mayer
Rodolfo Mayer (1910-1985) foi um ator brasileiro, primeiro protagonista mundial da peça teatral “As Mãos de Eurídice”, monólogo que ele interpretou durante vinte anos e subiu ao palco por mais de quatro mil vezes para apresentar este espetáculo.