Mudjer di nha tera...

Panu maradu, grasa na rostu
Pé finkadu ta ora propostu
É mudjer di nha tera!

K sabi bafa dor [sabe esconder a sua dor]
K konxi storia, k tem kusa-l fla... [conhece a história e tem muito que contar]
É mudjer di nha tera! [é a mulher da minha terra]

Matakam di ser k ka ta tadjadu, [Ser de grandeza indomável]
Karamba si dja tem mudjer fadjadu [pois, se existe mulher generosa]
É mudjer di nha tera! [é a mulher da minha terra]

K ta argi pa si resam
Ta deta noti ta kuda manham,
Ta panha tristeza ta fasi koragem
Na kada kombersu ta passa um mensagem,
É mudjer di Kau Berdi! [é a mulher de Cabo Verde]

K ta panha lágua ta fasi força
Ta panha xintidu ta fasi distinu
La undi k medu ta bira sorti,
É mudjer di nha terá
É mudjer di Kau berdi!

Eneida Nelly (15 Nov 1986 - 18 Jul 2011, Tarrafal)

Nha Nácia Gomi | Jornada de uma Badia

Djobe li: [olha essa]
N ba ta pasa na rubera, [passando pela ribeira]
N atxa mudjeris ta kanga boi, [encontrei mulheres cangando bois]
rapariga nobu ta pika kana; [raparigas novas cortando canas]
N atxa móna-bédja ta po na birsi, [encontrei mulheres maduras trapichando]
ku ses boi sotadu, rabu nhemedu, [com os seus bois amansados e de cauda encurtada]
si kana piladu, bagas fuliadu, [com a sua cana moída e os bagaços retirados]
si kuba baredu, kalda korenti, [a sua cuba esvaziada e a calda correndo sempre]
si agordenti y agu na garafon! [o seu grogue e a água no garrafão]

Nha Nácia Gomi (Principal, 18 Jul 1925 - S. Cruz, 4 Fev 2011)

Salvem os românticos! Do amor à política educativa...

Para além dos poemas de Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Januário Leite e José Lopes da Silva, este último acertou em cheio numa questão que ainda hoje faz parte das reivindicações de mulheres do mundo inteiro:

“A educação que as caboverdianas recebem é quase totalmente doméstica e restrita aos costumes; mas a instrução, essa rudimentar instrução que tão escassamente se lhes proporciona, só a compartilham filhas de pais abastados e de medianos haveres ou de gente pobre a quem suceda residir nas proximidades das escolas. Assim, pois, a mulher caboverdiana, principalmente a do povo, não sabe ler, nem escrever, nem contar...” (José Lopes da Silva, séc. XIX).

É simplesmente singela esta generosidade do poeta com as mulheres em geral e as mulheres do povo em particular. Relativamente às mulheres nas ilhas de S. Nicolau, S. Antão, S. Vicente, Fogo, Santiago e Brava, no século XIX e princípios do seculo XX, a vida quotidiana era evidentemente constrangida por distinções de raça, classe e região, de maneira que a larga maioria da camada feminina não beneficiava de qualquer «direito à civilização». Assim, havia naquela época apenas um grupo de mulheres cujo acesso à educação lhes permitia tomar parte na vida cultural e nas altas rodadas das cidades e dos vilarejos.

Mesmo assim, tais mulheres privilegiadas eram afectadas pelas desigualdades de género, de maneira que, por mais que tivessem estudado nos colégios lusitanos e parisianos, a sua vida nas ilhas circunscrevia-se ao espaço da cozinha (os tais concursos de doçaria) e à animação dos saraus culturais em Nova Sintra, Ribeira Brava, S. Filipe, Praia e Mindelo. Embora tenham surgido algumas mulheres escritoras e jornalistas, perderam-se nas prateleiras da história. São elas: Maria de Spencer Freitas (S. Antão, primeira poetisa caboverdiana); Antónia Gertrudes Pusich (S. Nicolau, autora da primeira obra literária publicada de autoria caboverdiana); Emília Aguiar; Maria Luísa de Senna Barcellos; Gertrudes Ferreira Lima; Maria Cristina Rocha; Adélia Nobre Martins; Ida Loff Fonseca; Adelaide Maria das Neves; Maria Helena Spencer (Praia, uma das primeiras jornalistas e contistas caboverdianas), etc.

Adeus, até ao próximo ano! Um dia feliz para as mulheres de todas as ilhas, para as mulheres de outros mundos que residem nas ilhas e para as mulheres do mundo inteiro! E já agora: para os homens também!

As Badias

Badias quer dizer indomáveis. Foram tantas, nem sei por onde começar... Vejo ao espelho: um bikini novo faz toda a diferença! E pronta para um mergulho. «Dona Beba, nha danu benson!» Ela, enchendo a cara de sorriso, disse-nos: «Deus dá nhós vergonha!» Uh, Dona Beba está muito contente, pois Dona Lilika está cá! E lá vão elas, mãe e filha... Há muito tempo que eu já não sentia a areia macia na planta dos pés. E assim, o tempo passa como um pássaro que voa voa. É difícil dizer: adeus, Tarrafal!

Aqui vou eu, subindo a Serra, e serpenteando a ilha toda. «Ah Somada», essa foi mesmo à Vanusa! Outrora, em cada rua de aqui, havia uma mãe de terrorista, como dizia a Pide. Na praça, havia jasmim e rosas, tão cuidadas por femininas mãos. Nesta hora, a minha bisavó solta o fio da memória, lembrando de tantas vezes que não havia mercado por causa de greves das rabidantes de antigamente. Pergunto: «como eram as festas com as cantadeiras, como Nha Nácia e Nha Bibinha?» E ela desfaz-se num sorriso, afagando-me com as mãos de veludo. De Somada para Praia ou para Calheta? Praia!

Muita gente não sabe que Picos já foi «sede da província», nem que aqui há uma mulher que toca gaita e que, em três tempos, todo o mundo dança. Essa ponte remota liga a uma época em que coronéias abundavam nessa ribeira. Havia uma que chamava-se Izabel Bezerra, viúva do governador Oliveira e avó do coronel Bezerra. Uma outra chamava-se Violante. Esta, no seu tempo, o governador fora avisado de que ela, o seu irmão mais velho, o ouvidor geral, o padre guardião e o cura da Sé encontravam-se «todas as noites para conspirarem». De maneira que, no caso concreto desta dona, fora ordenada a sair da Praia para os Órgãos, onde tinha uma fazenda, «de onde nunca mais poderia sair sem ordem de sua majestade.» Nesse antigamente, havia donas com muito «cabedal» que faziam das suas contra os gregos e os troianos. Tudo isso termina na Cidade Velha, mas, enfim já é de noite, vou dormir!...

A Ilha das Mulheres | Cesária Évora International Airport

Vou-te buscar no aeroporto da Cesária, depois ficas comigo na rua da Dra. Isaura Gomes. Almoças com a candidata Filomena Vieira. Às 15h, tens uma reunião com a directora do jornal. O nome dela é Filomena Silva, mas quem vai-te receber é a jornalista Matilde Dias. Logo, às 18h, poderás assistir ao lançamento da obra completa da poetisa Yolanda Morazzo, a cargo da poetisa Vera Duarte e da historiadora Elisa Andrade; ou terás a oportunidade de assistir à abertura da exposição das artistas plásticas Luísa Queiroz e Edith Borges. Haverá no sábado um jantar com as mulheres fundadoras da OM, entre as quais a Dra. Crispina Gomes e a Dra. Maria das Dores. Mas, hoje, a noite será «entre mornas e fados»:
vozes: Celina, Titina, Nancy e Teté
piano: Tututa
viola: Iloisa Monteiro
[...]
E quem disse-te que Mont’Cara não é uma mulher?
[...]
bjinho

Nhánha Mudjer Balenti (1910) | «Guerra é Guerra»

Afinal os soldados vacilaram, quando Nhánha e um mar de gente marcharam em direcção ao presídio de Cruz Grande, exigindo a libertação das condenadas por furto de purga.
– Dessa vez, a guerra chegou a Caboverde!
– É melhor não fazer guerra. Temos poucos soldados e os guardas do coronel Aníbal não são de confiança.
– E esses indígenas?
– Valai-me Deus!
– Pressinto que, dessa vez, tencionam nos degolar.
– A minha mulher e os meus filhos ficaram na metrópole, de maneira que não desejo morrer na colónia.
– Ai de mim que ainda nem tenho filhos!

Orlanda Amarílis | Ser Badia, Inscrever Soncente

Filha do bravense filólogo Napoleão Fernandes, Orlanda Amarílis nasceu em 1924, na vila de Assomada, ilha de Santiago. Vivia no sítio de «Galo Canta», a cerca de três quilómetros da escola de Cabeça Carreira. Por isso, aos cinco anos, teve que se mudar para a ilha de São Vicente, a fim de estudar. Enquanto sobrinha de António Aurélio Gonçalves, tinha acesso privilegiado aos espaços culturais, o que lhe permitia conviver com escritores de nomeada da época. Tão cedo revelou interesse pela escrita, tendo sido a única rapariga da Academia Cultivar do Liceu Gil Eanes. Nesse frenesi juvenil, conheceu e casou-se com o ensaísta português Manuel Ferreira, que na altura era militar radicado naquela ilha. Com o marido, foi para Goa e deu volta ao mundo, e depois fixou-se em Lisboa. Com os filhos já crescidos, publicou alguns livros de contos, como «Cais-do-Sodré té Salamansa» (1974), «Ilhéu dos Pássaros» (1983) e «A Casa dos Mastros» (1989), para além de títulos da literatura infantil. Curiosamente, Orlanda Amarílis é uma das primeiras e poucas escritoras nascidas em Santiago, mas, se fosse forçoso situar a sua escrita literária, diria que ela é uma escritora mindelense e da diáspora lisboeta. Isto complexifica a identidade romanesca cabo-verdiana, sem dúvida...

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Laundry Detergent Coupons