mudjer, amdjer






















Boneca Cely, Tania Romualdo.

parabéns a todas! um lindo dia, outros sempre melhores!

A morte da poetisa II

Onde estão os homens caçados neste vento de loucura

O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Ai o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando pela vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
-- Que fizestes do meu povo?...
-- Que respondeis?
-- Onde está o meu povo?...
E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...

Alda Espírito Santo (1926-2010), São Tomé e Príncipe.

O Olho de Hertzog

Lançamento em Coimbra,
na Livraria Almedina (Estádio),
a 20 de Março, 19h,
com apresentação do
Prof. Boaventura de Sousa Santos.

Neste novo livro, Prémio Leya 2009, o escritor João Paulo Borges Coelho narra os combates das tropas alemãs contra as tropas portuguesas e inglesas no decurso da I Guerra Mundial, na fronteira entre Moçambique e o ex-Tanganica. O confronto entre africânderes e ingleses, a emigração moçambicana para a África do Sul, a reacção dos mineiros brancos, as primeiras greves dos trabalhadores negros e o nacionalismo moçambicano encaixam aqui numa harmonia literária própria do seu autor.

Entre a história e a literatura

Filho de pai transmontano e mãe moçambicana, o escritor João Paulo Borges Coelho é também professor de História Contemporânea de Moçambique e África Austral na Universidade Eduardo Mondlane. Da bibliografia deste escritor moçambicano, constam nomeadamente: As Duas Sombras do Rio; Índicos Indícios; Crónica da Rua 513.2; Campo de Trânsito; Hinyambaan.

A morte da poetisa I

No mesmo lado da canoa

As palavras do nosso dia
são palavras simples
claras como a água do regato,
jorrando das encostas ferruginosas
na manhã clara do dia-a-dia.

É assim que eu te falo,
meu irmão contratado numa roça de café
meu irmão que deixas teu sangue numa ponte
ou navegas no mar, num pedaço de ti mesmo em luta com o gandu
Minha irmã, lavando, lavando
p'lo pão dos seus filhos,
minha irmã vendendo caroço
na loja mais próxima
p'lo luto dos seus mortos,
minha irmã conformada
vendendo-se por uma vida mais serena,
aumentando afinal as suas penas...
É para vós, irmãos, companheiros da estrada
o meu grito de esperança
convosco eu me sinto dançando
nas noites de tuna
em qualquer fundão, onde a gente se junta,
convosco, irmãos, na safra do cacau,
convosco ainda na feira,
onde o izaquente e a galinha vão render dinheiro.
Convosco, impelindo a canoa p'la praia
juntando-me convosco
em redor do voador panhá
juntando-me na gamela
vadô tlebessá
a dez tostões.

Mas as nossas mãos milenárias
separam-se na areia imensa
desta praia de S. João
porque eu sei, irmão meu, tisnado como eu p'la vida,
tu pensas irmão da canoa
que nós os dois, carne da mesma carne
batidos p'los vendavais do tornado
não estamos do mesmo lado da canoa.

Escureceu de repente.
Lá longe no outro lado da Praia
na ponta de S. Marçal
há luzes, muitas luzes
nos quixipás sombrios...
O pito dóxi arrepiante, em sinais misteriosos
convida à unção desta noite feiticeira...
Aqui só os iniciados
no ritmo frenético dum batuque de encomendação
aqui os irmão do Santu
requebrando loucamente suas cadeiras
soltando gritos desgarrados,
palavras, gestos,
na loucura dum rito secular.

Neste lado da canoa, eu também estou irmão,
na tua voz agonizante, encomendando preces, juras, maldições.

Estou aqui, sim, irmão
nos nozados sem tréguas
onde a gente joga
a vida dos nossos filhos.
Estou aqui, sim, meu irmão
no mesmo lado da canoa.

Mas nós queremos ainda uma coisa mais bela.
Queremos unir as nossas mãos milenárias,
das docas dos guindastes
das roças, das praias
numa liga grande, comprida
dum pólo a outro da terra
p'los sonhos dos nossos filhos
para nos situarmos todos do mesmo lado da canoa.

E a tarde desce...
A canoa desliza serena,
rumo à Praia Maravilhosa
onde se juntam os nossos braços
e nos sentamos todos, lado a lado,
na canoa das nossas praias.

Alda Espírito Santo, in É nosso o solo sagrado da terra.


A poetisa da libertação, Alda Espírito Santo, natural de São Tomé, faleceu hoje aos 84 anos. Mulher das letras e da política; lutou e escreveu pelo seu país e pela África unida. Juntamente com Noémia de Sousa e Alda Lara, foi pioneira do nacionalismo africano. Entre Lisboa e Coimbra, sobretudo à volta da antiga Casa de Estudantes do Império e do Centro de Estudos Africanos, este último criado na casa da sua própria família, conviveu com homens e mulheres do período revolucionário africano. Entre a malta desse antigamente, inspirada também pela figura do santomense Francisco José Tenreiro que lhes precedeu, encontram-se: Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e Vasco Cabral... Apesar das incursões da PIDE, discutiam as mais pertinentes questões sobre a África colonizada.

Celebrizou o massacre de Batepá. E é autora do hino nacional de São Tomé e Príncipe. Foi uma mulher singular, a quem a poetisa Conceição Lima - que lhe sucedeu no canto da afroinsularidade - dedica os mais belos poemas e prosas sobre o espaço afro-insular e a quem a nova geração  chama de “a nossa poetisa”.

Na sequência da sua morte, o seu país decretou cinco dias de luto nacional.

Nu ta ba Praia pa Somada!

Calheta y Kadjetona

Era uma vez, uma aldeia de nome Calheta. A  pequena povoação à beira-mar vivia da agricultura, da pesca e do comércio. Sabe-se que sucedera a Ribeira de São Miguel, antes centro do aglomerado. Prosperará na sequência da extinção do regime de Morgadio que era bem conhecido na Ribeira de Flamengos e na Ribeira de São Miguel. Embora a chuva nas costas da ilha maior seja muito caprichosa, Calheta também tinha uma grande ribeira de nome Kadjetona, onde no antigamente as águas cristalinas percorriam, durante quase todo o ano, em direcção ao mar. Kadjetona possuía grandes extensões de terras irrigadas, que marcavam a vida agrícola da pequena aldeia do interior de Santiago. Porém, na minha infância, tudo o que ouvia eram rumores da bonança dos anos idos. Nunca os meus olhos viram nada do que me relatavam. Apenas as cicatrizes nos vales e encostas, a secura da terra e o azul do mar que se estende até à vizinha ilha do Maio.

Entretanto, o meu bisavô Biariká, um velhote do século dezanove, entretinha-me com outras estórias. Falava-me das suas viagens à Santa Catarina, ao Tarrafal e à Praia. Falava-me da vida no campo, da vinda da chuva e da alegria de um bom ano agrícola. Falava-me das camponesas, dos lavradores, das peixeiras e dos comerciantes. De entre tantas estórias, recordo-me de uma onde o meu bisavô Biariká narrava a cobiça que o solo fértil de Kadjetona provocava nos homens de olho grande. Contava-me que em Kadjetona também havia uma ponte imponente de acesso à pacata Calheta. Todavia, nos anos de setenta ou oitenta uma tempestade na faixa sahelina, seguida de chuva e cheia imparáveis, derrubara uma parte da dita ponte. Depois de duas ou três décadas, foi finalmente reerguida, mas Calheta já não gozava de honras e privilégios... Kadjetona deste meu tempo somente oferece ondas gigantes para desportos radicais e uma extensa praia de areia negra para a festa da Cinza.

Calheta – Somada – Praia

Mas hoje, numa conversa no MSN, a minha prima Janisse confirmou-me com fotografias coloridas que, no domingo passado, foi finalmente inaugurada uma longa estrada asfaltada de Kadjetona à Flamengos, trepando pela via de Cruz Grande até à cidade de Assomada. Acrescentou chateadamente que na aldeia a população aguarda impacientemente pela via rápida de acesso à capital:
- Timenti strada ka fika dretu, nu ta ba Praia pa Somada!

Mudjeris di Mundu Interu

Feliz dia das mulheres para todas nós!

Martin

I never saw him again.
But I will remember his black eyes forever.
.
Eurídice

 
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