Quem foi a mãe de Amílcar Cabral?


Escrever sobre os passos biográficos de Dona Iva representa um duplo desafio. Apesar de conservar um certo simbolismo social pela sua devoção maternal no terrível segundo quartel do século XX, apenas recentemente surgiram dados e testemunhos mais significativos sobre a história de vida desta figura que ocupa um lugar na História como mãe de Amílcar Cabral. Nisso reside o duplo desafio deste pequeno texto: por um lado, trata-se de revisitar a biografia desta mulher, nas fronteiras da vida pública e privada; por outro, propõe-se uma abordagem sobre a sua influência na formação do líder e teórico da luta de libertação da Guiné e de Cabo Verde. Não se trata de empreender um exercício de escavação arqueológica nos escombros da História, mas sim juntar algumas peças soltas e fragmentadas que já foram de algum modo publicadas e, sempre que possível, tentar proporcionar uma leitura complementar ou até decifrar pistas de investigação, sobretudo quanto às relações quotidianas, laborais, familiares, interpessoais e de género. Efetivamente, isto implica um olhar atento sobre as múltiplas formas de participação feminina nos projetos nacionais. 


Iva Pinhel Évora (1893-1977) 

Este é um pequeno texto sobre a história de uma mulher da qual não só sabe-se muito pouco, como propagam-se equívocos acerca da sua origem e trajetória. Ainda há pouco tempo, pressupunha-se que Iva Pinhel Évora fosse guineense (cf. Sousa, 2011: 43), natural da Boavista (Lopes, 2002: 45-46; Tomás, 2007: 37-38) ou da cidade da Praia (Castanheira, 1995: 26). Embora seja muito pouca a documentação oficial sobre ela, “pelo simples facto de nunca ter exercido funções a nível da Administração Pública” e porque de facto “nunca escreveu nenhuma memória autobiográfica, salvo uma entrevista concedida ao jornal Nô Pintcha [...] em 1977” (Sousa, 2011: 44), José Maria Vieira de Brito Almeida conseguiu, em 2004, localizar a sua certidão de batismo, revelando mais dados sobre o local de origem, a filiação e a data de nascimento desta personagem histórica. 

Com efeito, sabe-se hoje que Dona Iva nasceu talvez no sítio de São Francisco, no concelho da Praia (Santiago), a 31 de dezembro de 1893. O pai, António Pinhel Évora nasceu na ilha de Santiago, era lavrador e tinha “uma bela caligrafia.” Sua mãe, Maximiana Monteiro da Rocha era igualmente natural da ilha de Santiago, foi lavadeira e não sabia ler nem escrever.[1] Ela foi batizada na Igreja de Nossa Senhora da Graça, Praia, a 13 de junho de 1894. Foram padrinhos João F. Pereira de Mello e Mascarenhas (solteiro, caixeiro) e Amália Cândida Nunes d’Aguiar Alfama (casada, proprietária), residentes na cidade da Praia (cf. Almeida, 2004: 4). 

Patrick Chabal (1983: 29) havia afirmado que Iva Pinhel Évora “came from a very modest São Tiago family and did not receive any formal schooling at all.” Porém, existem atualmente informações que contrariam tal asserção. Com base nas entrevistas realizadas aos familiares desta protagonista, Julião Soares Sousa (2011: 44) assegurou que, “à semelhança dos restantes irmãos, Iva Pinhel Évora apenas pôde completar a instrução primária.” Para além disso, conforme certificou José Maria Almeida (2004: 4), tal como o seu pai, ela tinha “uma bela caligrafia.” Tendo em atenção que, ao tempo, a maioria da população feminina não tinha facilmente acesso à educação formal e muitas mulheres permaneciam analfabetas ao longo da vida, pode-se perceber que o facto de ser originária de um dado meio geográfico, onde havia um certo número de estabelecimentos de ensino primário, e filha de pai com alguma instrução teria favorecido a sua ida à escola, ainda que ela não pertencesse aos estratos mais elevados da sociedade. 

Em 1922, quando tinha 29 anos de idade, ela emigrou para a Guiné, com o seu primogénito de nove meses (Ivo Carvalho Silva, nascido a 24 de novembro de 1921) e o seu companheiro (João Carvalho Silva, que seria funcionário das finanças nessa outra colónia). Mal aportaram na Guiné, tal relação chegou ao fim. Ao que se sabe, nesse mesmo ano, Iva Pinhel Évora conheceu Juvenal Cabral,[2] o seu futuro companheiro (Chabal, 1983: 29; Sousa, 2011: 44). 

De acordo com o historiador guineense Julião Soares Sousa, existe uma nota administrativa, escrita na véspera do Natal de 1923, revelando que “outra mulher, residente em Bafatá, tinha entrado na vida de Juvenal Cabral, o que certamente justificava as frequentes ausências deste do seu posto de trabalho em Geba.” Tal nota, da autoria do administrador, informava que “essas ausências eram motivadas pela necessidade de fiscalizar o negócio de uma ‘loja em nome de uma mulher’, que com ele vivia naquela cidade, para além de outro ‘estabelecimento semelhante em Geba, mas que se encontrava em nome da sua própria mulher’.” Com efeito, Julião Soares Sousa confirmou, nessa época, a “existência de duas mulheres: uma a viver em Bafatá, que se trataria de Iva Pinhel Évora, e a outra, a ‘própria mulher’, que deveria ser a Ernestina Soares de Andrade, ao tempo residente em Geba com a sua, já nessa altura, numerosa prole.” Também, numa nota enviada à administração, a 23 de dezembro de 1923, Juvenal dava conta que, “achando-se em férias, seguiria para Bafatá, ‘a fim de preparar uns documentos’ que lhe seriam necessários, pois tencionava ‘mudar de situação’.” Entretanto, passados nove meses, um novo facto de registo prendia-se com o nascimento de Amílcar Cabral, a 12 de setembro de 1924, filho de Juvenal Cabral e Iva Pinhel Évora (Sousa, 2011: 41 e 49-50). 


(Iva Pinhel Évora aos 37 anos,
foto gentilmente cedidpelo Dr. José Maria Almeida)

(Juvenal Cabral aos 48 anos,
foto gentilmente cedidpelo Dr. José Maria Almeida)
Tudo indica que, em 1926, após o fim da relação entre Juvenal e Ernestina, este passou a viver maritalmente com a Iva. Ali, em Geba, a 19 de maio de 1927, nasceram as gémeas Armanda e Arminda. Também, tudo leva a crer que, em 1929, o casal já estava separado, sendo que, nesse ano, registaram e baptizaram os seus filhos, na Praia (Santiago). Nesse ano, Iva residia temporariamente no arquipélago. Porém, aquando da sua viagem à ilha, com intenções de ficar definitivamente, Iva encontrava-se grávida de António da Luz Cabral. No retrato acima, estampado no seu Bilhete de Identidade, que foi solicitado a 7 de abril de 1930, na cidade da Praia, nota-se a figura de uma mulher elegante de vestido, colar grande no peito e cabelo longo e ondulado para trás e com uma risca na lateral esquerda da cabeça (cf. Chabal, 1983: 29-30; Almeida, 2004: 4; Sousa, 2011: 53-57). 

Possivelmente por dificuldades de readaptação, Iva regressou à Guiné, em 1930 ou 1931, “tendo fixado residência em Bissau, mais concretamente no bairro de Chão de Papel, onde [...] partilhou a mesma casa com o Juvenal e a sua nova família.”[3] Ali, naquelas circunstâncias e em precárias condições financeiras, Iva teria ocupado confeccionando coisas caseiras para comercializar no sector informal. Em 1932, Juvenal regressou definitivamente ao arquipélago de Cabo Verde, levando consigo Amílcar, Armanda e Arminda (frutos da sua relação com a Iva), uma vez que, talvez por motivos de saúde maternal e infantil, a sua esposa portuguesa Adelina havia permanecido em Santiago, desde o fim do primeiro trimestre desse ano, com o seu filho primogénito dessa nova relação (Luís Cabral, nascido em 10 de abril de 1931). Efetivamente, tudo indica que, nesse período, Iva ficou na Guiné, “alegadamente impossibilitada de viajar por ter sido vítima de um roubo, que a obrigou a tentar refazer a sua vida antes de partir.” Mais ou menos um ano depois, em 1933 ou 1934, ela regressou ao arquipélago de Cabo Verde, fixando residência em Ponta Belém (Praia), e reassumindo a tutela dos seus filhos que estavam com o pai deles, no interior da ilha de Santiago (cf. Tomás, 2007: 49; Sousa, 2011: 56-66). Pedro Martins (1995: 173) assegurou que a conquista da custódia dos filhos não teria sido nada fácil: “quando a Dona Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar, ia visitá-lo, assim como aos outros filhos [...], eram criadas dificuldades imensas, e os meus avós tinham que interceder para que ela os pudesse ver. Geralmente, era em casa dos meus avós que a Dona Iva se encontrava com os seus filhos [...]. Amílcar [estava] muito atrasado nos estudos. Ela chorava, e Amílcar consolava-a naquele tom convincente que possuía desde criança: ‘Mãe não chore. Um dia hei-de fazer-te feliz’.” 

Tudo indica ainda que tinha sido, na Praia, que Amílcar Cabral iniciou os seus estudos, seguindo, em 1937, com a mãe e os restantes quatro filhos dela, para a ilha de São Vicente, a fim de frequentar o Liceu Gil Eanes, único que havia no arquipélago. Tal deslocação da Iva e de todos os seus filhos devia-se talvez à falta de familiar que pudesse acolher o seu filho estudante, que havia concluído a instrução primária com distinção (cf. Sousa, 2011: 67-94). Em São Vicente, atendendo às necessidades de subsistência e da educação dos filhos, Iva não se poupou a esforços. Na sua situação de mulher independente e chefe da sua família, teve que se desdobrar em várias ocupações, tendo sido não apenas operária numa fábrica de conserva de peixe, mas também costureira e lavadeira de militares portugueses, que estavam na ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial. Em 1944, Amílcar concluiu o liceu, tendo regressado para a Praia, juntamente com a sua mãe e os seus irmãos. 

A propósito, na única entrevista que concedeu, pouco antes da sua morte, em 1977, Iva Pinhel Évora deixou um testemunho da dureza dos dias passados: “cansei-me demais na máquina, na tina e no ferro; a trabalhar dia e noite porque não tinha auxílio do pai” (apud Lopes, 2002: 45; cf. Sousa, 2011: 44 e 92). Numa referência acerca do trabalho da sua mãe e da penúria que assolava o arquipélago, Amílcar Cabral (1974: 57) recordaria: “quando eu estava no liceu, a minha mãe [...] empregou-se na fábrica de conserva de peixe, porque a costura não dava nada. E sabem quanto é que ela ganhava por hora? Cinco tostões por hora, e, se houvesse muito peixe, podia trabalhar 8 horas por dia, ganhando 4 pesos (escudos). Mas se o peixe fosse pouco, (era preciso andar muito para chegar à fábrica) trabalhava uma hora e ganhava cinco tostões.” É importante reflectir que, neste apontamento de Amílcar Cabral, nota-se não só o reconhecimento dos sacrifícios de uma operária (e sua mãe), como a sua utilização propagandista contra o sistema colonial. Todavia, Iva pôde contar igualmente com os ordenados do seu “filho mais velho de outra relação, Ivo Carvalho da Silva [...], que havia frequentado ‘a escola de carpintaria e marcenaria’ [...] [e do seu filho Amílcar, que] dava explicações” (Sousa, 2011: 92). Justando todos esses esforços, Iva Pinhel Évora conseguiu garantir o sustento da sua família, num tempo de seca, de crise alimentar e de derradeira decadência do Porto Grande de São Vicente. Entre 1944 e 1945, já instalado na cidade da Praia, Amílcar ocupou-se como ajudante de tipógrafo na Imprensa Nacional. Seguiu para o ensino superior, em Lisboa, em 1945, tendo concluído o curso de Agronomia, em 1952,[4] e fundado o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, nos anos cinquenta. 

Muito embora se saiba o quão importante foi o papel desta mãe no percurso e no processo educativo do seu filho Amílcar Cabral, pouco se fala da sua influência no pensamento e na acção política do líder e teórico revolucionário. Numa análise histórica recente sobre a biografia de Amílcar Cabral, Julião Soares Sousa (2011: 89) assegurou que, do ponto de vista referencial, a mãe, Iva Pinhel Évora, ocupava “um lugar central na vida de Amílcar.” Iva tinha lutado, numa terra agreste e numa época sombria, para a sobrevivência e a educação dos filhos. “Este foi-lhe, como é óbvio, eternamente grato por isso; através do advogado A.V.S., fazia chegar até ela uma mesada para o seu sustento” (Lopes, 2002: 45). Porém, quanto às acções políticas do filho, Iva confessou: “Ele nunca me disse claramente que ia entrar na vida política. Não ousava dizer-me isso [...]. Se eu soubesse que ia dar em político, não lhe dava estudos. Mas adivinhar [era] proibido” (apud Lopes, 2002: 45). 

Segundo o historiador guineense, ela teria exercido uma forte influência na formação do seu filho, com excepção da formação estritamente política. Entretanto, para Sousa, isto não pressupõe que Juvenal Cabral[5] teria exercido maior influência na consciencialização política de Amílcar, apesar do seu capital cultural, social e político (Sousa, 2011: 89 e 92). Em todo o caso, parece importante não ignorar quer “a influência [directa ou indirectamente] exercida por Juvenal Cabral na formação intelectual do filho, como literato de erudição clássica e pela sua acção cívica assumida em defesa dos interesses da colónia” (Osório, 1984: 39), ainda que não passaram muito tempo juntos e ainda que o tempo colocou-lhes em oposição histórica; quer a influência pessoal, maternal e moral de Iva Pinhel Évora, como uma lutadora incansável, operária e mãe visionária. 

Para além disso, “como outra mostra de gratidão e de reconhecimento, o relatório final do curso foi novamente dedicado à mãe e, pouco depois de terminar o curso de Agronomia, já a caminho da Guiné, Amílcar não deixou de fazer escala na cidade da Praia, com o intuito de mostrar o diploma à progenitora.” De igual modo, “em jeito de homenagem àquela que foi de facto tudo para ele, Amílcar atribuiu o nome de Iva à filha primogénita da relação com Maria Helena Vilhena, nascida em Bissau, a 13 de Abril de 1953” (Sousa, 2011: 94; cf. ainda Almeida, 2004: 4).

Para ti, Mãe Iva,
Eu deixo uma parcela
Do meu livro de curso…
P’ra ti, que foste a estrela
Da minha infância agreste.
P’ra ti, Mãe, que me deste
A tua alma viva
E o teu Amor profundo,
Maior que o próprio Mundo! 
Aceita este tributo,
Que tudo quanto eu for,
Será do teu Amor,
- Tua carne, Mãe, teu fruto!
Sem ti, não sou ninguém.
Só sou – porque és Mãe.

Ao que se sabe, “mãe e filho viram-se, pela última vez, em 1959” (Lopes, 2002: 45). Amílcar foi assassinado na Guiné-Conacri, a 20 de Janeiro de 1973. Na altura, Iva Pinhel Évora residia em Bissau, tendo deslocado ao país vizinho para o funeral do filho (Tomás, 2007: 284; cf. Ygnatiev, 1975; cf. Castanheira, 1995). Aquando da independência de Cabo Verde (5 de Julho de 1975), ela estava ainda viva. Morreu em Bissau, em Agosto de 1977.

Depois da sua morte, na última página do jornal Voz di Povo, em Cabo Verde, foi publicado uma fotografia dela, com a seguinte nota informativa: “Morreu a mãe de Cabral. Dona Iva foi um exemplo de carácter firme de muitas mães africanas a quem o engajamento dos filhos na luta de libertação privou de um amparo material e expôs às pressões e insultos dos ocupantes coloniais. A resistência firme de mães como Dona Iva foi certamente uma força moral que contribuiu para a vitória política e é indispensável para a vitória económica” (apud Almeida, 2004: 4).


Referências bibliográficas
ALMEIDA, José Maria (2004), “Subsídios para a Biografia de Amílcar Cabral”, in Horizonte (Sexta-feira, 17 de Setembro), pp4.
CABRAL, Amílcar (1974), Alguns Princípios do Partido. Lisboa: Seara Nova.
CABRAL, Juvenal (2002), Memórias e Reflexões. Praia: IBN.
CASTANHEIRA, José Pedro (1995), Quem Mandou Matar Amílcar Cabral. Lisboa: Relógio D’Água.
CHABAL, Patrick (1983), Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War. London: Cambridge University Press.
LOPES, José Vicente (2002), Cabo Verde: Os Bastidores da Independência. Praia: Spleen.
MARTINS, Pedro (1995), Testemunho de um Combatente. Praia e Mindelo: CCP.
OSÒRIO, Oswaldo (org.) (1984), A Emergência da Poesia em Amílcar Cabral: 30 Poemas. Praia: Grafedito.
TOMÁS, António (2007), O Fazedor de Utopias: Uma Biografia de Amílcar Cabral. Lisboa: Tinta-da-China.
SOUSA, Julião Soares (2011), Amílcar Cabral: Vida e Morte de um Revolucionário Africano. Lisboa: Nova Vega.
YGNATIEV, Oleg (1975), Três Tiros da PIDE: Quem, Porquê e Como Mataram Amílcar Cabral. Lisboa: Prelo.


[1] António Pinhel Évora era filho de Serafim A. Évora (ourives, Boavista) e Maria Pinhel Évora (proprietária, Praia); Maximiana Monteiro da Rocha era filha de Francisco Monteiro e Marcella Monteiro Rocha, ambos agricultores e naturais de Santiago (Almeida, 2004: 4; Sousa, 2011: 44).
[2] Juvenal António Lopes da Costa Cabral nasceu na freguesia de São Nicolau Tolentino (Santiago), a 2 de Janeiro de 1889. Este era filho do padre António Lopes da Costa (antigo aluno no Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau) e Rufina Lopes Cabral (descendente de uma família de lavradores da Ribeira dos Engenhos, Santiago). Tinha dez meses, quando o seu pai foi assassinado. Com a morte do pai, Juvenal ficou a cargo do avô paterno, Pedro Lopes da Costa, de uma tia paterna, Paula Lopes da Costa, e depois da sua madrinha, Simoa dos Reis Borges. Simoa foi uma das duas herdeiras do irmão Manuel dos Reis Borges, um dos grandes proprietários da ilha de Santiago de então. Em 1898, uma vez casada em segundas núpcias, Simoa arrendou as propriedades herdadas a um seu irmão, seguindo em companhia do marido português e de Juvenal para S. Tiago de Cassurrães (Beira Alta, Portugal). Ali, Juvenal recebeu a notícia do falecimento do seu avô paterno, sendo-lhe deixado em testamento a quantia de 600 mil réis para financiar os seus estudos. Frequentou o ensino primário em S. Tiago de Cassurrães e o Seminário de Viseu, embora não tendo concluído o desejado estudo sacerdotal. Em 1905, regressou a Cabo Verde, e no ano seguinte inscreveu-se no Seminário-Liceu da ilha de São Nicolau. Porém, passado apenas um ano, desistiu dos estudos e regressou para a ilha de Santiago. Em 1911, viveu na Praia, mas logo nesse ano seguiu para a Guiné, em busca do seu primeiro emprego. Ali, depois de desempenhar algumas funções de curta duração, foi contratado como professor não diplomado, em 1913, tendo exercido esta profissão em diversas escolas primárias para o sexo masculino, até ao ano de 1932, data do seu pedido de aposentação por invalidez. Além de motivos de saúde, haveria eventualmente outras razões para o regresso definitivo a Cabo Verde, como as dificuldades de progressão na carreira, os conflitos laborais e o facto de ser designado como administrador e futuro herdeiro das propriedades da sua madrinha Simoa. Com efeito, fixou residência em Achada Falcão e, devido às crises dos finais dos anos trinta e princípios dos anos quarenta, mudou para a cidade da Praia. Ao todo, ele teve cerca de duas ou três dezenas de filhos. Morreu em 20 de Março de 1951 (cf. Cabral, 2002: 17ss; Lopes, 2002: 44; Castanheira, 1995: 26; Sousa, 2011: 42-63).
[3] Na paróquia de Santa Catarina (ilha de Santiago), a 22 de Fevereiro de 1930, Juvenal Cabral casou-se com a portuguesa Adelina Rodrigues Correia, cunhada da sua madrinha Simoa (cf. Sousa, 2011: 56).
[4] Amílcar seguiu para o ensino superior “graças à obtenção de duas bolsas: uma do liceu, obtida por mérito, e outra, a concurso, da Missão dos Estudantes do Ultramar.” Mas não bastariam para pagar as despesas. Por isso, também “dava explicações durante o ano lectivo e procurava trabalhos ocasionais durante as férias. Apesar dos apertos financeiros, no entanto, nunca descurou as suas responsabilidades familiares. Apoiava ocasionalmente a família que tinha deixado em Cabo Verde e ajudou a irmã, Arminda, a vir mais tarde para Lisboa frequentar cursos de enfermagem e de corte e costura” (Tomás, 2007: 59-60).
[5] No entender de Julião Soares Sousa, “Amílcar Cabral nunca podia ter herdado de Juvenal um sentimento de hostilidade relativamente à colonização, conhecida que era a simpatia do pai [enquanto intelectual] para com a ideia de Pátria-Lusitana e até com o regime vigente.” Seguindo Sousa, “em virtude da educação recebida na Praia, no Mindelo e mais tarde em Portugal, pelo menos até 1949, o próprio Amílcar teve dificuldades em libertar-se da imagem de um Cabo Verde integrado dentro do chamado ‘mundo português’ e também do sentimento de ser português, devido a uma alienação à História e à cultura portuguesas.” Isto, de certa forma, “não deixava de colidir com [...] [o sentimento de] revolta em relação ao destino do povo caboverdiano, estigmatizado pela fome e pelas crises agrícolas.” Por isso, a passagem para a africanidade teria ocorrido em Portugal, onde efectuou os seus estudos superiores num ambiente marcado pelo contacto com os estudantes das outras colónias portuguesas e com o movimento da negritude, protagonizado por estudantes originários das colónias francesas e residentes em Paris (Sousa, 2011: 87-88 e 113).

 
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