Um sonho desesperado
Virgem Maria Berdiana
Direitos das Crianças...
Caim, Jesus & Eu
Regresso
Dizem que o campo se cobriu de verde,
Mais um caso de violência sexual
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Na esquina do tempo
.Um abraço ao autor. Desta vez, lá estarei.
Brinka Batuku
Praianas
praienses adoptivos convictos praianos
irmãos dilectos dos nativos da cidade
cientes das suas susceptibilidades
e dos sonegados pergaminhos
da cidade amada que nos criou
da urbe adoptiva que aprendemos
.............................................../a venerar
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Poemas de Nzé di Sant’ y águ.
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É hoje, pelas 18.30, na Associação Cabo-Verdiana, em Lisboa, o lançamento do novo livro do poeta cabo‑verdiano José Luís Hopffer Almada. A apresentação estará a cargo da professora Ana Maria Martinho, do poeta Luís Carlos Patraquim e da poetisa Ana Paula Tavares.
Cidade Velha, Património Mundial
nos íngremes dias de infância,
nem o peso do pó regateaste
pelo lento entardecer dos anos,
embora setembro nas alturas
seja tanta luz a apascentar o verde.
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Altas vozes te nomearam
impávido cordeiro do sacrifício,
mas sei que eras apenas essa criança
sobressaltada quando no horizonte
surdem velas corsárias e o céu se
despenha da rota algibeira de deus.
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Por isso este abismo cavado
à flor da tua fala mansa, e as luzes
que trazes nos cabelos pulsando
como um anoitecido rebanho de estrelas.
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Estes desgrenhados versos que te ofereço
agora são o viático da desforra
nos enrouquecidos pulmões da história:
tudo cabe na garganta do tempo
ou à ilharga desse sol pernalta
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José Luís Tavares
«O útero da casa»
Mátria
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Quero-me desperta
se ao útero da casa retorno
para tactear a diurna penumbra
das paredes
na pele dos dedos reviver a maciez
dos dias subterrâneos
os momentos idos
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Creio nesta amplidão
de praia talvez ou deserto
creio na insónia que verga
este teatro de sombras
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E se me interrogo
é para te explicar
riacho de dor cascata de fúria
pois a chuva demora e o obô entristece
ao meio-dia
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Não lastimo a morte dos imbondeiros
a Praça viúva de chilreios e risonhos dedos
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Um degrau de basalto emerge do mar
e na dança das trepadeiras reabito
o teu corpo
templo mátrio
meu castelo melancólico
de tábuas rijas e de prumos.
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in O útero da casa,
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O destino de Cidade Velha
Isaura Gomes
primeira mulher presidente de uma Câmara Municipal (eleita em 2004; reeleita em 2008).
primeira mulher a se disponibilizar para uma eventual candidatura à Presidência da República.
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Parabéns, Zau. E obrigada por quebrar muitas barreiras.
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Marcha contra Violência...
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Poeta-laureado
XXIº Prémio Camões: Arménio Vieira
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...Meus amigos e minha amigas, Camões chega finalmente às ilhas afortunadas... Arménio Vieira, um poeta e escritor que já estava quase esquecido lá pelas bandas da capital cabo‑verdiana, acaba de ser galardoado com o Prémio Camões 2009. Este prémio maior da literatura produzida na lingua lusa já distinguiu mais de duas dezenas de escritores e escritoras, poetas e poetisas, que também são meus/minhas: Miguel Torga, Jorge Amado, Maria Velho da Costa, José Saramago, Pepetela, Sophia de Mello Breyner, Eduardo Lourenço, José Craveirinha, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes e agora Arménio Vieira...
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Arménio Vieira nasceu na cidade da Praia (ilha de Santiago, Cabo Verde), em Janeiro de 1941. Foi um elemento activo da geração de sessenta, um dos fundadores da Sèló: Folha dos Novíssimos. Tem colaboração dispersa em várias publicações (Mákua, Alerta, Imbondeiro, Ariope, Boletim de Cabo Verde, Vértice, Raízes, Ponto & Vírgula, Fragmentos e Sopinha de Alfabeto). Está incluído em diversas colectâneas. Publicou dois livros de poesia - Poemas (1981) e MITOgrafias (2007); a novela O Eleito do Sol (1989) e o romance No Inferno (1999). Acaba de concluir um novo livro de poesia, pronto para a sua publicação (que seja em Cabo Verde e além fronteiras!). Também já foi galardoado com muitos outros prémios. Em Março deste ano, João Branco encenou a peça “No Inferno”, que foi mais um momento de emoções para o autor da obra.
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Das reacções
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«A título pessoal, eu esperava o prémio. Mas por causa de ser Cabo Verde, admiti que fosse ainda um bocado cedo. É pequeno em relação à imensidão do Brasil, que tem centenas de escritores óptimos. E Portugal também [...]. Acho que é uma honra para Cabo Verde. É histórico, Cabo Verde nunca tinha ganho. Desta vez, lembraram-se do nosso pequeno país», disse Arménio Vieira.
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«Arménio Vieira reagiu, à sua maneira [...]: “Eu preferia não ganhar […]. Já recebi mais de 100 telefonemas, já dei várias entrevistas, enfim, isto cansa.”», disse Arménio Vieira.
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«É um escritor/poeta de ruptura, que saiu da tradicional ladainha da terra de Cabo Verde e abriu-se ao mundo. Arménio Vieira faz uma literatura de dissidência saudável [...]», Ministro da Cultura de Cabo Verde, Manuel Veiga.
Al final de este viaje en la vida
Al final de este viaje en la vida quedarán
nuestros cuerpos hinchados de ir
a la muerte, al odio, al borde del mar.
Al final de este viaje en la vida quedará
nuestro rastro invitando a vivir.
Por lo menos por eso es que estoy aquí.
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Somos prehistoria que tendrá el futuro,
somos los anales remotos del hombre.
Estos años son el pasado del cielo;
estos años son cierta agilidad
con que el sol te dibuja en el porvenir,
son la verdad o el fin, son Dios.
Quedamos los que puedan sonreír
en medio de la muerte, en plena luz.
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Al final de este viaje en la vida quedará
una cura de tiempo y amor,
una gasa que envuelva un viejo dolor.
Al final de este viaje en la vida quedarán
nuestros cuerpos tendidos al sol
como sábanas blancas después del amor.
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Al final del viaje está el horizonte,
al final del viaje partiremos de nuevo,
al final del viaje comienza un camino,
otro buen camino que seguir
descalzos contando la arena.
Al final del viaje estamos tú y yo intactos.
Quedamos los que puedan sonreír
en medio de la muerte, en plena luz.
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Silvio Rodríguez (Cuba)
«a vida é um ai que mal soa…»
Gabriel Pina (Gabi/Gi), jovem dinâmico, humilde, afável, comunicativo, de sorriso fácil e contagiante. Às vezes, recorria ao humor negro para revelar o que realmente lhe ia na alma. A sua curta e saudosa permanência entre nós deixa‑nos com a eterna lembrança de um jovem requintado e multifacetado; amante de valores como amizade, solidariedade, companheirismo e abnegação.
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Nasceu no dia 20-12-82, em Assomada, Cabo Verde. Oriundo de uma família batalhadora, personifica a trajectória historicamente protagonizada pelo povo das ilhas. Abraçou a educação, a instrução académica e o conhecimento com garra. Licenciado em Medicina, encontrava-se em fase de especialidade, em Havana, Cuba. Tinha 26 anos. Enfrentou com dignidade a maldita leucemia, encorajando, até aos últimos minutos, os seus colegas, amigos e familiares.
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Embora sabendo que “a vida é um ai que mal soa”, o dia 03-05-09 foi, para nós, de muita dor. Apesar da dor irreparável, e todos os gestos de conforto insuficientes para nos ajudar a lidar com essa perda, na primavera da vida, o desaparecimento físico do Gabi não apagará a imagem que temos do jovem daquele sorriso sempre contagiante e terno, como quem estivesse a atenuar a dor dos que o rodeavam, perante uma anunciada fatalidade.
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À família enlutada e aos amigos Gilson Cabral e Ed Rodrigues (3b is forever.), o nosso abraço.
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Amig@s em Cabo Verde e na Diáspora.
“I believe in angels”
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Gabriel Pina, Gabi/Gi,
20-12-82, Cabo Verde -- 03-05-09, Cuba.
26 anos...
médico. quase especialista...
menino de Assomada, do riso e de sonhos...
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Imagem: Edith Borges
Ela-contra-Ela
8-8... alcançamos um excelente resultado!
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Desta vez, com um dos potenciais árbitros da partida de pingue‑pongue em vias de ser substituído por um ex‑jogador de xadrez, e o outro a restabelecer as suas energias depois da última caçada desafortunada, aguarda-se uma jogada, se a memória não me falha, nunca dantes vista, nem nas ilhas, nem nos arredores, desde tempos imemoriais!
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De um lado, ela, ela mesma. Do outro, uma delas.
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Eis a questão: porque é que todas, de um lado e do outro, se emudecem?
...mas eles não estão preparados para «deixá‑las» flutuar, disse-me uma voz.
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This Is My Africa
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Em Lisboa, acontece!
Novos cinemas de África.
Para este fim-de‑semana,
fica uma sugestão: This Is My Africa.
Se não chover por cá, estarei lá...
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Espreitar o programa completo: lisin.
Máxima di Guida, uma mulher-rural
Tudo indica que nasceu na pequena aldeia à beira mar. Ali cresceu, e fez-se mulher. Mãe de um rapaz e de duas raparigas, que educou e sustentou sozinha aos olhos de toda a população da aldeia. Dos estudos, não tirou grande proveito. Por isso, cedo inventou mil alternativas para a sobrevivência do seu agregado familiar. Passou pelas Frentes de Alta Intensidade de Mão-de-Obra, com as suas anedotas e gargalhadas contagiantes; especializou‑se em fresquinhas e gelados caseiros, cobrindo, ainda hoje, com essa actividade, uma parte das suas despesas mensais. Aventurou-se pelo mundo do batuque, até se destacou em festivais e campanhas eleitorais lá na aldeia. Com os seus esforços, conquistou um emprego nos serviços dos registos e notariado do concelho. Mas não é só por essas habilidades em dar a volta à vida que Máxima di Guida é conhecida. Ela é uma das mulheres mais populares da minha aldeia piscatória.
A residência de Máxima di Guida fica localizada estrategicamente entre o antigo Posto de Saúde da Calheta e a antiga Esquadra. Portanto, no centro dos acontecimentos mais babados. Os casos mais cabeludos da aldeia não escapavam aos olhares atentos desta mulher, que quase numa lenda se transforma. Mal a assistente Alicina do Posto de Saúde da Calheta transmitia as informações relativas ao falecimento de fulano ou beltrano, Máxima di Guida se encarregava de noticiar a aldeia, através do seu choro‑cantado. Apesar dessa sua vocação em encenar o choro, o que Máxima di Guida gosta mesmo é de grandes festas e anedotas. As estórias verdadeiras da aldeia, muitas se encontram salvaguardada na sua memória. Teve contactos privilegiados, familiares, com figuras estóricas de Cutelo Miranda, e nunca esteve desactualizada sobre a vida da aldeia. Ainda hoje, vivendo na pacata Calheta, onde nem há incêndios, nem escândalos maiores, apenas teatro de rua sob a animação de populares enfadados, o seu posto de trabalho lhe mantém actualizada acerca dos nascimentos e dos óbitos, que não deixam de ser factos demasiado valiosos para as tardes de conversas afiadas, atrás da casa de Nhu Nuna e Nha Diminga, onde a aldeia espera incansavelmente pelo regresso das lanchas, agora mais vazias do que cheias.
Nunca foi homenageada pelos serviços prestados à aldeia. Com este post tento remediar esse esquecimento, recordando também a sua atenção desinteressada dedicada às crianças da minha geração, nas horas mais perigosas da aldeia – o regresso da escola. Mas não é para falar da localização estratégica da residência de Máxima di Guida e dos seus gestos de solidariedade que escrevo este post. Escrevo para falar da consciencialização desta mulher sobre a difícil luta da mulher-rural para uma vida decente. Escutei, em primeira-mão, as reivindicações de Máxima di Guida, os seus relatos reais sobre as dificuldades que muitas mulheres da minha vila enfrentam para educar e sustentar as suas crianças, muitas sem nenhuma contribuição da figura masculina. A desresponsabilização paternal e o peso que recai sobre as mulheres é hoje alvo de críticas acentuadas, sem que contudo sejam criadas políticas públicas para aliviar a situação das mulheres. Se estas continuam as mais pobres, é tanto por falta de oportunidades de emprego, como também por causa dos custos avultados que têm com o seu agregado familiar. É sobretudo no meio rural que a situação das mulheres encontra-se mais agravada, onde a percentagem das que chefiam famílias monoparentais é mais alta, sendo as possibilidades de emprego menores do que nos meios urbanos. Na minha vila, hoje já não existem as Frentes de Alta Intensidade de Mão-de-Obra, também já não existem os serviços da antiga cooperação austríaca que empregavam mais de 100 homens e mulheres da aldeia. Uma mão cheia de homens e de mulheres se encontra no desemprego, sendo que o desemprego atinge mais às mulheres. Sem recursos para financiarem os estudos das suas crianças, agora com custos adicionais relativas à formação superior no país, na maioria dos casos sem qualquer tipo de apoio das instituições nacionais e locais.
Também é dramático o desemprego jovem. A juventude ambiciona outros voos, sendo que o trabalho no campo deixou de ser uma obrigação ou uma alternativa para quem sonha em fazer parte como sujeito activo desta era do conhecimento e das tecnologias. Em que situação se encontram muitas jovens do meio rural que se aventuram diariamente a caminho das universidades? Que estratégias estão a ser utilizadas pelas nossas jovens de meios precários para a conquista de uma formação superior? Há casos que, acontecem aos nossos olhos, continuam a fragilizar a situação das nossas mulheres. Temos que pensar nas novas situações de subordinação das nossas mulheres, que psicológica e sexualmente acabam por metê‑las num enredo tão contraditório com as leis e os discursos emancipatórias propalados pelos governos nacionais e locais.
De volta
Estive no arquipélago. Foram breves os dias, mas intensos. Mil alegrias, muita ansiedade. Nervosismo de principiante, percebe-se! Há quem diga que qualquer parto comporta emoções parecidas. No meu caso, tive a felicidade da primeira apresentação pública do livro sobre mulheres na política ter sido no Dia das Mulheres Cabo‑verdianas.
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Conto como foi...
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Na primeira sessão de apresentação, no auditório da Reitoria da Universidade de Cabo Verde, mal a Irene Cruz começou a falar, entrei em transe, desfolhando na imaginação as folhas do livro. Depois o Gabriel Fernandes interrogou-me a partir das entrelinhas, entre o dito e o não dito. Quanto ao pós-lançamento, a noite convidava‑nos para tantas coisas. Foi uma noite das mil maravilhas, entre elas a Gala Dia da Mulher Cabo‑verdiana, com a especial participação da enérgica Maria de Barros e do Vadú.
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No Mindelo, na pequena sala da Uni-Cv, onde nos reunimos, a Eileen Barbosa despertou um diálogo intimista acerca da mulher‑sujeito, convidando a assistência para uma reflexão sobre as práticas discriminatórias; o Olavo Bilac Cardoso preferiu questionar o sistema político. Da cidade, trouxe belíssimas recordações do mar. Desta vez, até o vento se feministizou, bailando suave nas praças e esplanadas.
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Em Assomada, no auditório da Universidade de Santiago, a Ivone Centeio transformou o momento num hino às lutas pela igualdade entre os sexos; o Aquilino Varela decidiu atiçar o debate, naquele cambar de noite, calorosamente acolhida pela comunidade local. Foi um momento de alegria redobrada, sobretudo pela presença de pessoas amigas dos anos mágicos do liceu.
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Em São Miguel, depois de uma manhã na komunidadi di rabeladus, o auditório da municipal câmara foi palco para uma palestra com e sobre as mulheres do concelho. No final, o batuque invadiu o espaço.
Falta apenas uma semana
1. Celebração do Dia da Mulher Cabo-Verdiana;
2. Lançamento do meu livro sobre mulheres na política;
3. Conversa afiada entre e sobre mulheres, dirigida pela Eileen;
4. Teatro no Mindelo, estreia de No Inferno;
Guiné-Bissau
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três artigos para uma discussão
Guinée Bissau : Le tribalisme, une fausse piste ! -- Armando Lona
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Guinée-Bissau : Comment faire d’un drame un avantage ? -- Waly Ndiaye
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La Guinée Bissau a besoin d’un nouveau leadership politique -- Carlos Cardoso
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8 de Março
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Direitos das Mulheres e Violências contra as Mulheres
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Os direitos das mulheres são direitos humanos! Paradoxalmente, esta é a frase mais banal, mas também mais significativa, no que se refere às exigências por uma efectivação dos direitos humanos das mulheres. Hoje, muitas pessoas, homens e mulheres, com particular destaque para a camada jovem de áreas mais urbanas ou de países mais desenvolvidos, facilmente justificam que não são partidárias da celebração do Dia Internacional das Mulheres, assentando sobretudo no reconhecimento internacional dos direitos das mulheres, mas infelizmente a situação real em que ainda vive uma quantidade alarmante de mulheres aponta para a necessidade de manter a bandeira erguida. Desde a IV Conferência sobre as Mulheres (1995, Pequim), os governos assumiram o compromisso de assegurar a igualdade entre os homens e as mulheres em doze áreas estratégicas: mulheres e pobreza; educação e formação profissional das mulheres; saúde das mulheres; violência contra as mulheres; mulheres e conflitos armados; actividade económica e produtiva das mulheres; mulheres no poder e na tomada de decisões; mecanismos institucionais para a igualdade e políticas de mainstreaming; direitos humanos das mulheres; mulheres e os meios de comunicação social; contribuição das mulheres para o desenvolvimento sustentável e a defesa do meio ambiente; protecção das raparigas.
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Porém, enquanto escrevo este post, os direitos das mulheres estão a ser violados nos quatro cantos do mundo. Só a título ilustrativo: nas suas casas, as mulheres continuam a enfrentar o drama da violência doméstica, incluído a sua vertente psicológica e a sexual, com um impacto dramático também nas crianças; no ensino, o abandono escolar em muitos países continua a atingir gravemente a camada feminina, sendo possível até encontrar casos em que as alunas grávidas são convidadas pela instituição de ensino secundário a suspenderem as suas matrículas, prejudicando acentuadamente a sua progressão nos estudos e a sua formação; no mercado de trabalho, as mulheres continuam a ser pior remuneradas em comparação com os seus colegas masculinos, muitas vezes preteridas por causa da possibilidade de ocorrência da gravidez ou da tutela de crianças menores (o desequilíbrio entre a responsabilidade maternal e paternal continua a ser visível, mesmo nas camadas com menores vulnerabilidades económicas, mais instruídas ou mais progressistas, acarretando uma ginástica incomparável por parte das mulheres no sentido da conciliação entre a vida familiar e a vida profissional!); nas suas cidades, as mulheres continuam a ser duplamente vítimas da violência urbana, não raras vezes incluindo o abuso sexual; no poder político, as mulheres continuam a enfrentar um conjunto de obstáculos, de estereótipos e de discriminações, mostrando como ainda custa o pleno exercício da sua cidadania; dentro e além fronteiras, as mulheres continuam a ser traficadas para fins de prostituição, etc. Portanto, ainda o 8 de Março faz todo sentido!
Silhueta desventurada
Sou o choro desesperado
Sou o eco de um grito articulado
Numa garganta sem forças
Sou um ponto no infinito
Silhueta da desventura
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…….Perdida neste espaço
Vagueando...finjo existir
Insistem chamar-me criança
E eu insisto ser
…….A esperança do incerto
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O meu tantã é de outros tempos
A melodia que oiço
É o crepitar de chamas
Confundindo-se com o roncar da fome
E o chão onde piso
É uma ilha de fogo
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A minha nuvem é a fumaça
Da bala disparada
………...Gotas salgadas orvalham
O meu pequeno rosto
Enquanto choro
Na esperança do incerto
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Odete Semedo (natural de Bissau)
«a porta estava trancada»
“Atrás de portas fechadas e em segredo, as mulheres são sujeitas à violência por parte dos seus companheiros, estão demasiado envergonhadas e receosas para o denunciarem e quando o fazem, raras vezes são levadas a sério.”
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De Santo Antão à Brava, a violência doméstica é uma realidade. As nossas mulheres, flores das ilhas, têm sofrido caladas, mas não raras vezes umas gritam: basta! A violência doméstica é uma questão de interesse público, não apenas privado.
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kontributu kultural pa Umanidadi
Tomara Deputadus Nasional ka ba repiti kes mentira ki sklavajistas/kolonialistas mete-nu na kabesa ku objetivu di po-nu ta dispreza nos kabesa pa obriga-nu papia ses lingua.
Nes anu ki nu sa ta pidi Mundu pa rekonhese Bersu di nos Nason komu Patrimoniu di Umanidadi, nos Stadu ten obrigason di rekonhese prinsipal elementu imaterial ki ta faze es Bersu un “Patrimoniu” = lingua ki es Bersu kria = na meiu di diferentis kriolu ki ten na un monti di paizis, di-nos e PRIMERU kriolu inventadu pa seris umanu = es lingua e nos PRINSIPAL kontributu kultural pa Umanidadi i el ka pode kontinua na kintal di se propi kaza [...].»
Marsianu Nha Ida Padri Nikulau Ferera
Língua minha
Frequentemente, arreliamos perante a desvalorização da nossa materna língua, inferiorizada em relação a uma outra que nos foi imposta, mas que depois estrategicamente aceitamos. Não, não somos mais ingénuos/as, muito menos continuamos alienados/as! Mas também não podemos continuar com o discurso “ou isto ou aquilo”! Sim, e uma vez por todas, sim à afirmação da nossa materna língua, sim ao bilinguismo. Algo que, aliás, já está a acontecer, embora lentamente.
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Mundo do Alupec
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O Alupec abriu-nos as portas de um novo mundo, um mundo dentro de nós, mas que, durante muito tempo, para muita gente, não passou de um amor‑desprezado... No mês de Setembro, na altura da celebração do dia de São Miguel, desejava tanto aventurar-me no mundo do ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita do Caboverdiano). Tentei, mas não foi nada fácil, pois não tinha ainda nas minhas mãos O Caboverdiano em 45 Lições: Estudo Sociolinguístico e Gramatical e aguardo ainda a chegada do Dicionário Elementar Crioulo-Português (é altura de literalmente tirar o chapéu, em particular, à Manuel Veiga... só desta vez!), ferramentas básicas para quem tem o interesse de escrever em conformidade com o Alupec! Sim, dizia eu, não foi nada fácil: quando usar “S”, “K”, “X”, “Z”, “M”, “N”, “-”, “ ' ”, etc.? De resto, aproveito para expressar o meu amor pelas seguintes palavras, que o Alupec embelezou ainda mais: kretxeu, mudjer, mudjeróna, filisidadi, txon, midju, azágua, txuba, arkipélagu, xintadu, afrikanu, dretu, bunitu, fidju, etc. Optei por escrever na variante de Sotavento, por ter maior familiaridade com esta, mas procurei também saber a correspondência na variante de Barlavento, que também é minha(nossa)...
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I. Imaginar SM
Ka ten situason pa kumenta.
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I.1. Tintim por Tintim
Ka ten situason pa kumenta.
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I.2. de alto à baixo
comunidadi d’rabeladus = komunidadi di rabeladus
- pa son [k] ta izisti letra k. Na bazi di regra baziku di un alfabetu fonolojiku (pa kada son so 1 letra i pa kada letra so 1 son) so pode uzadu es letra na tudu palavra ki ten son k nel.
- Apostrufu ta uzadu normalmenti pa mostra elizon (elisão) di letra – entritantu, tendensialmenti, sima ta kontise na purtuges, elizon ta verifika ku palavra “di” kuandu palavra siginti ta komesa ku vogal – izenplu: da-m un kaneka d’agu.
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funkus d'padja = funku di padja
- un di kes karateristika baziku di nos lingua e inezistensia di redundansia (burisi). Pur isu, na kada frazi so ten 1 so sinal di plural: As minhas 3 filhas estão felizes = Nhas 3 fidja sta sabi. Asin, “bons” dja txiga pa mostra ma e mas di ki 1 funku. Ka ten burisi – txobe na modjadu – na nos lingua. Nos antepasadus era stremamenti INTELIJENTI.
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Singuelu = Singelu
- Letra g el ten son [g] di gatu na tudu palavra. Alias, lenbra: un letra ten so un son, txaskan. G ka pode transforma na J (sima ta kontise na purtuges: gato da gente – na primeru palvra ta ledu [g] i na sugundu palavra ta ledu [j]). Lenbra: stupides ka ta izisti na alfabetu kabuverdianu.
djunta-môn = djunta-mon
- bazikamenti, sima na purtuges, debe uzadu asentu na palavras ki ka ta sigi regra jeral di pronunsia (= gravi = silaba toniku na penultimu silaba), sendu sertu ki palavras monosilabas so pode ser agudu, i pur isu e ridikulu po-s asentu (lenbra, bazikamenti: asentu e pa mostra silaba toniku non preditivel, undi preditivel e palavra ser gravi; asentu ka e pa mostra vogal abertu o fitxadu, sob pena di nu transforma nos lingua nun porku-spinhu, xeiu di asentus).
Nu kebra kel matacan de penedu kés botá dentu-l di nos Portu = Nu kebra kel matakan di penedu ki es bota dentu‑l di nos Portu
- substituison di c pa k na palavra « matakan » – djobe pertinenti splikason sobri komunidadi, na kumentariu I.
- “de” e purtuges – na kabuverdianu e “di”.
- transformason di «kés» na “ki es”: pa ka konfundi “kes” (= aquele) ku “ki es” (= que eles).
- transformason di “botá” na “bota”: na Sotaventu, es verbu e gravi, non agudu (sima na Barlaventu).
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Nhu‑Nuna e Nha‑Diminga = Nhu Nuna e Nha Diminga
- Nhu Nuna = 2 palavra indipendenti, ku signifikadus indipendenti; ifen (trasu di union) ta utilizadu kuandu 2 palavra indipendenti ta unidu pa da otu signifikadu, sima “guarda-sol” = objetu ki ta tadja sol. Idem pa Nha Diminga.
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Cabiote = Kabioti
- substituison di c pa k na palavra «Kabioti » – djobe pertinenti splikason sobri komunidadi, na kumentariu I.
- substituison di e pa i na palavra “Kabioti” – N ta parti di prinsipiu ma era un e mudu, ki ka ta izisti na varianti di Sotaventu; alen disu, na Sotaventu, normalmenti, ta parse ku i final kes palavra ki na ortografia purtuges ta tenba e final mudu, sima triste = tristi.
ku dos pé di kalça ramangadu = ku kalsa ramangadu na tudu 2 pe
- substituison di ç pa s na palavra “kalsa” – na alfabetu kabuverdianu ofisial, tudu son [s] ta skrebedu ku s (alias, kel li e prinsipal vantaji des alfabetu, ti ki el konparadu ku alfabetu purtuges, undi son [s] ta skrebedu: ora ku s, sima na sineta; ora ku c, sima na cinema; ora ku ss, sima na passeio; ora ku ç, sima na calça, ora ku x, sima na próximo). Isu signifika ma nos bisnetus ka ten ki ben fika ta purgunta modi ta skrebedu: sineta, sinema, paseiu, kalsa, prosimu, etc. Es ka ten ki fika ta dikora asneras ortografiku di Romanus pa sisi; So burus ta konplika kuza ki pode ser sinplis sen VANTAJI evidenti.
- eliminason di asentu na palavra “pe” – djobe pertinenti splikason dadu na kumentariu I sobri palavra “djunta-mon”.
- alterason di ordi di palavras – ta parse-m ma e asi ki normalmenti ta fladu na kabuverdianu.
mô na kexada ta kuda ngratidon di txuba y maré kasabi = mo na kexada ta kuda ngratidon di txuba i mare kasabi
- eliminason di asentu na palavra “mo” – djobe pertinenti splikason dadu na kumentariu I sobri palavra “djunta-mon”.
- eliminason di asentu na palavra “mare”.
- substituison di y pa i = djobe nhas fundamentason lisin.
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boka-portuense = boka-portuensi
- djobe, li di pa riba, nha kumentariu sobri substituison di e pa i na palavra “Kabioti”.
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Nhu‑Puxim = Nhu Puxim
- djobe nha kumentariu sobri Nhu Nuna.
- konven altera otus kazu identiku.
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katxupa rafogadu ku longuiça y ovu streladu = katxupa rafogadu ku longuisa i ovu streladu
- djobe, li di pa riba, nhas kumentariu sobri substituson di ç pa s i di y pa i.
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açukrinha = asukrinha
Açukrinheira = Asukrinheira
- djobe, li di pa riba, nhas kumentariu sobri substituson di ç pa s.
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* djobe na kumentariu I, nhas observason sobri “comunidadi”.
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boka‑portuese = boka‑portuensi
* splikadu na kumentariu II.
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sê laska‑pexi = se laska pexi
* kuantu a eliminason di asentu na palavra “sê” - djobe na Kumentariu I, observasons a rispeitu di palavra “djunta-mon”.
* kuantu a eliminason di ifen na palavra “laska-pexi” - es e 2 palavra indipendenti, sendu sertu ki ses forma konpletu e: laska di pexi o laska-l pexi.
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Y quiçá bodeku també! = I manba bodeku tanbe!
* substituison di y pa i - djobe nhas pertinenti observason na kumentariu II.
* substituison di quiça pa manba - kel la e purtuges, kel li e kabuverdianu.
* substituison di també pa tanbe: i) tudu nazalizason, na varianti di Santiagu, ta fazedu ku n, sen esepson (an, en, in, on, un); ii) omison di asentu - djobe nhas observason sobri palavra “djunta-mon” na kumentariu I.
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capatas = kapatas / educason = edukason / scola = skola / jandim = jardin / cutelo = kutelu
* djobe splikason sobri “Comunidadi”.
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Djan papia = Dja N papia
* es e 2 palavra indipendenti (dja + N).
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Nu bai, nu bai guentis = Nu bai, nu bai gentis
- lenbra: na alfabetu kabuverdianu tudu letras ta ledu - purtantu, si bu skrebe gu, bu ten ki le-l gu, non g.
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Lá len di baxu-l = La len di baxu-l
* kuantu a eliminason di asentu na palavra “sê” - djobe na Kumentariu I, observasons a rispeitu di palavra “djunta-mô”.
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Nhu-Flipinhu ben ta katriça ku kuitosu baxu-l braçu = Nhu Flipinhu ben ta katrisa ku kuitosu baxu-l brasu
- kuantu a Nhu-Flipinhu – djobe, na Kumentariu II, nhas observason sobri “Nhu-Nuna”.
- kuantu a substituison di ç pa s – djobe, na Kumentariu II, nhas observason sobri “ku dos pé di kalça ramangadu”.
Nhu-Flipinhu contra ku Nhu‑Beku Salú lá Passadera = Nhu Flipinhu kontra ku Nhu Beku Salú la Passadera
- djobe nhas observason sobri substituison di c pa k i sobri asentus.
“Mos, calma mos!.... Mi e más basofu ki bó, N ten odju d’gatu!...” = “Mos, kalma mos!.... Mi e mas bazofu ki bo, N ten odju di gatu!...”
- djobe nhas observason sobri substituison di c pa k i sobri asentus.
na posi badjador di sakis = na pozi badjador di sakis
- adekua ortografia di palavra pozi a rispetivu prununsia – lenbra ma s ten son di [s] na tudu palavra. Ka ten situason di letra matxa-femia, oras ta ledu s oras z.
Miguelu e Manuelon = Migel e Manuelon
- djobe nhas observason li di pa riba sobri guentis.
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singuelados = singeladus
- djobe nhas observason li di pa riba sobri guentis.
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1.5. festança
Kumentarius III:
rusgadores = rusgadoris
- lenbra: ka ten e mudu na Sotaventu.
“nhós bá garbata mar!” = “nhos ba garbata mar!”
- djobe nhas observason sobri asentus.
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Sócrates e Neves
Força de Cretcheu
Ca tem nada na es bida
Más grande que amor
Se Deus ca tem medida
Amor inda é maior.
Maior que mar, que céu
Mas, entre tudo cretcheu
De meu inda é maior
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Cretcheu más sabe,
É quel que é di meu
El é que é tchabe
Que abrim nha céu.
Cretcheu más sabe
É quel qui crem
Ai sim perdel
Morte dja bem
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Ó força de chetcheu,
Que abrim nha asa em flôr
Dixam bá alcança céu
Pa’n bá odja
Nôs Senhor
Pa’n bá pedil semente
De amor cuma ês di meu
Pa’n bem dá tudo djente
Pa tudo bá conché céu
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Eugénio Tavares (ilha da Brava, Cabo Verde)
atacada por skinheads em Zurique
X Luso-Afro-Brasileiro
1. Apanhar o comboio, com um colega berdiano, afiando a conversa enquanto a noite entoa o seu silêncio pelos caminhos da capital do Minho: Braga... Frio e chuva. Previsão de neve nos pontos altos da cidade, não intensamente, mas o mínimo para delirar algumas almas.
2. Não pretendo fazer um balanço geral do X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Nem vou me debruçar sobre as pessoas, as comunicações, a interdisciplinaridade, as partilhas, as actividades culturais, os jantares e as novas amizades.
3. Vinte anos depois do primeiro congresso, apesar das melhores intenções que têm mantido vivo o Luso‑Afro‑Brasileiro, «fantasmas e fantasias» continuam a povoar a (nossa!) imaginada comunidade de cientistas sociais dos países de língua oficial portuguesa. Não obstante os esforços da organização em ultrapassar algumas situações constrangedoras, houve episódios que provocaram um mal-estar quase generalizado. El congreso contou com especiais momentos cómicos. Vou me cingir à questão linguística: a) “não podemos temer a língua portuguesa!”, disse um fulano; b) “trata-se da nossa identidade, a identidade lusófona que nos une!”, rematou um beltrano. Uma coisa é partilhar a língua portuguesa e incentivar o intercâmbio científico no seio da comunidade; outra bem diferente é fundar uma identidade que nos levará ao progresso. Temos interesses comuns, mas também temos os nossos interesses específicos que não queremos sacrificar em nome de um todo homogéneo, e muito menos contribuir para sustentar interesses hegemónicos recalcados e/ou emergentes. Não à colonização linguística e simbólica, dentro e fora da comunidade dos países de língua oficial portuguesa! (ver outras críticas aqui, especificamente Braga 4.).
5. Posto isso, não se admira tanto porque é que um taxista, às 4h da manhã, deixa flutuar do seu inconsciente ensonado o seguinte: “Vocês são d’África? Se eu tivesse menos vinte anos, iria ganhar a vida em África... Angola.” Hummm... Salazar ficaria contente, nem mais!
Yolanda Morazzo
O que sou
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Sou pedra e flor
Ave e pensamento
Riso de criança
Chamas e vulcão
Vento do mar largo
Canto do Poeta
Morte nos ciprestes…
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.............Sou a Voz do Silêncio!...
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Yolanda Morazzo
(Mindelo, 16.12.1928 – Lisboa, 28.01.2009)
«a propósito» do Obama
“1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado "ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
Publicado a 14/11/2008, no jornal Savana, Maputo
É difícil não nos embalarmos nas doces palavras do Mia Couto. Mas a verdade é que desde que o artigo do Mia Couto veio ao público, tendo circulado como um foguetão, muitas discussões, murmures e sorrisos tem suscitado. Procurando pôr os necessários pontos nos iii, depois da tarde de 20 de Janeiro, Inocência Mata avança:
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“[...] encaminhava-se oportunamente para a relativização do que representa, nos Estados Unidos, a eleição de um presidente negro quando, como lembrou o próprio no seu discurso de tomada de posse, há menos de 50 anos, o seu pai não seria servido num qualquer bar – apenas por ser negro. Subjacente está o estafado discurso do mérito, como se o mérito fosse um absoluto sem laços nenhuns com a realidade, funcionando, deste modo como noção que busca desqualificar as desigualdades, as assimetrias e as discriminações, e acabando por concorrer para a naturalização de uma situação de desequilíbrio sem qualquer questionamento sobre a condição subalterna dos sujeitos que fazem parte do segmento não representado nas instâncias de poder, em todos os seus circuitos: social, económico, etnocultural, racial.
Relacionada com esta questão está uma possível discriminação de Barack Obama caso ele fosse um candidato africano, como refere Mia Couto no seu tão celebrado artigo de opinião. Se muitos duvidam da possibilidade de um Obama africano por não ser negro talvez seja por não terem conhecimento do que vem acontecendo em África, nomeadamente com Jerry Rawlings, ex-presidente do Gana, filho de pai escocês; Seretse Khama Ian Khama, presidente do Botswana, filho de mãe inglesa; Fradique de Menezes, presidente de São Tomé e Príncipe, filho de pai português. Além de que, conviria não esquecer, o próprio não se consideraria negro – considerar-se-ia diferente e pertencente a «outro» grupo. Por isso, quanto a este aspecto mais facilmente haverá um Obama africano do que um Obama europeu (e escusado será dizer que provavelmente não haveria uma primeira-dama negra). Por outro lado, e como disse mais do que uma vez, podem ser traçados paralelismos entre a presença do negro na Europa e do branco em África. E se formos honestos, concordaremos quanto à muito maior visibilidade deste do que daquele. Assim sendo, porque será mais grave não haver um Obama africano do que não haver um Obama europeu? Além disso, olhando para os meandros do poder em muitos países africanos (sociais e culturais, quando não económicos e/ou militares), como falar de «marginalização e discriminação» de um segmento que, mesmo minoritário, se move no topo de uma pirâmide social?! Estranha discriminação! E sobre discriminação, acreditem, não sou apenas espectadora intelectual – sou catedrática!
O perigo de uma ideia repetida até à exaustão é ela começar a acreditar-se verdadeira. Por isso, convém relativizar a frase de Obama segundo a qual a sua história só ser possível na América. Em muita África tem sido possível: isto é, a presença de «outros» na ciranda dos muitos poderes (porque se teima em reduzir o poder à esfera política?). Convém que as convicções ideológicas não turvem a análise cultural e científica.”
O tempo da malta
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Celebração do dia
jovem baleado: a manifestação e os comentários
Foto: Sara M