Frohe Weihnachten!

Desejo festas felizes a todos e todas!

Um sonho desesperado

Sonho com o dia em que deixem de existir casos de brutalidade contra as mulheres. Sonho com o dia da felicidade para todos e para todas. Sonho com o dia do respeito e da igualdade. Sonho com o dia do diálogo, da compreensão e da partilha (do público e do privado). Sonho, sonho, e continuo a sonhar...

Virgem Maria Berdiana

Frequentemente atropelo-me em notícias que deveriam nos irritar. Desta vez, o Expresso das Ilhas informa que, cerca de 40% das crianças cabo-verdianas, com menos de 1 ano, não estão registadas. Trata-se de um direito básico das crianças que sistematicamente continuamos a violar. Está entranhado nas nossas ilhas? Parece que sim! Há quem diga, melhor a história confirma que já foi bem pior. Mas isso não é motivo para batermos as palmas. A verdade é que, para além das crianças de ruas ou nas ruas, mesmo no seio da nossa «sagrada» família, a situação das crianças continua ainda muito preocupante. Ok, há quem ainda acrescenta que já melhorou bastante, que Cabo Verde está muito bem posicionado no ranking X ou Y.
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Todavia, é preocupante a forma como a paternidade e a maternidade irresponsáveis afectam as nossas crianças. Queria chegar nesse ponto, e demorar-me cinco segundos na triste questão da irresponsabilidade paternal. É que, para mim, a maior violência contra as mulheres cabo-verdianas é a irresponsabilidade paternal. Tal prática constante nas nossas ilhas atinge gravemente as nossas crianças. Põe tanto as nossas mulheres, como a família cabo-verdiana, em situações de maior vulnerabilidade. Entretanto, aplaudimos hipocritamente que as nossas mulheres são fortes, verdadeiramente heroínas sofridas, porque frequentemente assumem sozinhas, em condições difíceis, a responsabilidade para a educação das crianças e o sustento do seu agregado familiar... A nossa hipocrisia atinge ao cúmulo quando, através de despachos administrativos, deixamos subentendido que as mulheres cabo-verdianas - mais problemático ainda quando estão na tenra idade - são Virgens Marias, pois parece que concebem sem pecar. Daí peregrinam para Belém, melhor para a Exclusão, e ali ficam sozinhas à espera do nascimento do menino ou da menina Jesus. Sim, algumas regressam, e ajoelhadas continuam a caminhada; mas a maioria perde-se no deserto!
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Imagem: Foto di Tera.

Direitos das Crianças...

Vinte anos depois da convenção sobre os direitos das crianças, há situações que continuam ainda arrepiantes.
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Da educação à saúde, da alimentação à habitação, da dignidade à paz...
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Hoje, escolhi esta lindíssima fotografia de Carlos Nolasco, e chamo a atenção de todos e todas para a imagem quase desvanecida de uma menina no fundo. E assim convido-vos também a pensarem na situação das meninas à volta do nosso mundo.
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Deixo aqui os meus votos para que cada sorriso seja uma nova esperança!

... contra dengue!

Caim, Jesus & Eu


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Fui hoje ao Novo Santuário de Fátima. Uma promessa, ok! E eu que tinha andado muito distraída, nos últimos anos, qual não foi meu encantamento, constatar in loco, el nuevo Jesus, belíssimo!
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Saramago, vejo a nudez de sempre; em vez do esquelético, medito agora diante de um corpo atlético, um olhar distante, um rebelde de dred encarapinhada, um poema, melhor um heteropoema dos novos tempos e templos!

Regresso

Mamãe Velha, venha ouvir comigo
o bater da chuva, lá no seu portão.
É um bater de amigo
que vibra dentro do meu coração.
.A chuva, Mamãe Velha, a chuva,
que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a Cidade-Velha,
a ilha toda –
Em poucos dias já virou jardim...
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Dizem que o campo se cobriu de verde,
da cor mais bela, porque é a cor da esp'rança.
Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.
É a tempestade que virou bonança...
.Venha comigo Mamãe Velha, venha,
recobre a força e chegue-se ao portão.
A chuva amiga já falou mantenha
e bate dentro do meu coração!
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Amílcar Cabral
(Cabo Verde e Guiné-Bissau)
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Mais um caso de violência sexual

Desta vez, uma jovem, natural de São Domingos, quando regressava à casa, após um dia de trabalho, foi abusada por um condutor de Hiace, que diariamente a transportava. A jovem Indira, com apenas 20 anos de idade, teve a coragem de denunciar o caso, que agora anda nas mãos da PJ.
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Na esquina do tempo

Hoje, pelas 18:15mn, no auditório da Biblioteca Nacional, o antropólogo Manuel Brito‑Semedo apresenta-nos o seu novo livro, intitulado Na Esquina do Tempo: Crónicas de Diazá.
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Trata-se de um pequeno livro, cronicado, feito de momentos tacteados na fina-flor da infância e juventude do autor. A apresentação estará a cargo da escritora Fátima Bettencourt.
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Certamente, mais do que recordar coisas de diazá, Brito‑Semedo nos proporcionará um momento de introspecção e de partilha, de emoção e de cidadania. O livro é um reconhecimento do autor à sua mãe, que anda doentinha, e a totalidade das vendas reverte-se a favor da Associação Cabo-verdiana de Luta Contra o Cancro.
.Um abraço ao autor. Desta vez, lá estarei.

Brinka Batuku

A mansidão do mar, a secura da terra, a canção das ondas na praia da minha infância. Calheta, pela madrugada, não tem igual. Preferia que a noite não acabasse nunca, que as pessoas continuassem adormecidas no sossego das suas casas, que a vida continuasse assim encostada no sonho. Porém, o sol rebelde acorda-se rezingão, e desalenta toda a aldeia. Desafia-me, sempre. Convida-me para um mergulho na praia da Batalha. Aceito, vejo o fundo do mar. Recordo a noite passada, o festival de dança no Polivalente Grande, o batuque quente no quintal da dona que desconheço o nome. Nos quatro cantos do concelho, donas e crianças cantam e dançam, misturando o «tradicional» e o «moderno» para uma revolução do batuque. E eu, se jeito tivesse para a dança, da minha Calheta, inventaria uma que afagasse o sol e excitasse a chuva.

oh mar, oh mar!

estou nas ilhas, no largo do atlântico…
oh mar, oh mar!
como é bom voltar ao teu regaço!!!

Praianas

Todos nós éramos
praienses adoptivos convictos praianos
irmãos dilectos dos nativos da cidade
cientes das suas susceptibilidades
e dos sonegados pergaminhos
da cidade amada que nos criou
da urbe adoptiva que aprendemos
.............................................../a venerar
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Poemas de Nzé di Sant’ y águ.
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É hoje, pelas 18.30, na Associação Cabo-Verdiana, em Lisboa, o lançamento do novo livro do poeta cabo‑verdiano José Luís Hopffer Almada. A apresentação estará a cargo da professora Ana Maria Martinho, do poeta Luís Carlos Patraquim e da poetisa Ana Paula Tavares.

Cidade Velha, Património Mundial

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Cidade do mais antigo nome
(excertos)
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Não pediste o alimento ínvio
nos íngremes dias de infância,
nem o peso do pó regateaste
pelo lento entardecer dos anos,
embora setembro nas alturas
seja tanta luz a apascentar o verde.
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Altas vozes te nomearam
impávido cordeiro do sacrifício,
mas sei que eras apenas essa criança
sobressaltada quando no horizonte
surdem velas corsárias e o céu se
despenha da rota algibeira de deus.
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Por isso este abismo cavado
à flor da tua fala mansa, e as luzes
que trazes nos cabelos pulsando
como um anoitecido rebanho de estrelas.
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Estes desgrenhados versos que te ofereço
agora são o viático da desforra
nos enrouquecidos pulmões da história:
tudo cabe na garganta do tempo
ou à ilharga desse sol pernalta
pastoreando as mudáveis coisas do mundo.
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José Luís Tavares

«O útero da casa»

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Mátria
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Quero-me desperta
se ao útero da casa retorno
para tactear a diurna penumbra
das paredes
na pele dos dedos reviver a maciez
dos dias subterrâneos
os momentos idos
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Creio nesta amplidão
de praia talvez ou deserto
creio na insónia que verga
este teatro de sombras
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E se me interrogo
é para te explicar
riacho de dor cascata de fúria
pois a chuva demora e o obô entristece
ao meio-dia
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Não lastimo a morte dos imbondeiros
a Praça viúva de chilreios e risonhos dedos
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Um degrau de basalto emerge do mar
e na dança das trepadeiras reabito
o teu corpo
templo mátrio
meu castelo melancólico
de tábuas rijas e de prumos.
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in O útero da casa,
Conceição Lima (Santana, ilha de São Tomé).
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O destino de Cidade Velha
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Amanhã, em Sevilha, decorre a 33ª Sessão do Comité de Património da UNESCO para a avaliação final da candidatura da antiga cidade de Ribeira Grande, a nossa Cidade Velha, à Património Mundial da Humanidade. Trata-se do berço da nação cabo-verdiana, uma cidade erguida num pedaço de chão, no remoto século XV. E fica aqui este poema emprestado da Conceição Lima para uma meditação enquanto as novas não chegam…

Isaura Gomes

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Isaura Gomes, Cabo Verde.
primeira mulher deputada na Assembleia Nacional (1975-1980).
primeira mulher presidente de uma Câmara Municipal (eleita em 2004; reeleita em 2008).
primeira mulher a se disponibilizar para uma eventual candidatura à Presidência da República.
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Parabéns, Zau. E obrigada por quebrar muitas barreiras.
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A actual conjuntura interna parece favorável para a corrida presidencial no feminino: ela-contra-ela.
Uma já se disponibilizou. Falta a outra...
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a eurodeputada

eleições europeias.
resultados históricos para o BE:
Miguel Portas, Marisa Matias, Rui Tavares.

Marcha contra Violência...

Hoje, a sociedade civil cabo-verdiana vai se manifestar, com uma marcha pelas ruas da capital, que começa às 15h, condenando a violência contra as mulheres. Sabemos que a violência contra as mulheres é uma maldição nas nossas casas, nas nossas vilas e cidades, nas nossas ilhas, no nosso país, no nosso mundo. Portanto, ninguém deve se calar perante o incrementar de mais casos trágicos que assolam famílias, crianças e a nossa juventude.
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Percurso: Achadinha Cima, Avenida Cidade de Lisboa, Fazenda, Plateau, com paragem na praça Alexandre de Albuquerque, frente ao Tribunal; descida do Plateau, Rotunda de Chão de Areia, Avenida Cidade de Lisboa, com paragem frente ao Palácio de Governo.

Poeta-laureado

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XXIº Prémio Camões: Arménio Vieira
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...Meus amigos e minha amigas, Camões chega finalmente às ilhas afortunadas... Arménio Vieira, um poeta e escritor que já estava quase esquecido lá pelas bandas da capital cabo‑verdiana, acaba de ser galardoado com o Prémio Camões 2009. Este prémio maior da literatura produzida na lingua lusa já distinguiu mais de duas dezenas de escritores e escritoras, poetas e poetisas, que também são meus/minhas: Miguel Torga, Jorge Amado, Maria Velho da Costa, José Saramago, Pepetela, Sophia de Mello Breyner, Eduardo Lourenço, José Craveirinha, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes e agora Arménio Vieira...
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Arménio Vieira nasceu na cidade da Praia (ilha de Santiago, Cabo Verde), em Janeiro de 1941. Foi um elemento activo da geração de sessenta, um dos fundadores da Sèló: Folha dos Novíssimos. Tem colaboração dispersa em várias publicações (Mákua, Alerta, Imbondeiro, Ariope, Boletim de Cabo Verde, Vértice, Raízes, Ponto & Vírgula, Fragmentos e Sopinha de Alfabeto). Está incluído em diversas colectâneas. Publicou dois livros de poesia - Poemas (1981) e MITOgrafias (2007); a novela O Eleito do Sol (1989) e o romance No Inferno (1999). Acaba de concluir um novo livro de poesia, pronto para a sua publicação (que seja em Cabo Verde e além fronteiras!). Também já foi galardoado com muitos outros prémios. Em Março deste ano, João Branco encenou a peça “No Inferno”, que foi mais um momento de emoções para o autor da obra.
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…fico feliz, porque ainda estou vivo...
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Das reacções
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«A título pessoal, eu esperava o prémio. Mas por causa de ser Cabo Verde, admiti que fosse ainda um bocado cedo. É pequeno em relação à imensidão do Brasil, que tem centenas de escritores óptimos. E Portugal também [...]. Acho que é uma honra para Cabo Verde. É histórico, Cabo Verde nunca tinha ganho. Desta vez, lembraram-se do nosso pequeno país», disse Arménio Vieira.
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«Arménio Vieira reagiu, à sua maneira [...]: “Eu preferia não ganhar […]. Já recebi mais de 100 telefonemas, já dei várias entrevistas, enfim, isto cansa.”», disse Arménio Vieira.
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«É um escritor/poeta de ruptura, que saiu da tradicional ladainha da terra de Cabo Verde e abriu-se ao mundo. Arménio Vieira faz uma literatura de dissidência saudável [...]», Ministro da Cultura de Cabo Verde, Manuel Veiga.

Al final de este viaje en la vida

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Al final de este viaje en la vida quedarán
nuestros cuerpos hinchados de ir
a la muerte, al odio, al borde del mar.
Al final de este viaje en la vida quedará
nuestro rastro invitando a vivir.
Por lo menos por eso es que estoy aquí.
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Somos prehistoria que tendrá el futuro,
somos los anales remotos del hombre.
Estos años son el pasado del cielo;
estos años son cierta agilidad
con que el sol te dibuja en el porvenir,
son la verdad o el fin, son Dios.
Quedamos los que puedan sonreír
en medio de la muerte, en plena luz.
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Al final de este viaje en la vida quedará
una cura de tiempo y amor,
una gasa que envuelva un viejo dolor.
Al final de este viaje en la vida quedarán
nuestros cuerpos tendidos al sol
como sábanas blancas después del amor.
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Al final del viaje está el horizonte,
al final del viaje partiremos de nuevo,
al final del viaje comienza un camino,
otro buen camino que seguir

descalzos contando la arena.
Al final del viaje estamos tú y yo intactos.
Quedamos los que puedan sonreír
en medio de la muerte, en plena luz.

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Silvio Rodríguez (Cuba)

«a vida é um ai que mal soa…»

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Gabriel Pina (Gabi/Gi), jovem dinâmico, humilde, afável, comunicativo, de sorriso fácil e contagiante. Às vezes, recorria ao humor negro para revelar o que realmente lhe ia na alma. A sua curta e saudosa permanência entre nós deixa‑nos com a eterna lembrança de um jovem requintado e multifacetado; amante de valores como amizade, solidariedade, companheirismo e abnegação.
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Nasceu no dia 20-12-82, em Assomada, Cabo Verde. Oriundo de uma família batalhadora, personifica a trajectória historicamente protagonizada pelo povo das ilhas. Abraçou a educação, a instrução académica e o conhecimento com garra. Licenciado em Medicina, encontrava-se em fase de especialidade, em Havana, Cuba. Tinha 26 anos. Enfrentou com dignidade a maldita leucemia, encorajando, até aos últimos minutos, os seus colegas, amigos e familiares.
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Embora sabendo que “a vida é um ai que mal soa”, o dia 03-05-09 foi, para nós, de muita dor. Apesar da dor irreparável, e todos os gestos de conforto insuficientes para nos ajudar a lidar com essa perda, na primavera da vida, o desaparecimento físico do Gabi não apagará a imagem que temos do jovem daquele sorriso sempre contagiante e terno, como quem estivesse a atenuar a dor dos que o rodeavam, perante uma anunciada fatalidade.
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À família enlutada e aos amigos Gilson Cabral e Ed Rodrigues (3b is forever.), o nosso abraço.
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Suzano Costa, Eurídice Monteiro, Chuna Costa, Janine Rosa, Marco Varela, Ivandro Teixeira, Nadine Rodrigues, Gerson Semedo, Pedro Borges Tavares, José Augusto Cabral, Ricardo Borges, Nivaldo Vicente, Elsa Monteiro, Rosa Monteiro, Carlita Lopes, Evandra Sá Nogueira, Lezy Andrade, Carla Fernandes, Micau Furtado, Minga Afonso, Dirce Furtado, Kime, Quim, Jeff, Artemisa Monteiro, Marlice Santos, Alice, Tó, Claudia Teixeira, Denilson Cabral, Lúcia Veiga, Felisbelo, Aleida Furtado...
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Amig@s em Cabo Verde e na Diáspora.

“I believe in angels”

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Gabriel Pina, Gabi/Gi,
20-12-82, Cabo Verde -- 03-05-09, Cuba.
26 anos...
médico. quase especialista...
menino de Assomada, do riso e de sonhos...
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Imagem: Edith Borges

Ela-contra-Ela

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8-8... alcançamos um excelente resultado!
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Desta vez, com um dos potenciais árbitros da partida de pingue‑pongue em vias de ser substituído por um ex‑jogador de xadrez, e o outro a restabelecer as suas energias depois da última caçada desafortunada, aguarda-se uma jogada, se a memória não me falha, nunca dantes vista, nem nas ilhas, nem nos arredores, desde tempos imemoriais!
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De um lado, ela, ela mesma. Do outro, uma delas.
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Eis a questão: porque é que todas, de um lado e do outro, se emudecem?
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...mas eles não estão preparados para «deixá‑las» flutuar, disse-me uma voz.
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This Is My Africa

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Em Lisboa, acontece!
Novos cinemas de África.
Para este fim-de‑semana,
fica uma sugestão: This Is My Africa.
Se não chover por cá, estarei lá...
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Espreitar o programa completo: lisin.

Máxima di Guida, uma mulher-rural

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Tudo indica que nasceu na pequena aldeia à beira mar. Ali cresceu, e fez-se mulher. Mãe de um rapaz e de duas raparigas, que educou e sustentou sozinha aos olhos de toda a população da aldeia. Dos estudos, não tirou grande proveito. Por isso, cedo inventou mil alternativas para a sobrevivência do seu agregado familiar. Passou pelas Frentes de Alta Intensidade de Mão-de-Obra, com as suas anedotas e gargalhadas contagiantes; especializou‑se em fresquinhas e gelados caseiros, cobrindo, ainda hoje, com essa actividade, uma parte das suas despesas mensais. Aventurou-se pelo mundo do batuque, até se destacou em festivais e campanhas eleitorais lá na aldeia. Com os seus esforços, conquistou um emprego nos serviços dos registos e notariado do concelho. Mas não é só por essas habilidades em dar a volta à vida que Máxima di Guida é conhecida. Ela é uma das mulheres mais populares da minha aldeia piscatória.

A residência de Máxima di Guida fica localizada estrategicamente entre o antigo Posto de Saúde da Calheta e a antiga Esquadra. Portanto, no centro dos acontecimentos mais babados. Os casos mais cabeludos da aldeia não escapavam aos olhares atentos desta mulher, que quase numa lenda se transforma. Mal a assistente Alicina do Posto de Saúde da Calheta transmitia as informações relativas ao falecimento de fulano ou beltrano, Máxima di Guida se encarregava de noticiar a aldeia, através do seu choro‑cantado. Apesar dessa sua vocação em encenar o choro, o que Máxima di Guida gosta mesmo é de grandes festas e anedotas. As estórias verdadeiras da aldeia, muitas se encontram salvaguardada na sua memória. Teve contactos privilegiados, familiares, com figuras estóricas de Cutelo Miranda, e nunca esteve desactualizada sobre a vida da aldeia. Ainda hoje, vivendo na pacata Calheta, onde nem há incêndios, nem escândalos maiores, apenas teatro de rua sob a animação de populares enfadados, o seu posto de trabalho lhe mantém actualizada acerca dos nascimentos e dos óbitos, que não deixam de ser factos demasiado valiosos para as tardes de conversas afiadas, atrás da casa de Nhu Nuna e Nha Diminga, onde a aldeia espera incansavelmente pelo regresso das lanchas, agora mais vazias do que cheias.

Nunca foi homenageada pelos serviços prestados à aldeia. Com este post tento remediar esse esquecimento, recordando também a sua atenção desinteressada dedicada às crianças da minha geração, nas horas mais perigosas da aldeia – o regresso da escola. Mas não é para falar da localização estratégica da residência de Máxima di Guida e dos seus gestos de solidariedade que escrevo este post. Escrevo para falar da consciencialização desta mulher sobre a difícil luta da mulher-rural para uma vida decente. Escutei, em primeira-mão, as reivindicações de Máxima di Guida, os seus relatos reais sobre as dificuldades que muitas mulheres da minha vila enfrentam para educar e sustentar as suas crianças, muitas sem nenhuma contribuição da figura masculina. A desresponsabilização paternal e o peso que recai sobre as mulheres é hoje alvo de críticas acentuadas, sem que contudo sejam criadas políticas públicas para aliviar a situação das mulheres. Se estas continuam as mais pobres, é tanto por falta de oportunidades de emprego, como também por causa dos custos avultados que têm com o seu agregado familiar. É sobretudo no meio rural que a situação das mulheres encontra-se mais agravada, onde a percentagem das que chefiam famílias monoparentais é mais alta, sendo as possibilidades de emprego menores do que nos meios urbanos. Na minha vila, hoje já não existem as Frentes de Alta Intensidade de Mão-de-Obra, também já não existem os serviços da antiga cooperação austríaca que empregavam mais de 100 homens e mulheres da aldeia. Uma mão cheia de homens e de mulheres se encontra no desemprego, sendo que o desemprego atinge mais às mulheres. Sem recursos para financiarem os estudos das suas crianças, agora com custos adicionais relativas à formação superior no país, na maioria dos casos sem qualquer tipo de apoio das instituições nacionais e locais.

Também é dramático o desemprego jovem. A juventude ambiciona outros voos, sendo que o trabalho no campo deixou de ser uma obrigação ou uma alternativa para quem sonha em fazer parte como sujeito activo desta era do conhecimento e das tecnologias. Em que situação se encontram muitas jovens do meio rural que se aventuram diariamente a caminho das universidades? Que estratégias estão a ser utilizadas pelas nossas jovens de meios precários para a conquista de uma formação superior? Há casos que, acontecem aos nossos olhos, continuam a fragilizar a situação das nossas mulheres. Temos que pensar nas novas situações de subordinação das nossas mulheres, que psicológica e sexualmente acabam por metê‑las num enredo tão contraditório com as leis e os discursos emancipatórias propalados pelos governos nacionais e locais.

De volta

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Estive no arquipélago. Foram breves os dias, mas intensos. Mil alegrias, muita ansiedade. Nervosismo de principiante, percebe-se! Há quem diga que qualquer parto comporta emoções parecidas. No meu caso, tive a felicidade da primeira apresentação pública do livro sobre mulheres na política ter sido no Dia das Mulheres Cabo‑verdianas.
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Conto como foi...
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Na primeira sessão de apresentação, no auditório da Reitoria da Universidade de Cabo Verde, mal a Irene Cruz começou a falar, entrei em transe, desfolhando na imaginação as folhas do livro. Depois o Gabriel Fernandes interrogou-me a partir das entrelinhas, entre o dito e o não dito. Quanto ao pós-lançamento, a noite convidava‑nos para tantas coisas. Foi uma noite das mil maravilhas, entre elas a Gala Dia da Mulher Cabo‑verdiana, com a especial participação da enérgica Maria de Barros e do Vadú.
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No Mindelo, na pequena sala da Uni-Cv, onde nos reunimos, a Eileen Barbosa despertou um diálogo intimista acerca da mulher‑sujeito, convidando a assistência para uma reflexão sobre as práticas discriminatórias; o Olavo Bilac Cardoso preferiu questionar o sistema político. Da cidade, trouxe belíssimas recordações do mar. Desta vez, até o vento se feministizou, bailando suave nas praças e esplanadas.
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Em Assomada, no auditório da Universidade de Santiago, a Ivone Centeio transformou o momento num hino às lutas pela igualdade entre os sexos; o Aquilino Varela decidiu atiçar o debate, naquele cambar de noite, calorosamente acolhida pela comunidade local. Foi um momento de alegria redobrada, sobretudo pela presença de pessoas amigas dos anos mágicos do liceu.
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Em São Miguel, depois de uma manhã na komunidadi di rabeladus, o auditório da municipal câmara foi palco para uma palestra com e sobre as mulheres do concelho. No final, o batuque invadiu o espaço.

um convite muito especial

Falta apenas uma semana

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Vou para o arquipélago da paixão. Brevemente, deixarei neste meu esconderijo um convite muito especial para a blogosfera berdiana. De momento, entre um chá e uma barra de chocolate, anoto no meu bloco as maravilhas do mês de Março.

1. Celebração do Dia da Mulher Cabo-Verdiana;
2. Lançamento do meu livro sobre mulheres na política;
3. Conversa afiada entre e sobre mulheres, dirigida pela Eileen;
4. Teatro no Mindelo, estreia de No Inferno;
5. Três dias de descanso, sozinha em casa, na minha Calheta.
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Guiné-Bissau

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Desde o início do mês de Março, infelizmente não por bons motivos, a Guiné-Bissau tem estado no centro das atenções. As imagens e notícias que chegam desse país são no mínimo para escandalizar o mundo. Durante as duas primeiras semanas de Março, bonito foi ver a forma como a população da Guiné-Bissau e a sua diáspora reagiram perante os trágicos acontecimentos. E agora, Guiné? O optimismo se generaliza.
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três artigos para uma discussão
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Guinée Bissau : Le tribalisme, une fausse piste ! -- Armando Lona
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«Aujourd’hui, toute tentative de forger une liaison entre l’ethnicité et l’instabilité politico-militaire en Guinée‑Bissau relève de la pure légèreté sinon d’une méconnaissance criarde sur les rapports civilo-militaires dans ce petit Etat africain. Par contre, pour nombre d’observateurs, les réseaux de narcotrafiquants pourraient ne pas être étrangers à ces homicides […].» mais aqui.
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Guinée-Bissau : Comment faire d’un drame un avantage ? -- Waly Ndiaye
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«[…]Bref, une certaine complexité des relations entre groupes ethniques, partis politiques et fractions militaires, notamment après la guerre de juin 1998, à laquelle est venu s’ajouter, ces dernières années, l’installation dans le pays des réseaux colombiens et mexicains de trafic de cocaïne, a rendu ce petit pays ingouvernable, malgré l’attention de plus en plus soutenue que lui prête la communauté internationale […].» mais aqui.
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La Guinée Bissau a besoin d’un nouveau leadership politique -- Carlos Cardoso
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«Pambazuka News : Pourquoi, plus de 30 ans après la lutte de libération nationale, l’armée continue d’avoir un poids aussi important dans la vie politique ?
Carlos Cardoso : En grande partie, c’est dû à la force de cet héritage de lutte qui a marqué la société bissau-guinéenne. D’autant plus qu’après l’indépendance, le nouveau pouvoir n’a pas mené les réformes nécessaires pour définir et faire comprendre aux concernés le rôle de l’armée dans un Etat républicain. A cela s’ajoute un opportunisme de la part des politiques qui, voulant rapidement arriver au pouvoir ou se perpétuer au pouvoir, ont toujours essayé de cultiver des compromis avec les forces armées. Dès lors, il s’est développé un contexte où l’armée était devenu un élément central. Les conflits politiques ne se résolvaient pas par la voie pacifique, mais en usant de l’armée comme d’un instrument. Les politiques ont en quelque sorte instrumentalisé l’armée à leurs propres fins. Il y a donc un ensemble de facteurs convergents qui expliquent qu’on en soit arrivé à une situation où l’armée a toujours eu une forte implication dans la politique.
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Pambazuka News : Y a-t-il des éléments de stabilisation pouvant permettre de sortir la Guinée-Bissau de ce cycle de violence ?
Carlos Cardoso : Pour cela, il faut travailler pour un nouveau leadership. Il faut faire prendre conscience aux hommes politiques du fait que la scène politique est un espace d’expression où l’armée n’a pas sa place et que son rôle dans la République est bien défini. Il faut aussi mener des réformes conséquentes pour mettre les anciens combattants en réserve, tout en leur donnant une place reconnue dans la société. Ils ont mené une lutte de libération nationale et une reconnaissance leur est due, de même que des droits doivent leur être reconnus. Cette réforme serait un pas important pour que le leadership politique soit entièrement entre les mains des civils […].» mais aqui.

8 de Março

Corria o ano de 1857. Reza a história que, no dia 8 de Março, 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova York, fizeram uma greve pela redução da jornada de trabalho para dez horas diárias. Depois da descarga policial, as mulheres operárias esconderam-se no interior da fábrica. A polícia e os patrões, por sua vez, fizeram a sua justiça suprema: trancaram as portas da fábrica e atearam fogo. Carbonizadas, morreram elas. No mesmo ano, em Leipzig, na longínqua Alemanha, nascia a Clara. Conhecida por Clara Zetkin, jornalista e militante que dedicou muito à organização do feminismo internacional, tendo sugerido, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Agosto de 1910, em Copenhaga (Dinamarca), a organização de uma manifestação internacional para a promoção do feminismo internacional, com enfoque no direito ao voto. Tal viria a acontecer a 8 de Março de 1911...
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Desde então, a data nunca mais deixou de ser celebrada. E a internacionalização do dia 8 de Março para a celebração das conquistas no que se refere à situação das mulheres foi reconhecida pelas instâncias intergovernamentais. Porém, ainda as mulheres não gozam plenamente dos seus direitos, sendo que, em diversas áreas, continuam a ser discriminadas.
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Direitos das Mulheres e Violências contra as Mulheres
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Os direitos das mulheres são direitos humanos! Paradoxalmente, esta é a frase mais banal, mas também mais significativa, no que se refere às exigências por uma efectivação dos direitos humanos das mulheres. Hoje, muitas pessoas, homens e mulheres, com particular destaque para a camada jovem de áreas mais urbanas ou de países mais desenvolvidos, facilmente justificam que não são partidárias da celebração do Dia Internacional das Mulheres, assentando sobretudo no reconhecimento internacional dos direitos das mulheres, mas infelizmente a situação real em que ainda vive uma quantidade alarmante de mulheres aponta para a necessidade de manter a bandeira erguida. Desde a IV Conferência sobre as Mulheres (1995, Pequim), os governos assumiram o compromisso de assegurar a igualdade entre os homens e as mulheres em doze áreas estratégicas: mulheres e pobreza; educação e formação profissional das mulheres; saúde das mulheres; violência contra as mulheres; mulheres e conflitos armados; actividade económica e produtiva das mulheres; mulheres no poder e na tomada de decisões; mecanismos institucionais para a igualdade e políticas de mainstreaming; direitos humanos das mulheres; mulheres e os meios de comunicação social; contribuição das mulheres para o desenvolvimento sustentável e a defesa do meio ambiente; protecção das raparigas.
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Porém, enquanto escrevo este post, os direitos das mulheres estão a ser violados nos quatro cantos do mundo. Só a título ilustrativo: nas suas casas, as mulheres continuam a enfrentar o drama da violência doméstica, incluído a sua vertente psicológica e a sexual, com um impacto dramático também nas crianças; no ensino, o abandono escolar em muitos países continua a atingir gravemente a camada feminina, sendo possível até encontrar casos em que as alunas grávidas são convidadas pela instituição de ensino secundário a suspenderem as suas matrículas, prejudicando acentuadamente a sua progressão nos estudos e a sua formação; no mercado de trabalho, as mulheres continuam a ser pior remuneradas em comparação com os seus colegas masculinos, muitas vezes preteridas por causa da possibilidade de ocorrência da gravidez ou da tutela de crianças menores (o desequilíbrio entre a responsabilidade maternal e paternal continua a ser visível, mesmo nas camadas com menores vulnerabilidades económicas, mais instruídas ou mais progressistas, acarretando uma ginástica incomparável por parte das mulheres no sentido da conciliação entre a vida familiar e a vida profissional!); nas suas cidades, as mulheres continuam a ser duplamente vítimas da violência urbana, não raras vezes incluindo o abuso sexual; no poder político, as mulheres continuam a enfrentar um conjunto de obstáculos, de estereótipos e de discriminações, mostrando como ainda custa o pleno exercício da sua cidadania; dentro e além fronteiras, as mulheres continuam a ser traficadas para fins de prostituição, etc. Portanto, ainda o 8 de Março faz todo sentido!

Silhueta desventurada

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Sou a sombra de um corpo que não existe
Sou o choro desesperado
Sou o eco de um grito articulado
Numa garganta sem forças
Sou um ponto no infinito
Silhueta da desventura
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…….Perdida neste espaço
Vagueando...finjo existir
Insistem chamar-me criança
E eu insisto ser
…….A esperança do incerto
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O meu tantã é de outros tempos
A melodia que oiço
É o crepitar de chamas
Confundindo-se com o roncar da fome
E o chão onde piso
É uma ilha de fogo
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A minha nuvem é a fumaça
Da bala disparada
………...Gotas salgadas orvalham
O meu pequeno rosto
Enquanto choro
Na esperança do incerto
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Odete Semedo (natural de Bissau)

a última bomba

Depois desta última, aguardam-se dias menos brandos nas ilhas.

«a porta estava trancada»

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“Atrás de portas fechadas e em segredo, as mulheres são sujeitas à violência por parte dos seus companheiros, estão demasiado envergonhadas e receosas para o denunciarem e quando o fazem, raras vezes são levadas a sério.”
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Dina Salústio
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De Santo Antão à Brava, a violência doméstica é uma realidade. As nossas mulheres, flores das ilhas, têm sofrido caladas, mas não raras vezes umas gritam: basta! A violência doméstica é uma questão de interesse público, não apenas privado.
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Se protestamos quando uma cabo-verdiana anónima é espancada, petrificados/as ficamos quando o mesmo acontece com uma outra que nos é mais familiar: uma figura pública. Como é possível?! Infelizmente, tantas outras mulheres da nossa rua, do nosso bairro, da nossa ilha, do nosso país, do nosso continente e do nosso mundo continuam a enfrentar esse flagelo que, se não for considerado um crime público, desencadeando políticas próprias para o combater, certamente persistirá por mais tempo. Ontem foi a Joaninha; hoje a Margarida; amanhã a Rosa... Temos o dever de a denunciar, mas custa acreditar que a violência doméstica não é um problema vivido apenas na terceira pessoa. Eu, sim eu, posso ser a próxima! Também tu que acabaste de ler este post!...
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Um abraço solidário para a Margarida Moreira, jornalista da Televisão de Cabo Verde.

kontributu kultural pa Umanidadi

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«[...] Nu sta mas animadu pabia lijitimus reprezentanti des Nason dja propo, na anbitu di revizon di nos Konstituison, ofisializason di lingua maternu des Nason.

Tomara Deputadus Nasional ka ba repiti kes mentira ki sklavajistas/kolonialistas mete-nu na kabesa ku objetivu di po-nu ta dispreza nos kabesa pa obriga-nu papia ses lingua.

Nes anu ki nu sa ta pidi Mundu pa rekonhese Bersu di nos Nason komu Patrimoniu di Umanidadi, nos Stadu ten obrigason di rekonhese prinsipal elementu imaterial ki ta faze es Bersu un “Patrimoniu” = lingua ki es Bersu kria = na meiu di diferentis kriolu ki ten na un monti di paizis, di-nos e PRIMERU kriolu inventadu pa seris umanu = es lingua e nos PRINSIPAL kontributu kultural pa Umanidadi i el ka pode kontinua na kintal di se propi kaza [...].»
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Marsianu Nha Ida Padri Nikulau Ferera

Língua minha

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Frequentemente, arreliamos perante a desvalorização da nossa materna língua, inferiorizada em relação a uma outra que nos foi imposta, mas que depois estrategicamente aceitamos. Não, não somos mais ingénuos/as, muito menos continuamos alienados/as! Mas também não podemos continuar com o discurso “ou isto ou aquilo”! Sim, e uma vez por todas, sim à afirmação da nossa materna língua, sim ao bilinguismo. Algo que, aliás, já está a acontecer, embora lentamente.
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Mundo do Alupec
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O Alupec abriu-nos as portas de um novo mundo, um mundo dentro de nós, mas que, durante muito tempo, para muita gente, não passou de um amor‑desprezado... No mês de Setembro, na altura da celebração do dia de São Miguel, desejava tanto aventurar-me no mundo do ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita do Caboverdiano). Tentei, mas não foi nada fácil, pois não tinha ainda nas minhas mãos O Caboverdiano em 45 Lições: Estudo Sociolinguístico e Gramatical e aguardo ainda a chegada do Dicionário Elementar Crioulo-Português (é altura de literalmente tirar o chapéu, em particular, à Manuel Veiga... só desta vez!), ferramentas básicas para quem tem o interesse de escrever em conformidade com o Alupec! Sim, dizia eu, não foi nada fácil: quando usar “S”, “K”, “X”, “Z”, “M”, “N”, “-”, “ ' ”, etc.? De resto, aproveito para expressar o meu amor pelas seguintes palavras, que o Alupec embelezou ainda mais: kretxeu, mudjer, mudjeróna, filisidadi, txon, midju, azágua, txuba, arkipélagu, xintadu, afrikanu, dretu, bunitu, fidju, etc. Optei por escrever na variante de Sotavento, por ter maior familiaridade com esta, mas procurei também saber a correspondência na variante de Barlavento, que também é minha(nossa)...
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Lições de Alupec
Marsianu Nha Ida Padri Nikulau Ferera
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I. Imaginar SM
Ka ten situason pa kumenta.
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I.1. Tintim por Tintim
Ka ten situason pa kumenta.
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I.2. de alto à baixo
Kumentarius I:
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comunidadi d’rabeladus = komunidadi di rabeladus
- pa son [k] ta izisti letra k. Na bazi di regra baziku di un alfabetu fonolojiku (pa kada son so 1 letra i pa kada letra so 1 son) so pode uzadu es letra na tudu palavra ki ten son k nel.
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- Apostrufu ta uzadu normalmenti pa mostra elizon (elisão) di letra – entritantu, tendensialmenti, sima ta kontise na purtuges, elizon ta verifika ku palavra “di” kuandu palavra siginti ta komesa ku vogal – izenplu: da-m un kaneka d’agu.
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funkus d'padja = funku di padja
- un di kes karateristika baziku di nos lingua e inezistensia di redundansia (burisi). Pur isu, na kada frazi so ten 1 so sinal di plural: As minhas 3 filhas estão felizes = Nhas 3 fidja sta sabi. Asin, “bons” dja txiga pa mostra ma e mas di ki 1 funku. Ka ten burisi – txobe na modjadu – na nos lingua. Nos antepasadus era stremamenti INTELIJENTI.
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Singuelu = Singelu
- Letra g el ten son [g] di gatu na tudu palavra. Alias, lenbra: un letra ten so un son, txaskan. G ka pode transforma na J (sima ta kontise na purtuges: gato da gente – na primeru palvra ta ledu [g] i na sugundu palavra ta ledu [j]). Lenbra: stupides ka ta izisti na alfabetu kabuverdianu.
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djunta-môn = djunta-mon
- bazikamenti, sima na purtuges, debe uzadu asentu na palavras ki ka ta sigi regra jeral di pronunsia (= gravi = silaba toniku na penultimu silaba), sendu sertu ki palavras monosilabas so pode ser agudu, i pur isu e ridikulu po-s asentu (lenbra, bazikamenti: asentu e pa mostra silaba toniku non preditivel, undi preditivel e palavra ser gravi; asentu ka e pa mostra vogal abertu o fitxadu, sob pena di nu transforma nos lingua nun porku-spinhu, xeiu di asentus).
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- entritantu, pa mi, uzu di asentus e un burisi.

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I.3. Praça das Estórias
Kumentarius II:
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Nu kebra kel matacan de penedu kés botá dentu-l di nos Portu = Nu kebra kel matakan di penedu ki es bota dentu‑l di nos Portu
- substituison di c pa k na palavra « matakan » – djobe pertinenti splikason sobri komunidadi, na kumentariu I.
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- “de” e purtuges – na kabuverdianu e “di”.
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- transformason di «kés» na “ki es”: pa ka konfundi “kes” (= aquele) ku “ki es” (= que eles).
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- transformason di “botá” na “bota”: na Sotaventu, es verbu e gravi, non agudu (sima na Barlaventu).
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Nhu‑Nuna e Nha‑Diminga = Nhu Nuna e Nha Diminga
- Nhu Nuna = 2 palavra indipendenti, ku signifikadus indipendenti; ifen (trasu di union) ta utilizadu kuandu 2 palavra indipendenti ta unidu pa da otu signifikadu, sima “guarda-sol” = objetu ki ta tadja sol. Idem pa Nha Diminga.
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Cabiote = Kabioti
- substituison di c pa k na palavra «Kabioti » – djobe pertinenti splikason sobri komunidadi, na kumentariu I.
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- substituison di e pa i na palavra “Kabioti” – N ta parti di prinsipiu ma era un e mudu, ki ka ta izisti na varianti di Sotaventu; alen disu, na Sotaventu, normalmenti, ta parse ku i final kes palavra ki na ortografia purtuges ta tenba e final mudu, sima triste = tristi.
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ku dos pé di kalça ramangadu = ku kalsa ramangadu na tudu 2 pe
- substituison di ç pa s na palavra “kalsa” – na alfabetu kabuverdianu ofisial, tudu son [s] ta skrebedu ku s (alias, kel li e prinsipal vantaji des alfabetu, ti ki el konparadu ku alfabetu purtuges, undi son [s] ta skrebedu: ora ku s, sima na sineta; ora ku c, sima na cinema; ora ku ss, sima na passeio; ora ku ç, sima na calça, ora ku x, sima na próximo). Isu signifika ma nos bisnetus ka ten ki ben fika ta purgunta modi ta skrebedu: sineta, sinema, paseiu, kalsa, prosimu, etc. Es ka ten ki fika ta dikora asneras ortografiku di Romanus pa sisi; So burus ta konplika kuza ki pode ser sinplis sen VANTAJI evidenti.
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- eliminason di asentu na palavra “pe” – djobe pertinenti splikason dadu na kumentariu I sobri palavra “djunta-mon”.
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- alterason di ordi di palavras – ta parse-m ma e asi ki normalmenti ta fladu na kabuverdianu.
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mô na kexada ta kuda ngratidon di txuba y maré kasabi = mo na kexada ta kuda ngratidon di txuba i mare kasabi

- eliminason di asentu na palavra “mo” – djobe pertinenti splikason dadu na kumentariu I sobri palavra “djunta-mon”.
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- eliminason di asentu na palavra “mare”.
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- substituison di y pa i = djobe nhas fundamentason lisin.

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boka-portuense = boka-portuensi
- djobe, li di pa riba, nha kumentariu sobri substituison di e pa i na palavra “Kabioti”.
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Nhu‑Puxim = Nhu Puxim
- djobe nha kumentariu sobri Nhu Nuna.
- konven altera otus kazu identiku.
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katxupa rafogadu ku longuiça y ovu streladu = katxupa rafogadu ku longuisa i ovu streladu
- djobe, li di pa riba, nhas kumentariu sobri substituson di ç pa s i di y pa i.
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açukrinha = asukrinha
Açukrinheira = Asukrinheira

- djobe, li di pa riba, nhas kumentariu sobri substituson di ç pa s.

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1.4. Bodeku
Kumentarius III:
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micro‑empreendedorismuuuuu = mikro‑empreendedorismuuuuu
* djobe na kumentariu I, nhas observason sobri “comunidadi”.
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boka‑portuese = boka‑portuensi
* splikadu na kumentariu II.
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sê laska‑pexi = se laska pexi
* kuantu a eliminason di asentu na palavra “sê” - djobe na Kumentariu I, observasons a rispeitu di palavra “djunta-mon”.
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* kuantu a eliminason di ifen na palavra “laska-pexi” - es e 2 palavra indipendenti, sendu sertu ki ses forma konpletu e: laska di pexi o laska-l pexi.
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Y quiçá bodeku també! = I manba bodeku tanbe!
* substituison di y pa i - djobe nhas pertinenti observason na kumentariu II.
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* substituison di quiça pa manba - kel la e purtuges, kel li e kabuverdianu.
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* substituison di també pa tanbe: i) tudu nazalizason, na varianti di Santiagu, ta fazedu ku n, sen esepson (an, en, in, on, un); ii) omison di asentu - djobe nhas observason sobri palavra “djunta-mon” na kumentariu I.
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capatas = kapatas / educason = edukason / scola = skola / jandim = jardin / cutelo = kutelu
* djobe splikason sobri “Comunidadi”.
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Djan papia = Dja N papia
* es e 2 palavra indipendenti (dja + N).
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Nu bai, nu bai guentis = Nu bai, nu bai gentis
- lenbra: na alfabetu kabuverdianu tudu letras ta ledu - purtantu, si bu skrebe gu, bu ten ki le-l gu, non g.
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Lá len di baxu-l = La len di baxu-l
* kuantu a eliminason di asentu na palavra “sê” - djobe na Kumentariu I, observasons a rispeitu di palavra “djunta-mô”.
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Nhu-Flipinhu ben ta katriça ku kuitosu baxu-l braçu = Nhu Flipinhu ben ta katrisa ku kuitosu baxu-l brasu
- kuantu a Nhu-Flipinhu – djobe, na Kumentariu II, nhas observason sobri “Nhu-Nuna”.
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- kuantu a substituison di ç pa s – djobe, na Kumentariu II, nhas observason sobri “ku dos pé di kalça ramangadu”.
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Nhu-Flipinhu contra ku Nhu‑Beku Salú lá Passadera = Nhu Flipinhu kontra ku Nhu Beku Salú la Passadera
- djobe nhas observason sobri substituison di c pa k i sobri asentus.
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“Mos, calma mos!.... Mi e más basofu ki bó, N ten odju d’gatu!...” = “Mos, kalma mos!.... Mi e mas bazofu ki bo, N ten odju di gatu!...”
- djobe nhas observason sobri substituison di c pa k i sobri asentus.
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na posi badjador di sakis = na pozi badjador di sakis

- adekua ortografia di palavra pozi a rispetivu prununsia – lenbra ma s ten son di [s] na tudu palavra. Ka ten situason di letra matxa-femia, oras ta ledu s oras z.
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Miguelu e Manuelon = Migel e Manuelon
- djobe nhas observason li di pa riba sobri guentis.
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singuelados = singeladus
- djobe nhas observason li di pa riba sobri guentis.

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1.5. festança
Kumentarius III:
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Monte Txota = Monti Txota
rusgadores = rusgadoris

- lenbra: ka ten e mudu na Sotaventu.
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“nhós bá garbata mar!” = “nhos ba garbata mar!”
- djobe nhas observason sobri asentus.

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rezumu di bazis di Alupec (di 1 pajina so) lisin.
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Obrigada, kumpadri Marciano Moreira, e que os seus comentários, que são valiosos para mim, sejam também úteis para quem tem interesse na escrita da língua cabo‑verdiana! Feliz dia da Língua Materna a todos e todas que por aqui passarem!

Sócrates e Neves

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Em tempos de crise, lá vai o menino Sócrates, «contra ventos e marés». Não sei porque é que ainda não aprendi a não acompanhar os noticiários na hora do almoço! Mas pronto!... Hoje, Sócrates fez-me lembrar do discurso do Sr. Ministro da Cultura de Cabo Verde, Manuel Veiga, aquando da sua participação especial no Luso-Afro-brasileiro, em Braga, com o ressonante verso: As cabras ensinaram‑nos a comer pedras... Fico aqui a pensar como será belo o momento poético Sócrates-Neves. Imaginem só os discursos de Sócrates e de Neves, na Cidade Velha!!!

Malangatana


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Exposição de pinceladas do moçambicano Malangatana, em homenagem a Eduardo Mondlane, patente até 21 de Fevereiro.

Horário: segunda-sexta - 09h00/19h30; Sábado - 13h30/19h00.
Local: Casa Municipal da Cultura, Coimbra, Galeria Pinho Dinis.

Força de Cretcheu

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Ca tem nada na es bida
Más grande que amor
Se Deus ca tem medida
Amor inda é maior.
Maior que mar, que céu
Mas, entre tudo cretcheu
De meu inda é maior
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Cretcheu más sabe,
É quel que é di meu
El é que é tchabe
Que abrim nha céu.
Cretcheu más sabe
É quel qui crem
Ai sim perdel
Morte dja bem
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Ó força de chetcheu,
Que abrim nha asa em flôr
Dixam bá alcança céu
Pa’n bá odja
Nôs Senhor
Pa’n bá pedil semente
De amor cuma ês di meu
Pa’n bem dá tudo djente
Pa tudo bá conché céu
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Eugénio Tavares (ilha da Brava, Cabo Verde)

atacada por skinheads em Zurique
















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«A advogada brasileira Paula Oliveira, de 26 anos,
foi atacada em Zurique por um grupo de skinheads […].
Paula estava no terceiro mês de gravidez de gêmeos,
e acabou perdendo os bebês.»

X Luso-Afro-Brasileiro


1. Apanhar o comboio, com um colega berdiano, afiando a conversa enquanto a noite entoa o seu silêncio pelos caminhos da capital do Minho: Braga... Frio e chuva. Previsão de neve nos pontos altos da cidade, não intensamente, mas o mínimo para delirar algumas almas.

2. Não pretendo fazer um balanço geral do X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Nem vou me debruçar sobre as pessoas, as comunicações, a interdisciplinaridade, as partilhas, as actividades culturais, os jantares e as novas amizades.

3. Vinte anos depois do primeiro congresso, apesar das melhores intenções que têm mantido vivo o Luso‑Afro‑Brasileiro, «fantasmas e fantasias» continuam a povoar a (nossa!) imaginada comunidade de cientistas sociais dos países de língua oficial portuguesa. Não obstante os esforços da organização em ultrapassar algumas situações constrangedoras, houve episódios que provocaram um mal-estar quase generalizado. El congreso contou com especiais momentos cómicos. Vou me cingir à questão linguística: a) “não podemos temer a língua portuguesa!”, disse um fulano; b) “trata-se da nossa identidade, a identidade lusófona que nos une!”, rematou um beltrano. Uma coisa é partilhar a língua portuguesa e incentivar o intercâmbio científico no seio da comunidade; outra bem diferente é fundar uma identidade que nos levará ao progresso. Temos interesses comuns, mas também temos os nossos interesses específicos que não queremos sacrificar em nome de um todo homogéneo, e muito menos contribuir para sustentar interesses hegemónicos recalcados e/ou emergentes. Não à colonização linguística e simbólica, dentro e fora da comunidade dos países de língua oficial portuguesa! (ver outras críticas aqui, especificamente Braga 4.).
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4. Para complicar ainda mais, em plena Assembleia Geral do Congresso, um dos responsáveis da Universidade Lusófona, que já se expandiu para as cidades do Mindelo e de Bissau, se disponibilizou a realizar o XI Congresso, apresentando uma pequena lista de “sugestões turísticas” para fundamentar o interesse da sua universidade em realizar um evento desta natureza, entre as duas cidades.

5. Posto isso, não se admira tanto porque é que um taxista, às 4h da manhã, deixa flutuar do seu inconsciente ensonado o seguinte: “Vocês são d’África? Se eu tivesse menos vinte anos, iria ganhar a vida em África... Angola.” Hummm... Salazar ficaria contente, nem mais!

paradigmas em confronto

à caminho de Braga...
dias de intenso debate, conversa afiada e animação confirmada.

Yolanda Morazzo

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O que sou
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Sou pedra e flor
Ave e pensamento
Riso de criança
Chamas e vulcão
Vento do mar largo
Canto do Poeta
Morte nos ciprestes…
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.............Sou a Voz do Silêncio!...
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Yolanda Morazzo
(Mindelo, 16.12.1928 – Lisboa, 28.01.2009)
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Nasceu na ilha do Porto Grande. Neta do poeta José Lopes da Silva. Portanto, legítima herdeira de Hesperitanas e Jardim das Hespérides. Sonhadora, também...
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Foi uma das poucas vozes poéticas femininas no período anterior à independência de Cabo Verde, deixando uma herança que as novas gerações de mulheres abraçam, confiantes noutros destinos...
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Estudou no antigo Liceu Gil Eanes, tendo prosseguido os seus estudos em Lisboa. Viveu parte da sua vida em Angola, donde regressou após a independência daquele país, permanecendo em Lisboa. Colaborou com várias revistas literárias de Cabo Verde, Angola e Portugal.

«a propósito» do Obama

Na noite de 5 de Novembro, Mia Couto viu-se encharcado em lágrimas de emoção, e pensou: “E se Obama fosse africano?

“1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado "ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.”

Publicado a 14/11/2008, no jornal Savana, Maputo


É difícil não nos embalarmos nas doces palavras do Mia Couto. Mas a verdade é que desde que o artigo do Mia Couto veio ao público, tendo circulado como um foguetão, muitas discussões, murmures e sorrisos tem suscitado. Procurando pôr os necessários pontos nos iii, depois da tarde de 20 de Janeiro, Inocência Mata avança:
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[...] encaminhava-se oportunamente para a relativização do que representa, nos Estados Unidos, a eleição de um presidente negro quando, como lembrou o próprio no seu discurso de tomada de posse, há menos de 50 anos, o seu pai não seria servido num qualquer bar – apenas por ser negro. Subjacente está o estafado discurso do mérito, como se o mérito fosse um absoluto sem laços nenhuns com a realidade, funcionando, deste modo como noção que busca desqualificar as desigualdades, as assimetrias e as discriminações, e acabando por concorrer para a naturalização de uma situação de desequilíbrio sem qualquer questionamento sobre a condição subalterna dos sujeitos que fazem parte do segmento não representado nas instâncias de poder, em todos os seus circuitos: social, económico, etnocultural, racial.

Relacionada com esta questão está uma possível discriminação de Barack Obama caso ele fosse um candidato africano, como refere Mia Couto no seu tão celebrado artigo de opinião. Se muitos duvidam da possibilidade de um Obama africano por não ser negro talvez seja por não terem conhecimento do que vem acontecendo em África, nomeadamente com Jerry Rawlings, ex-presidente do Gana, filho de pai escocês; Seretse Khama Ian Khama, presidente do Botswana, filho de mãe inglesa; Fradique de Menezes, presidente de São Tomé e Príncipe, filho de pai português. Além de que, conviria não esquecer, o próprio não se consideraria negro – considerar-se-ia diferente e pertencente a «outro» grupo. Por isso, quanto a este aspecto mais facilmente haverá um Obama africano do que um Obama europeu (e escusado será dizer que provavelmente não haveria uma primeira-dama negra). Por outro lado, e como disse mais do que uma vez, podem ser traçados paralelismos entre a presença do negro na Europa e do branco em África. E se formos honestos, concordaremos quanto à muito maior visibilidade deste do que daquele. Assim sendo, porque será mais grave não haver um Obama africano do que não haver um Obama europeu? Além disso, olhando para os meandros do poder em muitos países africanos (sociais e culturais, quando não económicos e/ou militares), como falar de «marginalização e discriminação» de um segmento que, mesmo minoritário, se move no topo de uma pirâmide social?! Estranha discriminação! E sobre discriminação, acreditem, não sou apenas espectadora intelectual – sou catedrática!

O perigo de uma ideia repetida até à exaustão é ela começar a acreditar-se verdadeira. Por isso, convém relativizar a frase de Obama segundo a qual a sua história só ser possível na América. Em muita África tem sido possível: isto é, a presença de «outros» na ciranda dos muitos poderes (porque se teima em reduzir o poder à esfera política?). Convém que as convicções ideológicas não turvem a análise cultural e científica.”

Inocência Mata, Angolense 24 a 31 de Janeiro‏

Tomada de Posse

O tempo da malta

A «geração de Cabral» – décadas de 50-70 – vivia num tempo da malta, distinto por causa das movimentações estudantis, dos direitos cívicos, dos feminismos e das independências. A malta desse antigamente recente saiu das então províncias ultramarinas para a sua formação na antiga metrópole.
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Essa geração foi marcada pelo contacto com a Casa de Estudantes do Império, ironicamente, o berço dos nacionalismos africanos, contribuindo para a “reafricanização dos espíritos” e pela procura da solução única aceitável para os povos das antigas colónias.
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Infelizmente, muitos não tiveram a graça de verem o hastear da bandeira dos seus países. E os que ficaram farta(ra)m-se de portar mal, mas há sempre esperança!
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Celebração do dia
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No outro lado do mundo, na terra onde ontem foi recordado o sonho de Martin Luter King, hoje Barack Obama vive o sonho.
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jovem baleado: a manifestação e os comentários

Houve uma manifestação, em Casal da Boba, Amadora, à propósito da morte de um jovem de 14 anos, baleado por um agente da PSP, numa distância de 10cm da cabeça. Deixo aqui a gravação da manifestação e mais comentários. Casos desses nos fazem pensar sobre a situação da malta jovem, sobretudo de origem cabo-verdiana, em muitos bairros de Lisboa, e ainda na forma como muitas vozes da sociedade portuguesa reagem face a um problema gerado no seu seio…

Foto: Sara M

 
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