“1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado "ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
Publicado a 14/11/2008, no jornal Savana, Maputo
É difícil não nos embalarmos nas doces palavras do Mia Couto. Mas a verdade é que desde que o artigo do Mia Couto veio ao público, tendo circulado como um foguetão, muitas discussões, murmures e sorrisos tem suscitado. Procurando pôr os necessários pontos nos iii, depois da tarde de 20 de Janeiro, Inocência Mata avança:
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“[...] encaminhava-se oportunamente para a relativização do que representa, nos Estados Unidos, a eleição de um presidente negro quando, como lembrou o próprio no seu discurso de tomada de posse, há menos de 50 anos, o seu pai não seria servido num qualquer bar – apenas por ser negro. Subjacente está o estafado discurso do mérito, como se o mérito fosse um absoluto sem laços nenhuns com a realidade, funcionando, deste modo como noção que busca desqualificar as desigualdades, as assimetrias e as discriminações, e acabando por concorrer para a naturalização de uma situação de desequilíbrio sem qualquer questionamento sobre a condição subalterna dos sujeitos que fazem parte do segmento não representado nas instâncias de poder, em todos os seus circuitos: social, económico, etnocultural, racial.
Relacionada com esta questão está uma possível discriminação de Barack Obama caso ele fosse um candidato africano, como refere Mia Couto no seu tão celebrado artigo de opinião. Se muitos duvidam da possibilidade de um Obama africano por não ser negro talvez seja por não terem conhecimento do que vem acontecendo em África, nomeadamente com Jerry Rawlings, ex-presidente do Gana, filho de pai escocês; Seretse Khama Ian Khama, presidente do Botswana, filho de mãe inglesa; Fradique de Menezes, presidente de São Tomé e Príncipe, filho de pai português. Além de que, conviria não esquecer, o próprio não se consideraria negro – considerar-se-ia diferente e pertencente a «outro» grupo. Por isso, quanto a este aspecto mais facilmente haverá um Obama africano do que um Obama europeu (e escusado será dizer que provavelmente não haveria uma primeira-dama negra). Por outro lado, e como disse mais do que uma vez, podem ser traçados paralelismos entre a presença do negro na Europa e do branco em África. E se formos honestos, concordaremos quanto à muito maior visibilidade deste do que daquele. Assim sendo, porque será mais grave não haver um Obama africano do que não haver um Obama europeu? Além disso, olhando para os meandros do poder em muitos países africanos (sociais e culturais, quando não económicos e/ou militares), como falar de «marginalização e discriminação» de um segmento que, mesmo minoritário, se move no topo de uma pirâmide social?! Estranha discriminação! E sobre discriminação, acreditem, não sou apenas espectadora intelectual – sou catedrática!
O perigo de uma ideia repetida até à exaustão é ela começar a acreditar-se verdadeira. Por isso, convém relativizar a frase de Obama segundo a qual a sua história só ser possível na América. Em muita África tem sido possível: isto é, a presença de «outros» na ciranda dos muitos poderes (porque se teima em reduzir o poder à esfera política?). Convém que as convicções ideológicas não turvem a análise cultural e científica.”