ESPUMA DOCE E SUCULENTA

O que dizer? Contra a poesia não há argumentos! Vou imprimir num papel perfumado para recordar o nosso primeiro olá, naquele final de tarde, numa estação quase perdida... No cambar da noite, os meus olhos (com sabor a melancolia) diziam coisas que só o poeta entendia.

Que mulher não gostaria de ser a ninfa da inspiração do poeta?... Noutros tempos, eu pedia às ondas do mar que trouxessem o poeta para o meu regaço e que este malandro/mentiroso/misterioso com tanta mestria-poesia me roubasse um beijo. O poeta mente. Eu sei! Porém, a mentira do poeta é espuma doce e suculenta!

...O nosso jantar ficou registado para mais tarde recordarmos. No livro de poemas (frutas), guardo carinhosamente as flores do artista, outro ser manhoso que teima em deslizar as suas mãos pela imaginação transportada numa tela. O sorriso da tia e a meiguice dos meninos continuam escondidos no meu peito...

AFINAL, QUEM ERA BADIA? (II)


...era aquela que nos seus olhos, espelhos,
me dizia coisas tatuadas no seu corpo,
moldado pelo tempo

nas suas tranças emaranhadas,
quão enredo viçoso,
tecia o dia e a noite

os seus pés desfolhavam,
sangrando para fertilizar a terra,
e no lodo redesenhavam novos caminhos

o batuque era a voz do seu silêncio,
entoado com o cair da chuva,
que iluminava a sua doce negrura
-----------[entre um passado longo e um presente tardio...

Eurídice

Imagem: Tony Barbosa

NÃO ERA BADIA (I)

Não tinha olhos arredondados
Nem cabelos crespos feito tranças
Nem tinha pés encrostados

A sua koxa não conhecia a sulada
Não sentia o som do batuque
E nem se enchia de alegria por ver a chuvada

Eurídice

A ILHA DA BATALHA


num cutelo raso
cercado pelo mar
provei o luar

cresci na Ilha da Batalha
batalhando ao sabor da maré
tão ingrata quanto a chuva

para trilhar caminhos incertos
apoderei-me da espada de Miguel
espetando firme na terra salgada

percorri mundos distantes
conheci gentes estranhas
escrevi poemas de saudades

Eurídice

SUJEITOS HISTÓRICOS


Tenho entre as minhas mãos um livro da historiadora portuguesa Maria Alice Samara (Operárias e burguesas: As Mulheres no Tempo da República), que evoca as mulheres enquanto sujeitos históricos. Neste livro, a autora apresenta a biografia de algumas mulheres que, no final do século XIX e princípios do século XX, iniciaram uma dura e longa batalha pela sua emancipação e igualdade a nível social, político e cultural no contexto português.

Entre as mulheres biografadas, importa realçar três delas: Domitila de Carvalho, a primeira mulher a entrar na porta férrea da Universidade de Coimbra; Maria-Rapaz, a mulher que se fez passar por homem para conseguir melhores condições de vida; Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal.


Exemplo

“Carolina Beatriz Ângelo (médica, lutadora sufragista e fundadora da Associação de Propaganda Feminista) foi a primeira mulher a votar em Portugal, embora vivesse num país em que o sufrágio universal só seria instituído passados mais de sessenta anos, ou seja, depois do 25 de Abril de 1974.

O voto depositado nas urnas para as eleições da Assembleia Constituinte, em 1911, pela médica Carolina Beatriz Ângelo, constitui um episódio deveras exemplar de luta pela cidadania e pela emancipação da situação das mulheres em Portugal, numa altura em que o direito de voto era reconhecido apenas a ‘cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família’.

Invocando a sua qualidade de chefe de família, uma vez que era viúva e mãe, Carolina Beatriz Ângelo conseguiu que um tribunal lhe reconhecesse o direito a votar (à revelia) com base no sentido do plural da expressão ‘cidadãos portugueses’ cujo masculino se refere, ao mesmo tempo, a homens e a mulheres.

Como consequência do seu acto, e para evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, a lei foi alterada no ano seguinte, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino poderiam votar.

Carolina Beatriz Ângelo foi assim, também, a primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia (até ao alargamento, em 1996).” [http://www.mulheres-ps20.ipp.pt]

DORIS LESSING - NOBEL DA LITERATURA


A escritora Doris Lessing foi galardoada com o Nobel da Literatura, após um percurso que registou o seu nome na escrita do século XX. Aos 87 anos de idade, esta escritora (marcadamente feminista, embora não se reconheça como tal) é a décima primeira mulher a receber o Nobel da Literatura.

Mulheres Premiadas com o Nobel da Literatura
1909: Selma Lagerlöf, Suécia;
1926: Grazia Deledda, Itália;
1928: Sigrid Undset, Noruega;
1938: Pearl Buck, Estados Unidos da América;
1945: Gabriela Mistral, Chile;
1966: Nelly Sachs, nascida na Alemanha e radicada na Suécia;
1991: Nadime Gordimer, África do Sul;
1993: Toni Morrison, Estados Unidos da América;
1996: Wislawa Symborska, Polónia;
2004: Elfriede Jelinek, Áustria;
2007: Doris Lessing, Pérsia/Irão.

CHE GUEVARA

(14 de Junho de 1928 – 9 de Outubro de 1967)

"REINO MARAVILHOSO"


Na onda das comemorações do centenário do nascimento de Miguel Torga, O Teatrão tem em cena o espectáculo “TerraTorga”, até 17 de Novembro, no Museu dos Transportes (em Coimbra). Baseando na escrita de Miguel Torga, a encenação sensorial apela à descoberta de um “reino maravilhoso”, que o escritor identifica com Trás-os-Montes (a sua terra natal)...

SEXO SEGURO

O HIV/SIDA tem atingido brutalmente o continente africano. No contexto cabo-verdiano, os dados disponíveis mostram que a taxa de prevalência deste flagelo tem vindo a crescer significativamente. A principal via de transmissão tem sido a sexual, sendo imprescindível a sua prevenção (nomeadamente através do uso de preservativos).

Tod@s por uma saúde sexual responsável!...

…E AS MULHERES

Estava a pensar no amor, nessa palavra mágica que transforma tudo o que em nós habita... Dessa vez, peguei no poema Entre os Lagos da angolana Ana Paula Tavares. Realmente, essa poetisa fala de “coisas amargas como os frutos”.


Entre os Lagos

Esperei-te do nascer ao pôr do sol
e não vinhas, amado.
Mudaram de cor as tranças do meu cabelo
e não vinhas, amado.
Limpei a casa, o cercado
fui enchendo de milho o silo maior do terreiro
balancei ao vento a cabaça da manteiga
e não vinhas, amado.
Chamei os bois pelo nome
todos me responderam, amado.
Só tua voz se perdeu, amado,
para lá da curva do rio
depois da montanha sagrada
entre os lagos.

Ana Paula Tavares
(in Dizes-me Coisas
Amargas como os Frutos
)


Revendo o Namoro de Viriato da Cruz, vejo Entre os Lagos da Ana Paula Tavares como uma das possíveis “respostas” ao poeta angolano da geração anterior. Com elegância e sensualidade, essa poetisa traz a voz de uma mulher que, ansiosamente, sofre à espera do seu amado. A poesia da Ana Paula Tavares surge num contexto em que, até há pouco tempo, a voz feminina não era escutada, quer porque não possuía condições-de-pronunciação, quer porque era silenciada.

AMOR, PAIXÃO...

Normalmente, costumo ler um poema antes de dormir. Ontem, depois da minha navegação nocturna na blogesfera, senti uma tremenda vontade de reler o Namoro de Viriato da Cruz. Que poema lindo de morrer! Acredito que já não se fazem homens como antigamente.


Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista
-------------------------[nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios, laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
--------------Mandei-lhe essa carta
--------------e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
--------------E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
--------------E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
--------------E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí, Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Viriato da Cruz
(
in Antologia Temática de
Poesia Africana I
)


Não é lindo a imaginação poética de Viriato da Cruz?... Viriato, onde estás tu? Reencarna numa estrela e ilumina as noites poéticas cá na terra!

UM MERECIDO DESCANSO

(sábado e domingo, 29-30 de Setembro)

O dia acordou com vontade de chorar. As previsões indicavam sinais de chuva no interior de Portugal. Mesmo assim, depois de uma manhã de exercício auto-biográfico num seminário de Estudos Feministas, segui para Oliveira do Hospital com a Ana Paula, que me instigou a não registar no meu diário as suas qualidades ao volante. Por volta das 14h, estacionamos em Santa Ovaia, uma pequena aldeia portuguesa.

Quando cheguei, fui recebida com o afago de sempre. Entretanto, importa realçar que cheguei num momento sensível para a minha família oliveirinha: a avó queixava-se de uma das pernas; a filha preparava-se para o início da sua aventura universitária (tal como o irmão, ela sempre ambicionou estudar em Coimbra); o filho recém-licenciado parecia animado com o Peugeot 308, acabadinho de ser apresentado pelo concessionário Automóveis do Mondego; o pai aguardava o Benfica-Sporting, mas orientava as nossas conversas sobre o sistema judicial português; a mãe de lindas madeixas estava preocupada com as mudanças por que passava a família, mas aproveitava sempre para atestar o meu paladar. O jime, um novo membro da família, não me conhecia, mas tão cedo parou de latir.

Depois do almoço, da habitual ida ao café e de uma volta em Oliveira do Hospital, apanhamos a auto-estrada para Figueira da Foz. Portanto, fizemos marcha-atrás no percurso que eu tinha acabado de trilhar. Observamos o desfile dos gigantes eucaliptos, animados pelas entoações de Rui Veloso. Na praia de Buarcos, vimos o cair da chuva no mar, a fúria das ondas, os sinais de relâmpagos, as gaivotas na areia... Com insistência, alguém repetia um conhecido provérbio: “gaivotas em terra, tempestade no mar”. O cemitério frente ao mar foi o que mais me surpreendeu. Fui informada que a vila guarda a memória de trágicos naufrágios. Depois rodeamos para Figueira da Foz, onde não recusamos um delicioso gelado. Com o cair da noite, deslizamos para a Santa Ovaia.

Queria galgar a Serra da Estrela, mas o mau tempo que se fazia sentir atrapalhou os meus planos. Acabei por ficar pelos arredores da Santa Ovaia. Tive a oportunidade de avistar: a Vila de Avô; a Aldeia das Dez; a Vila Pouca da Beira. Fiquei muito emocionada com a Vila de Avô, banhada pelo rio Alva e depositária de um castelo medieval. Esta vila tem sido apresentada como a terra do poeta-guerreiro Brás Garcia Mascarenhas e onde viveu o médico-poeta Vasco de Campos... No domingo, voltei para Coimbra com a vontade de regressar à Varanda de Avô.

MONDEGO


(sexta-feira, 28 de Setembro...)

Fui ao Mondego, na companhia de um amigo francês. A noite estava perfeita, vislumbrando um céu limpo, no qual a lua solitária vagueava. O ar puro engendrado pelo Parque Verde do Mondego refrescava a minha imaginação, trazendo mantenhas das brisas húmidas nas noites de boka-portu. Confesso que as águas do rio abrandaram as minhas saudades do mar, mexendo nas lembranças engraçadas da minha infância, não muito distante…

 
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