AMOR, PAIXÃO...

Normalmente, costumo ler um poema antes de dormir. Ontem, depois da minha navegação nocturna na blogesfera, senti uma tremenda vontade de reler o Namoro de Viriato da Cruz. Que poema lindo de morrer! Acredito que já não se fazem homens como antigamente.


Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista
-------------------------[nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios, laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
--------------Mandei-lhe essa carta
--------------e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
--------------E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
--------------E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
--------------E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí, Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Viriato da Cruz
(
in Antologia Temática de
Poesia Africana I
)


Não é lindo a imaginação poética de Viriato da Cruz?... Viriato, onde estás tu? Reencarna numa estrela e ilumina as noites poéticas cá na terra!

 
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