blogosfera berdiana: destaques

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2008 foi um ano maravilhoso para a blogosfera berdiana. Novos blogs foram inaugurados, trazendo mais ideias e emoções, com inevitáveis polémicas, a esta nossa “nova diáspora” (usando a expressão do poeta bloguista-- não me lembro em que post). De entre tantos outros novos blogs, daqui vai um bouquet de flores especialmente para: Bianda, Ku frontalidade e Ali bem tempu. No meio desse aflorescimento, vozes amigas e informativas foram silenciando: Blog do Paulino e Amante da Rosa... O ano que está prestes a acabar foi marcado, acima de tudo, pela solidariedade na blogosfera: o caso Ana Rodrigues (todas as contribuições estão disponíveis no Blog pela Educação); o caso Procurador Vital Moeda (um dossiê documentado seguiu para as instituições públicas competentes). Esses dois gestos, juntando a mil e tantos posts e a uma tonelada de comentários, mostram a importância da ocupação deste novo espaço, sempre aberto a quem queira entrar. Sim, não é fácil manter um blog, não por causa do tempo porque isso arranja-se sempre, mas sobretudo por causa da pequenez das nossas ilhas ou da mesquinhez de muitas almas, mas o prazer de uma masturbação consequente supera qualquer mal-estar. Por isso, desejo que, em 2009, apareçam mais blogs para enriquecer a nossa blogosfera.


Igualdade na Diferença 2008 (destaques)

Alegria: Vinte e Sete
Tristeza: não quero ouvir adeus
Causa Justa: Ana Rodrigues
Viagem: Sintra
Fúria: Anónimos
Basta!: DomésticaViolência
Saudade: meu porto seguro
Sonho: Praça das Estórias


Blogosfera Berdiana 2008 (as minhas preferências)

Harmonia: Bianda
Olhos-nos-Olhos: Ku Frontalidade
Trabalho de Equipa: Ali bem tempu
Ficção: Soncent
DinamizAção: Café Margoso
Humor: Jornal da Hiena
Polémica do Ano: Os momentos
Fotografias do Ano: Son di Santiago --N ben di Fora!
Post/problematização do Ano: Albatrozberdiano


Votos de festas felizes a todos e a todas, bloguistas e visitantes!...
E para a malta de outras “comunidades blogosferas”, um abraço.

Festas Felizes

Desejo festas felizes a todos e a todas que por aqui passarem.
Muitas prendas, uma montanha de miminhos e calorosos abraços!

Deklarason Universal di Direitus Umanu

Hoje, Dia Internacional dos Direitos Humanos, e celebrando o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948-2008), a CNDHC apresenta esta declaração na Língua Cabo-Verdiana. Trata-se de um gesto que contribui também para a valorização da nossa amada língua materna.

...e assim, com este post, fecho este dia que dediquei exclusivamente às actividades de promoção dos direitos humanos.

Boa noite! E que cada amanhecer seja uma oportunidade para a construção de uma humanidade mais humana, de um mundo mais justo, mais solidário e mais desejado por todos e todas...

Diga: BASTA!!!

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Violência contra as mulheres é intolerável!
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Pincelada: Edith Borges

Amadora: uma cidade para tod@s!

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Acabo de receber a informação de que o luso-caboverdiano Francisco Pereira vai candidatar-se à presidência da Câmara Municipal da Amadora, nas próximas eleições autárquicas portuguesas. Esta candidatura independente «pretende dar resposta ao inconformismo da população, e em especial da população jovem, face à difícil situação social em que Amadora se encontra.»

Francisco Pereira afirma que: «É uma aposta, um desafio que enfrentaremos em conjunto, com coragem, com a firme convicção que havemos de vencer, pois temos uma enorme vontade de fazer e de transformar a Amadora, que é hoje uma cidade insegura, triste e cinzenta.» Veja mais: aqui!

Trata-se de uma candidatura pela inclusão, numa cidade onde uma larga franja da população experimenta os mais diversos tipos de exclusão! Desde já, Igualdade na Diferença promete estar atenta a esta onda a favor da justiça social, da dignidade, da cidadania e da democracia, e deseja ao Francisco Pereira e à sua equipa uma boa preparação da candidatura!

Francisco Pereira é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, pós-graduado em Estudos Africanos e do Desenvolvimento e mestre em Relações Interculturais. Neste momento, é investigador no Centro de Estudos de Migrações e Relações Interculturais, da Universidade Aberta, estando também a preparar o seu projecto de doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais.

Recordar…

Vinte Sete

Faço anos. Já sabem que sou escorpião: temperamental, teimosa, possessiva, ciumenta, persistente, determinada, resistente, sensível, calorosa, emotiva, arrojada, misteriosa e sentimental... Promessa seja feita aqui e agora: vou lutar para ser uma pessoa melhor (menos chata!) nas próximas sete décadas!!!... Os anos são para mim, mas o bolo é para quem aparecer cá em casa, uma boa razão para juntar a malta, comemorando a eleição de Barack Obama e recordando Myriam Makeba.

“Retratos Cativos”


4.
Vai a mulher de boi pelo abismo
da manhã. Que langor e delícia terna
na austera vigil fronte, embora
hajam ali depositado deuses
seu alqueire de injúrias.

Pedrestes e negros, vão ele e ela,
mai-la sombra que é de ambos.
Diz-me, tu, António, se é o boi
da paciência ou bulimundo
caminho do enlace.

Diz-me que torpor ou sombra dele
se adivinha nas íris da mulher,
ou na fonte do bovino esponsal.
Diz-me, tu, cujos olhos conhecem
o prodígio que se não repete,

inda tê-lo contemplado um dia
transformou-te, como a mulher de lot,
em emudecida estátua nos baldios
onde o primeiro raspão do frio
nos punha o coração em padecimento.

Orai por eles, para que lhes seja leve
o céu ensombrecendo-se a cada
rotação, mas cimeiro retumbem sinos
de passarem à rubra esquina do tardecer.

José Luís Tavares
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Parabéns, José Luís Tavares e Gláucia Nogueira pelo prémio Literatura para Todos (Brasil/2008)!

Cantos do meu país

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Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País

Julião Soares Sousa (natural de Bula, Guiné-Bissau)

Sra. Ministra!!!

«Só podemos considerar discriminação as medidas que tratam de uma forma diferente situações iguais. Nessa altura, ainda não estava no ministério da Educação, mas como mulher, cidadã e ligada aos Direitos Humanos foi uma questão que sempre me preocupou (...). Desde o primeiro momento essa medida mostrou-se ser uma suspensão temporária, de forma a que a jovem possa ter o seu bebé da melhor forma, sem perder o direito à frequência. Na realidade a aluna grávida que, permanece no sistema de ensino, a maior parte das vezes perde o ano escolar. Portanto, essa medida foi adoptada para proteger a maternidade e a infância e criar condições para que haja igualdade de situação das alunas na sala de aula. Não defendemos que seja o único caminho para combater a gravidez precoce. É somente uma das medidas.» Ver mais aqui.

Infelizmente, desiludida estamos com esta posição da Sra. Ministra Vera Duarte! Em vez disso, uma boa contribuição da Sra. Ministra seria no sentido de facilitar o levantamento de dados sobre a “suspensão temporária de alunas grávidas dos estabelecimentos de ensino secundário” e incentivar o ICIEG (Instituto Cabo‑verdiano para a Igualdade e Equidade de Género) a realizar um estudo sobre a questão, com a finalidade de encontrar uma medida inclusiva e não discriminatória como a que esta em vigor.

Voltei da ilha

Fui no dia 2, e voltei no dia 7. Foram dias intensos, marcados pelas discussões acerca das “Mestiçagens Socioculturais e Procura de Identidade na África Contemporânea”, e noites serenas. Não havia música na capital para a malta dançar, apenas umas migalhinhas da música tradicional lá no Quintal... Limitei‑me a convívios caseiros (comi milho assado, e trouxe Spiga do Princezito!). Também escutei a sugestão do Vadu: Dixi Rubera! Dei uma escapadela ao interior da ilha...


Calheta na penumbra

Triste fiquei ao ver Calheta na penumbra! Voltámos à era do podogó! E parece que ninguém se importa com o facto de os frigoríficos da aldeia estarem vazios e do nosso almoço voltar a depender do peixe trazido diariamente pelos pescadores... Nos últimos vinte dias, o único saldo positivo parece ter sido a aquisição de rádios de pilha por causa da eleição de Barack Obama. Para além da falta de energia eléctrica, também a vila padece de água potável. Até quando? Ninguém sabe, nem a municipal câmara, que tem suportado os custos do abastecimento de água para a satisfação das necessidades mínimas da população!

à caminho da ilha maior

Vou ao encontro de Santiago, desejando que os próximos dias tardem a passar, e rogando para que as noites sejam longuíssimas!... E que me guardem milho assado! Também vou querer ver a nova roupagem da ilha, e deliciar-me da fragrância de Novembro.

Latada

Vejo a caloirada solta por um lado ou por outro, mas a maioria está “acorrentada” à sua madrinha ou ao seu padrinho. A Festa das Lata de Coimbra começou há uma semana, com serenata, concertos e bebedeira. E, esta terça‑feira, a Praça da República está engarrafada por causa do cortejo da latada. Latada é uma festa parecida com o carnaval, uma espécie de ritual de iniciação pública para a caloirada. Saindo do largo D. Denis, a malta segue pela avenida até ao Mondego, entoando cânticos de bizarria e rindo-se à‑toa para a multidão que se aproxima do palco da festa. Quando a noite começa, a caloirada baptizada com as águas do rio liberta‑se para devaneios até ao amanhecer.

No meu tempo, quando cheguei em Novembro de 2000, tinha já terminado a época de recepção da caloirada, mas aproveitei o meu segundo ano de curso para viver o que não tinha vivido no ano anterior e para “dar cabo da vida” das minhas duas afilhadas (Dulcineia de São Tomé e Salette do Porto) e dos dois extra-afilhados (Jailson de Assomada e Marcelo do Fogo). Hoje, até dizem que fui boazinha!...

Michelle and Barack Obama (II)

…última semana antes da grande terça. Tudo indica que Obama será eleito no dia 4 de Novembro.
Inicia-se assim a contagem decrescente…

Grande Prémio Cidade Velha


Grande Prémio Cidade Velha 2008

O historiador Elias Moniz, autor da tese de doutoramento Africanidades e Eurocentrismos em Pelejas Culturais e Educacionais no Fazer-se Histórico de Cabo Verde, é o vencedor do Grande Prémio Cidade Velha, instituído pelo Ministério da Cultura de Cabo Verde. Trata‑se do maior prémio nacional atribuído à investigação científica, social e humana, sobre a realidade cabo-verdiana, sendo um incentivo à produção nacional, num país onde quase inexistem apoios institucionais nesta área.


Grande Prémio Cidade Velha 2005

Na 1ª edição do Grande Prémio Cidade Velha, o vencedor foi o sociólogo Gabriel Fernandes. A sua tese de doutoramento deu origem ao livro Em Busca da Nação: Notas para uma Reinterpretação do Cabo Verde Crioulo, que juntamente com a sua obra prima (--A diluição da África: Uma Interpretação da Saga Identitária Cabo‑verdiana no Panorama Político (Pós)colonial--) e os livros de José Carlos Gomes dos Anjos (--Intelectuais, Literatura e Poder em Cabo Verde: Lutas de Definição da Identidade Nacional--) e de Manuel Brito‑Semedo (--A Construção da Identidade Nacional: Análise da Imprensa entre 1877 e 1975--) constituem os principais trabalhos sobre a (des)construção da identidade nacional, fabulosa e estrategicamente inventada e defendida como sendo mestiça.


Feliz Dia da Cultura Cabo-Verdiana!
Parabéns, Elias Moniz!
Parabéns, jovens Prémio Pantera!

«perguntas cafeanas»


João Branco

Uma jovem mulher que mora com um “tio”, toma conta da casa, dá-lhe carinho, amizade, sexo, em troca das propinas da Universidade e de umas roupas na boutique mais in da cidade, entra num sistema de trocas que não difere muito do tipo de relacionamento que existe em tantos casais que vemos por aí, ou é preciso chamar os bois [leia-se “vacas”! --- (este parêntese é da inteira responsabilidade da autora deste blog)] pelos seus nomes?


Eileen

[…] Eu ainda acho que o “tio” que paga as propinas é que sai com lucro do tal relacionamento. Vejamos: já está com mais de cinquenta, tem um bom salário, logo, dinheiro não é problema. Mas! Está só, não sabe tomar conta de si, porque foi casado e era a mulher que lhe fazia a comida, cuidava dos filhos, vigiava a sua própria saúde, dizendo-lhe “não comas isso, não bebas aquilo, vai fazer análises, toma este comprimido”. Separaram-se e o “tio” ficou perdido na vida. Precisa de alguém que lhe passe a roupa e lhe compre os boxers, que lhe diga que o cabelo já levava um corte e que se calhar esse caroço na próstata devia ser visto por um médico; ele ainda dá um bom show entre os amigos e enfeita o jeepão; essa moça faz as compras, cozinha, lava, blá blá blá e isso tudo só custa dinheiro. E dinheiro, ele tem. // Mas vamos ver o lado da nossa estudante. É nova e bonita, podia ter o rapaz novo e fogoso que quisesse. Mas não. Lá está ela com o “tio” gorducho, cabeludo, com um hálito meio podre, a tomar conta dele, provavelmente com pouco respeito por si própria, mas pensado: eu ainda vou ser alguém na vida e dar um futuro diferente aos meus filhos... […]

Doméstica violência, e se eu for a próxima?

«em alguns bairros críticos da Cidade
de São Filipe, 43% das mulheres dizem
que são agredidas
diariamente



doméstica violência…
e se eu for a próxima?

se esta minha pele macia, sumaúma,
agredida for por um…?

se o meu corpo de sereia
manchado ficar com as mãos di nha kretxeu, ki kren txeu?

se na minha face de encantada
o sorriso for travado por lágrimas desesperadas?

e se eu for a próxima?


Voto pela Felicidade!

Sim, sou a favor da união entre pessoas do mesmo sexo! Contra todos os preconceitos e moralismos vazios, devíamos deixar de obstaculizar a felicidade dos gays e das lésbicas! É claro como a água do riacho que «os direitos sexuais são direitos humanos»! (Veja os principais pontos em discussão na terra lusa aqui: Lilás com Gengibre)...

………..

Notícia da hora do almoço --- infelizmente, o projecto de lei do BE (casamento entre homossexuais) foi chumbado! E o PS justificou que «não era o momento certo para fazer alterações à lei em vigor». Conta outra, PS!!! Uma excepção fantástica, a do Manuel Alegre... Um dia desses vou declarar a minha paixão por Manuel Alegre!

o desejo da viagem


Poema do Mar

O drama do Mar,
o desassossego do mar,
---------sempre
---------sempre
---------dentro de nós!

O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...

O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficam
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...

O Mar!
saudades dos velhos marinheiros
contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa
de bebedeira, de rixas, de mulheres,
nos portos estrangeiros...

O Mar!
dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!

---------Este convite de toda a hora
---------que este Mar nos faz para a evasão!
---------Este desespero de querer partir
------------------e ter que ficar.

Jorge Barbosa

Lá no meu cutelo, temos uma velhota que sonhava viajar pelo mundo. Um belo dia, à sombra de uma velha acácia, na rua das padarias, Vinda foi desembrulhando o grande sonho da sua vida. Então a velhota revelou que queria viajar para países que ficam no além das fronteiras de Cabo Verde, mesmo que fosse para ir até Maio! A velharada que escutava abanou a cabeça num sinal de entendimento da profundeza do sonho partilhado, mas a criançada não esperou um segundo sequer para romper gargalhadas. A tarde enchera de riso, mas Vinda nem se importava com o motivo da risada. Queria viajar... tão-somente!...

tantas interrogações

...um mito?

Numa entrevista ao Jornal de Notícias, Sveva Casati Modignani afirma que «a igualdade entre o homem e a mulher é um mito» (bom, eu acredito que é possível, embora a luta seja árdua, necessitando da colaboração não só das mulheres, como dos homens!). Apesar disso, não posso deixar de aplaudi­r a autora do Feminino Singular quando realça que «actualmente, as mulheres têm dois empregos: fora de casa e dentro dela. Mesmo a vida de uma mulher que se considera insignificante daria por certo um grande romance. Ser educada como mulher, casar-se, constituir família, criar os filhos... É uma tarefa ingrata que só nós podemos fazer. A autoconfiança das mulheres tem que ser elevada. Basta vermos a nossa coragem.»

Ainda agrada-me ouvir que, «no romance Feminino Singular, sobre a maravilha que é a maternidade, conto a história de uma mulher que tem que criar três filhos sem a ajuda de ninguém e, no entanto, sai-se lindamente. Quantos homens poderiam fazer o mesmo que ela faz? As mulheres são seres extraordinários.» Para terminar, a autora não deixa de concluir que, «no campo do trabalho, as mulheres ganham menos do que os homens. Nos postos de liderança, seja nos governos ou multinacionais, as mulheres são quase excluídas (...). As capacidades femininas têm que ser reconhecidas na exacta medida do que já acontece com os homens. O mundo irá funcionar melhor quando os dois sexos forem colocados no mesmo nível.» Belíssima entrevista, e agora fiquei curiosa para ler o referido livro!


Mito sou eu!

«O meu trabalho é feito de afectos», disse Mito Elias ao Expresso das Ilhas, numa entrevista crítica que extravasa a produção artística em Cabo Verde. Gostei da perspectiva crítica! E aproveito para ressaltar três ideias abordadas pelo artista berdiano. Aqui vão elas:
1. «Na nossa Arca de Noé só são permitidos alguns bicharocos.»
2. «Sempre tiveram um porte soslaio com os meus projectos, mas eu tenho uma teoria para isso: como todos os meus projectos têm uma veia descomplexadamente em crioulo, será certamente por aí que se deve procurar as razões.»
3. «Apesar da Internet e das facilidades de comunicação que existem, hoje em dia, as informações são mal processadas, a ponto de termos documentários sobre música que se confundem com teleculinária ou blogocratas que se julgam os faróis da nossa cegueira.»


Blogosfera berdiana

A blogosfera berdiana está a crescer a olhos vistos. Porém, não sei por que razão, tem sido alvo de pequenas duras críticas. O que está a acontecer? O que significa «blogocratas»? Será que temos «blogocratas que se julgam os faróis da nossa cegueira»?

Independentemente das respostas, a blogosfera berdiana está uma maravilha, numa diversidade significativa. Entretanto, toda a humildade é necessária e deve ser a marca dourada de qualquer blog ou blogista, pois os nossos saberes e as nossas experiências são sempre uma pontinha do que existe...

Faces da Vila

Gostei de ver! Linda menina, minha Calheta...

Raízes no Mar


Parte de um cais a minha viagem
E ela só leva uma trouxa de mim

Há um mar que à minha saudade se agarra
E um monte que da minha solidão abdica

Vadinho velhinho

Ajeitei a minha mochila e segui viagem. Por mais quantos anos? Talvez três ou quatro. Só sei que quero sair de Coimbra antes das minhas primeiras rugas!...

I.5. festança

Assembleia da Aldeia decretou que o ambiente deve ser preservado para o conforto das nossas gentes e para as futuras gerações... Aprovamos a construção de três complexos hoteleiros de padrão internacional para o povoamento do Monte Txota, do Monte Serrado e da vizinhança do Cemitério de Ponta Verde, com o imprescindível lema de turismo ecológico, tendo a natureza como a protagonista em qualquer actividade (um dia desses, vou acompanhar um grupinho numa caminhada pelo concelho, subindo e descendo os montes, e, no final, nada melhor do que ver peixinhos no fundo do mar!).

Depois do regresso da paz, a Assembleia da Aldeia decidiu fazer uma festança. Convidámos os concelhos vizinhos. De Cidade Velha, chegaram vasilhas de grogue; de Assomada, sacos de milho; de São Domingos, batatas e cenouras para o guisado; de Picos, feijão verde; de Pedra Badejo, atum fresco; do Tarrafal, mariscos; dos Órgãos, frutas de três variedades; da Praia, uma carrada de rusgadores. Antes das visitas chegarem, a casa já estava arrumada, y Máxima d’Guida trazi bodeku, na korda. Foladu bodeku, matadu porku y piskadoris trazi txitxaru fresku pa grelhada. Foi uma grande festa, com artistas locais e nacionais. Inclusive, elementos do grupo‑kanekinha reapareceram (fiquei um pouco triste, porque, após dois singuelada, Nelu desatinou e, numa música desaforada, rematou com esta: “nhós bá garbata mar!” Nelu, nunca mais diga isso!). Apesar desse pequeno chateanço, fartei‑me de dançar o batuque na melodia da Nasia Gomi e da Mimita Pereira. Nunca tinha dançado tanto... E nunca ninguém tinha assistido a uma festa dessa, nem nas aldeias vizinhas.

Pe. Arlindo, Pe. Angelino e Pe. Teodoro chegaram para benzer a obra, louvando um povo que cedo aprendeu a dançar ao som das ondas, e a contar estórias às estrelas.

I.4. bodeku


Então, no passado mês de Maio, houve tanta confusão por causa de um bodeku desaparecido... Mas isso não interessa agora!... Retomando o sonho, Djon‑Da‑Kruz Kamundongu começou a fazer geminações aqui e acolá. É só geminações!... Disseram-me que cunharam-lhe de Kamundongu por causa do seu paladar afinado. Como bafiu, tartarugas e pombas, não! Ele toca noutra banda! Disseram-me que ele prefere lagartixas fritas e gafanhotos grelhados. E até dizem que é por isso mesmo que Djon‑Da‑Kruz Kamundongu tem um físico atlético, invejado pela malta da oposição local. Bom, indo directamente ao sonho, Djon‑Da‑Kruz Kamundongu conseguiu um montão de computadores e materiais didácticos para as escolas e centros juvenis do concelho; quase meia dúzia de autocarros, sendo três especificamente para deslocar a malta universitária; ambulâncias para levar os casos de emergência directamente ao Hospital Regional de Santiago Norte.

Os rapazes da oposição local invejaram a obra do Djon‑Da‑Kruz Kamundongu. Numa das suas visitas ao concelho, Ti‑toru Bazofu e Octávion Kankan avançaram com inaugurações. Ti‑toru Bazofu abriu as portas de um Centro de Emprego, em Veneza. Na qualidade de membro do gang d’Zema, Ti‑toru Bazofu aproveitou para fazer o seu discurso ao povo: “aqui não queremos malandrecos e malandrecas a dormirem a sesta nas sombras das nossas acácias floridas. Se quiserem emprego, temos um centro cheio de ideias e recursos. Tragam os vossos sonhos que nós transformamos em projectos! Hoje és um pescadorzinho ou uma peixeirinha, mas amanhã podes ser um empresário ou uma empresária. És um imigrante cheio da grana, venha até nós que te ajudamos a fazer aplicação certa. Nu bai gentis, nu bai, tudu pa micro‑empreendedorismuuuuu! Nos e bazofu propi!!! Não é poesia, nem filosofia... É puro troco no bolso! Acabou a era do kaldu pexi sen pexi. Gosi kada boka‑portuese ten direitu a sê laska‑pexi. Y quiçá bodeku també! Nu bai gentis, nu bai...

Bom, Nhu-Kankan també ka fika pa traz. E meti si mô na bolsu na stilu capatas di MDR, e larga di sel: “educason pa tudu gentis! Tudu mundu pa scola! Tudu pa formason! Educason y formason pa tudu gentis! E mi propi ki flá!!! E verdadi nha povuuu... Dja nu manda fazi scola y jandim pa tudu greta, di cutelo dixi rubela. Djan papia ku Zema (ki gosi sta pueta!) pe manda tudu mundu pa scola, tudu mundu. Nu bai, nu bai guentis.”

Lá len di baxu-l, Nhu-Flipinhu ben ta katriça ku kuitosu baxu-l braçu (uma encomenda para a equipa do Zema, com um bilhetinho de agradecimento pelo empréstimo, e a boa-nova de que agora na nossa aldeia já não precisamos deste produto). Nhu-Flipinhu contra ku Nhu‑Beku Salú lá Passadera. “Odjú na bodeku!” - disse Nhu‑Flipinhu. “Mos, calma mos!.... Mi e más basofu ki bó, N ten odju d’gatu!...”- ripostou Nhu‑Beku Salú, na posi badjador di sakis. Trocaram mais duas ou três baboseiras, e, não sei por que razão, surgiu uma grande confusão à volta. Ninguém entendia ninguém. Pedrada por aqui e acolá. Até que um velho sábio apareceu para acalmar a confusão, acrescentando que somos de uma pequena aldeia, e somos primos e primas, independentemente da cor ou ausência desta na nossa camisola. E que qualquer ofensa ou soco no focinho de alguém seria uma afronta aos nossos antepassados. Então voltou‑se a paz.

Num botequim qualquer, na berma da estrada principal, Miguelu e Manuelon mintiravam acerca do que a equipa amarela ou a equipa verde pretendiam fazer não sei quando. Menino‑p‑D, o puto mais politizado da aldeia, passou e interrogou os políticos singuelados. Perguntou o que é que os dois deputados do círculo da Europa pretendiam fazer agorinha para o concelho, também não esqueceu de mandar mantenhas ao Zema por ter metido dois naturais da terra na sua equipa, e ainda concluiu favoravelmente acerca da pedalada do presidente da equipa verde. Bom, Menino‑p‑D confirmou que só depois desse djunta-môn é que ele se apercebeu de facto que São Miguel tem excelentes quadros lá na capital e noutras paragens. Os deputados nem entenderam a preocupação do miúdo, nem interessava-lhes. O importante é que naquela noite havia uma festança de confraternização na residência presidencial. Claro, iam comparecer para o habitual enchimento da pança...

1.3. Praça das Estórias

«Numa noite de Verão, à varanda da nossa casa frente ao mar e hoje frente à Praça, contemplava a minha aldeia mergulhada numa escuridão tremenda e eu, sonhadora e romântica, antevia Calheta num prisma diferente: uma Vila iluminada e com vida nocturna capaz de desafiar a própria Vila do Tarrafal. De mansinho, o mar beijava a praia na areia luminosa, como que debaixo do cântico da magia das sereias.»

Dionísia Velhinho


Utopicamente tinha pensado que em cinco dias ia conseguir dar conta do sucedido, mas, pelo andar da caminhada, apercebi-me de que vou precisar de mais diazitos para relatar este sonho. Bom, foi assim...

Nu kebra kel matacan de penedu kés botá dentu-l di nos Portu, reconstruímos a nossa Praça das Estórias, uma praça rasa para recordar a antiga praça do Porto. No lugar onde havia o Pelourinho, montámos dois pequenos Quiosques Turísticos simbolizando a ressurreição do monumento, bestialmente assassinado em meados da década de noventa do século XX.

Um camião de areia limpa e fresca encheu a baía negra de brilho. A Cooperação Japonesa desembarcou um barco de pesca todo branquinho na nossa baía. Salvador d’Kalina foi o primeiro a avistar o barco e logo recordou daquele tempo em que ele mesmo descobriu um Yate nas nossas águas e trouxe para repousar na nossa baía até que o dono veio buscar. Também recordou os bons anos em que a Landa repousava na baía, após uma boa pescada, trazendo peixes para o kaldu pexi da aldeia. Nunca dantes o nosso kaldu pexi teve tanto sabor de peixe! Então, por deliberação da Assembleia da Aldeia, o nosso barquito foi baptizado de Nossa Landa. Três lanchas de riscas passaram a descansar atrás da casa de Nhu‑Nuna e Nha‑Diminga para colorirem o Porto. Depois da ida ao mar, aparecem sempre pescadores enfadados que remendam as suas redes.

Falando nas praias da vila, a praia da Batalha recebeu como oferta um lindo projecto esboçado por jovens ambientalistas (brevemente, gostaria de partilhar convosco uma imagem da rejuvenescida praia da Batalha). Ainda esses jovens ambientalistas apresentaram o Plano B para a preservação das tartarugas que aninham nas nossas areias macias. Para além de que agora nenhum micaelense come carne das tartarugas ambulantes, conseguimos arranjar alternativas para a mulherada e criançada que extraia arreia nas nossas praias. Areia Branca voltou a encher­-se de grãozinhos dourados; Cadjetona é agora a menina de todos os festivais.

No antigo pedra-pexi edificámos o Monumento do Pescador, com a figura do mais antigo pescador da aldeia, observando o estado do mar. Cabiote foi um pescador impar de toda a aldeia, aparecendo no monumento ku dos pé di kalça ramangadu, mô na kexada ta kuda ngratidon di txuba y maré kasabi. Ao lado do monumento, o escultor praiense concordou que gravássemos um poema do nosso poeta, especialmente poetizado para não esquecer o sofrimento do povo de boka‑portu. Para completar, a família boka-portuense passou a receber periodicamente as dez páginas da Revista de Boka-Portu. E a jornalista Aidé Carvalho criou um site na Internet, onde alojou o Jornal da Aldeia.

A casa do falecido Tio-Pedro passou a ser o Posto do Pescador, onde encontra-se tudo o que um pescador ou um turista armado em pescador precisa para a pesca. A antiga mercearia da parteira Maria Miranda, passou a ser a Loja dos Remédios, contendo um conjunto variado de chás e óleos tradicionais para o parto, o reumatismo e até para uma simples gripe febril. Também a antiga Farmácia do Porto e o antigo Posto de Saúde da Calheta ressurgiram nos lugares de outrora.

Zita continuou na sua casa, agora pintadinha de cores do mar. Os seus bordados e rendas tradicionais passaram a render tostanitos. Maria Djuzé reabriu as portas do seu cinema caseiro, oferecendo filmes de acção às sextas e telenovelas brasileiras nas noites de manso luar. Na Praça das Estórias, a criançada da vila passou a ouvir estórias dos avós aos sábados e, de quando em vez, aparece lá o Nhu‑Puxim para desabrochar as gargalhadas mais bonitas do mundo.

Na antiga loja do Sr. Olímpio e Nha-Liminha, Djá abriu uma Lojinha de Retalhos. Na antiga loja da família Vicente Luciano, surgiu a Cozinha de Boka-Portu, um pequeno restaurante onde só servimos pratos típicos: katxupa rafogadu ku longuiça y ovu streladu; peixe fresco grelhadinho; salada de variedade nenhuma; peixes e mariscos de diversidades incontáveis. A açukrinha tornou-se o docinho para todos os miminhos. Até há donas que querem abrir uma Açukrinheira!

A casa da família Vicente Luciano foi transformada na municipal Pousada das Sereias. O velhinho sobrado da família Velhinho Rodrigues passou a ser o Museu da Poesia, recebendo visitas nacionais e internacionais e grandes doações de obras para cultivar a cultura. Em vez de petróleo, na Loja do Pompílu, Cida passou a comerciar materiais de iluminação, com destaque para as lâmpadas económicas. Brincando um pouco para passar a mensagem, Cida fixou à frente da loja uma caixinha para a venda de preservativos (1 por apenas 5$. Ubááa!!! Há mais: no Posto de Saúde da Calheta é gratuito e confidencial!).

Polivalente Grande foi remodelado, podendo receber torneios de futebol, andebol, voleibol, basquetebol e atletismo. Polivalente Pequeno foi doado à Associação de Estudantes de São Miguel, onde a malta estudantil pode viajar pelo espaço ciber na total gratuitidade, e usufruir das boas leituras. Antes que me esqueça, eu e a kota Zabel abrimos a tão esperada Livraria Monteiro, no segundo piso da casa-cor‑de‑rosa, agora na sua feição moderna‑tradicional, tendo lá dentro um espaço para materiais escolares, um cantinho encantado para a criançada e um pequeno esconderijo de poesia ao sabor de um chá quentinho.


joviando

No final do dia, passamos a assistir futebolanda na areia do Porto, antes do desejado mergulho na baía da nossa infância. Aos sábados, temos sempre o sagrado futebol feminino, arbitrado por jovens de tão sábios conhecimentos futebolísticos.


ruas recém-nomeadas

Com a fundação de Rua da Holanda, a tonelada de boka-portuenses residentes naquele país europeu decidiu fazer uma vaquinha e procurar financiamentos extra‑especiais para calcetar a dita rua, bem como trazer contentores novos para arquivar os lixos vidoeiros, papeleiros e plastiqueiros.

Foi uma chicosidade que a malta residente em França, desatinou e criou a Rua de Paris. Pouco tempo depois, nasceu a Rua de Lisboa. Entre estas ruas recém‑nomeadas, pode-se comer às quartas-feiras comida portuguesa, às quintas-feiras comida holandesa e às sextas-feiras comida francesa. Tudo na perfeita perfeição, com música ao vivo, que só um freguês ou uma freguesa avisado/a lembra-se de que afinal está na pacata vila da Calheta.

Para mata-bichar a população de boka-portu, Manuelon inaugurou a padaria Pão de Mar-ino, onde bolaxona e pão de sal saem directamente do forno para a manteiga. Zú não resistiu e meteu lenha no Forno da Titosa, alternativando com pão doce e bolinhos de areia.


batucando

Festival Funaná e Batuque voltou à sua aldeia, agora festivada em Cadjetona, iluminada por favas de luz. Sim, agora tudu mundu na areia ta sakuta nos tradison...

1.2. de alto à baixo


Se

Se cada gesto saísse solto
Se casa desejo tivesse corpo
De uma rocha de sol
Se cada lágrima cavasse a alma
E túnel fosse onde coubesse
Se com a força dos meus dedos
Rasgasse o vento (…)

Tacalhe


São Miguel Arcanjo, nosso intercessor lá no céu, batalhou contra os malvados espíritos que bolçaram sangue na nossa terra. Para fazer a justiça, durante três dias, não parou de chover, mansamente. Chovia na terra e no mar; chovia dentro de nós. Num piscar de olhos, um manto verde estendeu‑se pelo concelho, desde o cimo dos montes até às ribeiras. Verdejava ternamente. E as nascentes brotavam água como no antigamente, rastejando pelas ribeiras. Em Flamengos, Ribeira Principal, Ribeireta e Ribeira de São Miguel, as águas cristalinas relembravam os velhos tempos. Manguinho de Seti Rubera voltou a combinar o azul do mar com o verde da paisagem...

Um conjunto de equipamentos e infra-estruturas multiplicaram-se no concelho. Logo na primeira semana, a atenção foi canalizada no básico: rede de abastecimento de água, rede de esgoto, recolha e evacuação do lixo e iluminação pública. Nessa semana, dedicada ao ambiente, homens e mulheres entraram nos bairros da vila armados com martelos, picaretas, machados, pás de lixo e vassouras. E dois bulldozers circulavam-se pela vila, arrastando as inutilidades para uma lixeira. Recolhemos toda a lixarada de ruas e kobons para a reciclagem, enchendo a vila de árvores parideiras de frescas sombras. E as mulheres de mãos floridas, ofereceram cores nas suas varandas cheias de trepadeiras e girassóis.

Engenheiros, quase todos de Pilão Cão, queriam arrumar a vila. Do sol, do mar e do vento, colheram quantidade certa de energia; instalaram wireless nas principais praças da vila; montaram uma Rádio Comunitária para contar os feitos das gentes do concelho. A rádio tem sido um sucesso: cantigas da criançada, hip-hop da malta jovem, estórias da velharada, filosofias da malta sabichona e promessas de políticos...

Através da Cooperação Austríaca, a municipal câmara obteve verbas para resgatar os monumentos do concelho e as casas estóricas da vila que estavam a cair em pedaços, mantendo as feições do antigamente. As desabitadas casas do Porto foram adquiridas pelo município, tendo sido restauradas com a finalidade de preservarem a memória de boka‑portu.

Uma gorducha verba chegou à Espinho Branco, entrando na comunidadi d’rabeladus, contribuindo para a construção de bons funkus d'padja e proporcionando melhores condições de vida para aquela comunidade, «símbolo de resistência», que tem vindo a receber visitantes nacionais e internacionais com interesse em conhecer a sua ciência da vida, os seus hábitos e costumes. Inclusive, têm vindo a feirar as suas obras de artes tradicionais. Também um espacial donativo cambou pela Ribeira Principal para a produção do Singuelu, tanto para o consumo local e nacional, como para a sua exportação às comunidades de emigrantes do concelho.

Em Txatxa, Gongon, Cutelo Gomes e Mato Correia, as criancinhas encheram‑se de alegria com os novos jardins‑de‑infância e praças de diversão, pulando pelas ribeiras e kutelus de contentamento. Em Achada Monte, Pilão Cão, Ponta Verde, Veneza e Calheta, o desenvolvimento urbano e sime-urbano começou a flutuar aos olhos vistos.

Em meia dúzia de segundos, tudo voltou ao normal, numa versão moderna‑tradicional em harmonia com o passado, mas de olhos postos lá no futuro. Nunca tinha visto tão admirável sistema djunta-môn! Não consigo explicar tudo o que conseguimos ajeitar, mas nas próximas tecladas vou tentar resumir o que aconteceu no centrinho da vila.

I.1. tintim por tintim

Contaram‑me tudo, tintim por tintim. Então, disseram‑me que foi no final da tarde, quando toda gente preparava‑se para jantar no sossego das suas casas. Uma chuva das grossas começava a cair, relampeando na terra como nunca dantes. Tombavam sangue dos antepassados que habitavam a aldeia. As bocas berravam tal acontecido facto. A aldeia fervilhava num redemoinho de vozes destoantes. E as humanas almas estremeciam de tamanha injustiça cometida aos antepassados.

Antes do sol raiar, numa reunião na Escola Nova, um grupo de homens e mulheres da aldeia, por unânime unanimidade, concordaram que alguma coisa devida era necessário fazer para apaziguar os espíritos que deambulavam pela aldeia em impetuosa agonia. Os putos urgentaram-se em espalhar a decisão tomada. Surgiram duas ou três vozes que protestaram‑se, mas logo enxergaram‑se que era preciso deixar a moleza e recuperar a paz da aldeia. Pouco depois, nas repartições públicas e nas residências particulares, choviam telefonemas para as Américas, as Europas e as Áfricas.

Numa exacta semana, os filhos e as filhas do concelho – que se escondiam em diversos cantos do país e do mundo – chegaram com os conhecimentos adquiridos e as fortunas acumuladas. A partir desse dia, tudo mudou. O que vou contar foram os meus olhos que testemunharam. O sonho parecia realidade, encostada numa almofada de algodão tão macia.

I. Imaginar São Miguel --- 25 a 29 de Setembro


«O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.»

Fala de Tuahir (Terra Sonâmbula, Mia Couto).


Em cinco dias, vou deixar aqui pedaços de contestação sobre o estado do concelho de São Miguel. Trata‑se de um sonho para fazer andar a estrada... Este sonho será contado em cinco tecladas: I.1. tintim por tintim; I.2. de alto à baixo; I.3. Praça das Estórias; I.4. bodeku; I.5. festança.

Basta!!!

Na minha aldeia, ensinaram-me a receber bem as visitas, com a necessária morabeza e a oferecer pelo menos um copo de água fresca. Também ensinaram‑me que, na casa das outras pessoas, não devemos nunca esquecer as regras da boa educação, entrando e saindo sem provocar sarilhos em espaços alheios. Não recordo qual procedimento é mais indicado para lidar com as visitas quando começam a ser incómodas. Longe de nós da aldeia mandar alguém para fora da nossa humilde casa! Enquanto penso nisso, vou aquecendo os músculos...

Como sou eu a dona deste blog, vou manter a opção «anónimo». Não me interessa quem é o «anónimo I» ou o «anónimo II», nem descodificar a lista de nomes que começaram a chover neste blog, nos últimos dois meses. Se alguém tiver alguma coisa para dizer ao fulano ou beltrano, faça isso longe daqui! Se alguém tiver alguma coisa para me dizer (se não gosta do meu novo corte, do preto azulado dos meus cabelos, do par de ténis que comprei, do livro que ando a ler, etc.), pode usar o meu email, que vou aplicar aquela máxima metodológica: «sigilo e anonimato»! Quem quiser participar nos debates, apresente ideias e seja firme, mas sem confusão! O que não vou admitir mais é que incomodam a tranquilidade das pessoas que por aqui passam para um curto mergulho ou horas na praia! Ouviram?

boas vindas à caloirada

cidade, universidade e diversidade

Coimbra é «uma espécie de estufa» preparada para a universidade e para a malta estudantil. É desta forma que muitas pessoas definem a cidade de Coimbra. Por albergar a mais antiga universidade lusa, Coimbra é distinguida pelas suas tradições académicas seculares...

A malta estudantil é recebida de braços abertos nesta cidade, que sem o brio juvenil mais não é do que uma alma penada. E o ambiente coimbrão marca a vida de cada estudante que por aqui passa.

A universidade oferece condições óptimas para a revelação de grandes estudantes (com ricas bibliotecas, vastíssimos depósitos de obras milenares, reputados laboratórios e centros de investigação, catedrátic@s professor@s, etc.), mas debaixo de um clima de tensão por causa da tradição, mantida através da repressão. Aqui existe uma estrutura hierárquica que verticaliza as relações institucionais e pessoais. As faculdades estão todas escalonadas. Da mesma forma, o corpo docente é todo ele definido pela porção de poder atribuído a cada elemento que o constitui. Entre a malta académica, meu deus! A caloirada é a ralé da população estudantil. Desde humilhação pública à repressão severa, a caloirada experimenta de tudo um pouco. A obediência é a palavra de ordem. Há estudantes que decidem contestar a praxe académica ou recusar participar neste tipo de socialização feita de repressões-e-emoções. Apesar dos desmandos da malta veterana, que tresloucadamente se auto‑proclama como portadora dos saberes da academia e das experiências na cidade e não se coíbe de exercer o seu poder paternal perante a caloirada, a tradição académica coimbrã é linda, muito linda!

Nestes dias, a cidade está a festejar a chegada da caloirada. Nas tendas fincadas no pátio da minha faculdade, passando ao longe, vi uma carrada a seguir os desmandos da camada veterana. Ontem, ouvia‑se sussurros e ordens para isso ou aquilo. E, eu, enxutada já no caixote de antig@s estudantes da casa, invejava as tontices da caloirada, desejando voltar a ter todo tempo do mundo para redescobrir Coimbra. Ai como o tempo voa! Ainda ontem cheguei e hoje kota me consideram... Por isso, caloirada, aproveitem essa fase boa que a vida vos oferece! Estudem, divirtam‑se e sejam muito felizes! Quanto à malta dos palops, não se guetizem, misturem­‑se nas festinhas e preparem‑se para conhecer outros povos que habitam esta maravilhosa cidade. Sei que é difícil passar os dias aqui, mas, como o tempo tem asas, nem vão sentir o passar dos segundos. E depois fica sempre a eterna saudade de Coimbra, da malta e dos amores...

«Anónimos»


Cavalheiros, se quiserem dar coices, procurem o curral mais próximo! Se quiserem resolver problemazinhos antigos que ainda vos assombram, esperem para quando se cruzarem! Enfrentem-se! Dois ou três socos (risosss…) não faz mal... Não quero com isso incitar a violência, pois basta o que os thugs estão a fazer lá na nossa capital. Mas também estar aqui a ouvir as vossas fúrias... Upss… ai como eu sofro!!!

………

Estou a gostar dessa experiência na blogosfera. Porém, manter um blog dá muito mais trabalho do que inicialmente pensava. Para além de preparar os posts, dialogar com blogistas da vizinhança, receber as visitas e reagir aos comentários, ainda querem que eu compre uma lanterna para vigiar os anónimos.

Bom, nunca preocupei‑me com o anonimato, nem quero ter essa preocupação. Interessa‑me o diálogo, desde que seja com base na partilha de ideias, no respeito pelas diferenças e, claro, com uma necessária dose de seriedade e honestidade. Acho que a liberdade de recorrer ao anonimato deve ser respeitada. É por isso que, como sempre tratei e fui tratada com ternura e confiança, nunca preocupei‑me com o anonimato.

Acontece que, no post sobre a antologia Destino de Bai, cheguei a ficar furiosa. No início, estava com uma ponta de curiosidade em relação à identidade dos anónimos, porque estava a gostar do debate, das diferentes perspectivas e preferências, bem como das sugestões. Recebi piropos que não me desagradaram de todo.

Foi divertido o bate papo! Entretanto, fiquei furiosíssima ao perceber que um dos anónimos, estava a deixar pistas demasiado óbvias, podia ser uma certa pessoa. Também houve um comentário assinado por um que disse que é português, contando coisas sobre a literatura cabo‑verdiana que só um(a) estudioso(a) ou um cabo‑verdiano(a) próximo(a) do meio literário cabo-verdiano podia saber. Acho eu! Nada disso apoquentou-me, até que... apareceu um anónimo apelidado de «Marcos», que, no comentário seguinte, assinou o mesmo nome sem o “s”. Caramba, uma pessoa de nome «Marco» dificilmente pluraliza o seu nome. Disso sei eu! O meu melhor amigo de todos os tempos chama‑se MARCO (Marquito para a malta) e sei como ele fica chateado quando é chamado no plural. Marco é um nome singular! Ok, anónimo Marco-s!? A pluralização do nome do meu melhor amigo é imperdoável!...

Houve mais nomes usados para vestir o anonimato. E, desde aquele post, tem chovido nomes estranhos no meu blog... Parece que o meu blog está a ganhar simpatias extra-especiais ou há quem quer manter a sua presença aqui e sente receio de assumir a sua identidade. Se respondo aos comentários, alguns com um ligeiro atraso, é porque acho que merecem consideração. Agora, apelo à seriedade e honestidade no acto de comentar! Sabiam que tenho medo de lobo-mau? Então não manchem o meu diário!...

Houve momentos em que pensei em partir a loiça. Desabafei com um amigo coimbrã que tentava seguir o debate. Ele aconselhou‑me a não ir por essa via, porque o tal anónimo até que foi simpático. Talvez não quis se expor na blogosfera. Isso não é mal nenhum. O que é pouco correcto é fingir não ser e atirar flechas aos meus poetas. Bom, o JLT apresentou uma longa resposta, bem serena.

Adoro os meus poetas!!! Sim, adoro os meus poetas! Porque é que vou fingir que não exercem influência em mim, se adoro terminar o dia lendo coisas que escrevem... E basta dizer que só temos medíocre, porque os meus poetas cabo‑verdianos são tão maravilhosos, quantos os meus poetas ingleses, portugueses, brasileiros, etc. Agora, podem me dizer o teu poeta x não se compara com o poeta y ou estás a deixar ser levada pela subjectividade, pelas emoções e pela proximidade. Pois digo‑vos, cavalheiros, sou feita de emoções, filha de um grande amor (papai e mamãi amavam‑se muito... e desejam um mundo de sonhos e emoções para a filhota, como qualquer outro pai e outra mãe). E não quero ver a vida sem uma certa dose de emoção.

Voltando à questão dos anónimos, houve muitos deslizes e pouca ética (pelo menos por parte de um dos anónimos e ele percebeu a minha frieza nos últimos comentários que fiz naquele post) que nem valiam a pena. Gosto de receber visitas e ficaria alegre se houvesse seriedade e honestidade. Este blog é uma praia de águas «limpas e tépidas». Portanto, agradecia a tod@s que não poluíssem esta minha(nossa) praia. Há jovens e idosos que também gostam deste blog (passam por aqui, mesmo sem deixar rastos). E é para eles que dedico as páginas soltas que constituem este meu diário de ternura.

Pátria


Julinhu d’Morera

Não me lembro em que classe andava. Julinhu d’Morera, colega de turma do meu mano Lindo, era demasiado distraído. O pai ralhava‑lhe sempre por causa da desatenção indevida que dedicava à leitura e aos estudos.

Bom, naquele ano, num exame da primária, após ter lido um texto sobre a “Pátria”, onde suponho que uma mãe vagamente explicava ao filho o significado da Pátria, a sua querida professora Clarisse perguntou:
- menino Júlio, o que é a Pátria?
- hummm... (murmurou durante segundos).
- Júlio...
- Prusora, prof... A Pátria é a minha Mãe!

Foi assim que respondeu o Júlio, com a insegurança contida na resposta que lhe valeu a reprovação naquele triste ano lectivo para a família do velho sapateiro Morera.

Quando o meu mano Lindo regressou da escola, com um sorriso de menino aprovado, contou-me a estória da Pátria do Julinhu. Fartei-me de rir, mesmo sem enxergar o sentido improvisado que o Julinhu atribuíra à sua pátria.

Estátua Imaginada

.
Sentado
desenhas a espuma
que dos ossos dos sonhos se erige
e progride rente à noite do martírio

De pé
frondoso entre as frondosas árvores
estilhaças o crânio
das antigas odes e das suas rememorações
para o teu povo celebrar
e os seus heróis
erectos no alfabeto de um novo tempo

Debruçado
sobre a lonjura
dos séculos de dor e esperança
tal sombra em busca de corpo
escrutas o azul
que do silêncio em mar se transfigura

Expectante
as penedias entre os regaços
e as secas ribeiras sobre o dorso
do mar constróis
um novo verde mar
que se petrifica entre os dedos
inundados de sol e suor

Caminhante
floresces um hino infante dos séculos
que em pátria se plasmam
na sua demanda do verde
ainda apenas pressentido
e
a espuma
é então
o rosto mais recente
a face mais dançarina
da memória e da esperança
nuas e límpidas
na pátria dos nossos avôs


Praia, 13 de Fevereiro de 1992
Lisboa, 1 de Abril de 2004
(Versão refundida do poema “Hino”,
publicado na revista Fragmentos, 9/10.
O autor dedica este poema
à memória de Amílcar Cabral
e em homenagem ao primeiro
hino nacional de Cabo Verde.)


José Luís Hopffer Almada

«Tribunal de Opinião»: Perfil Político de Amílcar Cabral

Amílcar Cabral, líder e teórico da luta pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, ficou registado na história do século XX, com a sua contribuição contra o colonialismo português. A sua obra tem sido estudada pelo mundo fora. E é hoje uma referência no âmbito dos Estudos Culturais e dos Estudos Pós‑coloniais.

Feitas essas considerações, abro esta página para uma pequena discussão sobre Amílcar Cabral. Posso ser a «fada madrinha» de Cabral, e proponho o Anónimo I como «advogado do diabo». Cabe ao «advogado do diabo» uma postura crítica, procurando contestar as ideias de Amílcar Cabral e gerar pensamento crítico.

As pessoas que quiserem participar neste debate podem: 1) entrar no Grupo A, sentando na bancada do PRÓS; 2) entrar no Grupo B, sentando na bancada do CONTRA.

Ainda proponho o Jairzinho Pereira (natural de Cabo Verde, crítico em relação à «cabo‑verdianidade») como “comentador anti‑nacional”, e o Fabrice Schurmans (natural da Bélgica, crítico em relação à suposta «hegemonia ocidental») como “comentador contra‑hegemónico”.

Um, dois e três… o jogo vai começar!...

Amílcar Cabral

Diogo e Cabral

Diogo Gomi mora la di riba
Na lado de cá Presidente
Mora na mei de 3 Continente
Cabral
Li di baxo ta gritado biba
Diogo sta rostu pa Parlamento
Amílcar de cara pa cemitério
Nha guenti más ki mistério
Ê sodade ô ê esquecimento?

Mário Lúcio


Quando vi o retrato da “coincidência” postada em Djaroz, parei para pensar na estátua de Amílcar Cabral, fuliadu na kobon, algures em Taiti, bairro “descartável” da capital cabo‑verdiana...

Como refere o Sociólogo e Historiador António Leão Correia e Silva, Várzea devia ser sublimada por causa do seu papel no decurso da história do nosso país. Por isso, acho que não é de todo mau manter a estátua do fundador da nação cabo-verdiana num espaço que outrora fora palco de acontecimentos marcantes na (sobre)vivência das nossas gentes. A própria proclamação da independência nacional decorreu na Várzea, onde também foi construído o Palácio do Governo. No meu olhar contra a destruição da memória, o problema da estátua prende-se com o facto de ter sido jogado num mato bravio. Quem ousa visitar a estátua naquele espaço? Nem nacionais, nem estrangeiros. Bom, nem tudo parece perdido! Como Amílcar era Engenheiro Agrónomo, aquele mato bravio podia dar lugar a uma linda praça, com flores e plantas das ilhas. Transformá-lo num espaço verde digno de um verdadeiro herói e amante da terra já bastava para sossegar a alma das nossas gentes!...

Violência Urbana


«os nossos valores»


Num artigo de opinião, publicado no asemana online, Dulcineia faz um apelo para a mudança de atitudes, tendo em atenção a violência e a onda de assaltos na nossa Praia. Diz a cronista que “é angustiante viver numa sociedade onde pouco podemos fazer, porque vivemos amedrontados.” Ainda realça a sua angústia perante a fraqueza dos nossos valores para fazer frente a situações de violência na nossa pequena capital.

Para quem convive diariamente com a insegurança flutuante dos últimos anos na Praia, para quem se encontra na diáspora, ou mesmo para um/a turista, custa acreditar como a violência urbana penetrou fortemente a capital cabo‑verdiana. É lamentável como as autoridades pouco conseguem fazer para apaziguar o clima de insegurança instalado! Mas não é por esse caminho que a Dulcineia nos conduz. Ela questiona os nossos valores. Apela-nos. Coloca-nos entre as paredes.

Escutando a angústia do meu colega e amigo KaKa, acabadinho de regressar da capital, tirei minutos do meu tempo para reflectir sobre o artigo da Dulcineia. Sinceramente, não consegui pegar num livro sobre a violência urbana tão falada noutras cidades (Rio de Janeiro, Bissau, Lisboa, etc.). Mas a nossa Praia é tão pequenininha e nós somos primos e primas! Bom, fiquei sentada na minha poltrona a imaginar os segmentos da população cabo-verdiana com poder económico para esconder em condóminos fechados nas novas urbanizações, desinteressando completamente com o que se passa para além dos muros da sua segurança familiar; na quantidade de escudos/euros/dólares gastos em carros blindados; na nova moda de empregar «os homens da costa» como cães‑de‑guarda das vivendas no Palmarejo, bairro de estimação dos thugs... Mas a nossa Praia é tão pequenininha e nós transbordamos a morabeza e a elegância na nossa forma estar!...

Também “imagino o desespero de uma mãe, que às 6h da manhã acorda com a notícia que o filho está no hospital, porque foi espancado numa festa. Uma festa privada, num ambiente selecto.” Oh, Dulcineia, isso corta o coração de qualquer mãe! Porém, acho que enquanto a violência atingir os filhos das outras mães, enquanto não bater na porta da nossa mansão, continuaremos a dormir os nossos soninhos!...


E lá em casa?

A minha avó Dinora ficava acordada a noite toda, quando eu e o meu mano íamos para uma festa de aniversário no poial de cima. Quando havia música na praça do Porto, ela argumentava que era bem melhor ficarmos em casa, escutando a partir da nossa varanda. Nós, juventude rebelde, desaparecíamos feito foguetões e regressávamos nunca na hora prometida, encontrando a velhota com o coração nas mãos. Só depois de escutar os nossos passos pelos corredores da casa é que ela conseguia dormir sossegada. Graças à Nossa Senhora do Perpetuo Socorro e ao São Miguel Arcanjo, a velhota nunca teve razões para se preocupar com o nosso comportamento fora de casa!

Nos anos em que estudei na Praia e em Assomada e o meu mano no Tarrafal e em Assomada, a minha avó morria de saudades, rezando para que nada de mal nos acontecesse. Quando chegávamos para os fins-de-semana ou as férias na aldeia, escutávamos os seus ensinamentos acerca do respeito ao próximo e da não‑violência. No dia 10 de Novembro do ano 2000, ao pegar na minha velha mochila de couro para seguir viagem, a avó virou para mim e disse: “filha, respeita o próximo!” Este foi o último conselho que ouvi da boca da mulher que transmitiu os valores que norteiam a minha vida. Porém, durante a minha adolescência, achava chatíssimos os moralismos e aborrecidos os valores que, na altura, considerava retrógrados, mas a vida mostrou-me que afinal a velhota tinha razão ao fincar o pé na nossa educação, ao limitar as nossas saídas, ao exigir que chegássemos na hora combinada e ao nos mostrar o bolso vazio.

Servíamos o jantar às 19h e todos os membros da família tinham que estar em casa. Para mim, 19h era a pior hora do relógio. Tinha que interromper qualquer conversa na esquina, ou um jogo feminino no Polivalente Grande, porque temia o olhar severo do avô Yoto. Cresci atrevidinha, pensando que ia me libertar do temível 19h. Muito pelo contrário! Hoje, quando vou à capital, durante o dia tenho de me manter sempre atenta e, após as 19h, nem ouso sair de casa sozinha, nem chegar na companhia da minha própria pessoa. Não posso dar ao luxo de andar pela noite na minha capital, nem ir ao mar por aquela rotunda onde tudo pode acontecer. Pior mesmo é pensar em pegar um táxi. Nunca se sabe aonde os taxistas vão parar. Claro, há sempre o exagero na prevenção de um possível kaçu‑bodi, mas... Urgentemente, preciso de me libertar do medo de segurar no volante. Alguém me oferece um starlet!

Angola

Ondjaki

Hoje, dia das segundas eleições angolenses após a abertura política, para além de ter acordado com um sms do Tavira, recebi um email da Paredes com a lista de finalistas do Prémio Portugal Telecom de Literatura 2008. Mais uma vez, o escritor angolense Ondjaki encontra-se entre os dez nomes escolhidos para a grande final no dia 29 de Outubro. Bom, vou aproveitar a data do anúncio dos resultados para postar uma pequena nota aqui neste esconderijo sobre a escrita do Ondjaki. Por agora me apetece parabenizar o jovem escritor e as estórias de Luanda contidas em “Os da minha rua”! Um abraço bem forte ao velho abacateiro...


5 de Setembro: Bom Dia Angola!

Ainda deixo aqui um pacote de beijinhos para os meus amigos e amigas de Angola que se encontram na diáspora e tristes por não poderem votar (Patrícia, Tavira, Ricardo, Yaze, Afonso e Marquinha) e para aqueles que sentem o pulsar mais forte deste dia (Beto e Samuel). Votos de melhores dias para a vida política angolense!!!

Coimbra

Aqui a noite é quase tão mágica como na minha Calheta, a vida académica é feita de poesia e tudo parece eterno...

O meu mano parece que não gosta muito da mansidão dos dias em Coimbra. Chegou da Calheta para feriar em Portugal, passou por Coimbra, mas não demorou mais do que uma semana. Arranjou logo uma desculpa para ir à Lisboa: um tal imperdível Benfica‑Porto lá no Estádio da Luz. Bom, tentei argumentar que podíamos ir assistir a um jogo da Académica, mas não adiantou. Sendo assim, acabaram-se as minhas férias e amanhã tudo volta ao normal...

Lisboa

Lisboa rima com Pessoa. Claro, gosto de Pessoa! Porém, quando o tema de conversa é Lisboa, tento fugir o máximo possível e imaginável. Posso dizer que não tenho muita simpatia por essa cidade, apesar de uns sítios e encantos que merecem alguma reserva. Entretanto, ultimamente, tenho ido lá várias vezes.

Desta vez, fui à Lisboa para paródias familiares. Descobri um primo do meu pai escondido nessa cidade. Fui conhecê-lo e, como seria de esperar, foi uma maravilha cada segundo que passei com esse meu mais novo tio. Aproveitei para conhecer os meus mais novos primos e as minhas mais novas primas. Resumindo e concluindo, foram dias de festa com boa música e muitas gargalhadas!

Sintra para Sonhar

Não encontro palavras em justas porções para descrever aquela quinta‑feira em Sintra. Os detalhes todos foram imaginados previamente. Desde a viagem de Comboio, na companhia da poesia em pessoa, até os temas de conversa na quinta. Tinha previsto passar dois dias em Sintra, mas sussurraram‑me ao ouvido que, durante o Outono, os dias e as noites são mais nostálgicos nessa vila historicamente conhecida pelo seu ambiente sublime. Por esse motivo, o regresso foi logo anunciado...

Chegámos à Sintra pela manhã, daquele dia encantado. O anfitrião esperava-nos amavelmente na estação. Para não quebrar a melodia da vila, tomámos um café ali perto, antes de seguirmos para a Fundação Eugénio Tavares, sediada na Quinta Verde Sintra, um cantinho singelo de promoção do turismo rural, com um clima favorável à entoação das mornas das ilhas.

O dia estava com vontade de chorar, mas tinha receio de desmontar o nosso passeio pelo jardim. Fizemos uma visita geral à quinta, aproveitando para registar cada espécie vegetal de Nova Sintra transplantada agora em Sintra. Não foram só as coloridas flores e as plantas, mas também os móveis, os azulejos e a harmonia, que cativaram a minha atenção. Gostei de cada pormenor, que realça a sensibilidade de um ilhéu em terras estrangeiras, trazendo a casa às costas como um caracol. Percorremos passo a passo, desde a recepção até os recantos mais escondidos da quinta. Os quartos, os apartamentos e os espaços comuns são agradáveis para quem pretende usufruir de dias sossegados longe das grandes cidades. Da quinta, contemplámos a magnífica vista da Serra de Sintra e agendamos uma visita ao centro histórico desta vila, considerado património mundial.

Vila Nova de Gaia

Desfilámos por vilas piscatórias do Grande Porto, observando a mansidão do mar. Depois seguimos para Vila Nova de Gaia. Numa dessas voltas, cruzámos com a Loja do Pescador (que me fez recordar de o Monumento do Pescador, algures em Caminha). Percorrendo a borda de Gaia, cheirámos o famoso vinho do Porto. Passámos pelo Cais de Gaia, área turística de belíssimas esplanadas, agradáveis restaurantes e simpáticos bares, na margem esquerda do rio Douro. Com as pernas fraquejadas, sentamos numa tasca típica da região para um almocito, tendo à frente a zona histórica do Porto, eleita património mundial.

Poucos segundos depois, apareceu na nossa mesa uma senhora poliglota. Respondia ao empregado transmontano, falava com o turista italiano da mesa oito, acudia a uma espanholita que queria saber onde fica não sei o quê, despedia do casal francófono, mandava sentar o britânico escaldado... Quando chegou na nossa mesa, entoei as minhas saudações na língua cabo-verdiana, variante de Santiago, pensando que ela ia desmanchar-se em incompreendismos. Muito pelo contrário! A dona de cara linda virou para mim e disse num sorrisso gargalhado: “a menina é cabo-verdiana! Olha que tive uma colega da Praia. Deve conhece-la! O nome dela é Fátima... Mas já só me lembro da palavra kretxeu e também da Cesária Évora.” Fartei‑me de rir com a animação da senhora tão expert no seu ofício como as rabidantes lá da minha terra...

No cambar da tarde, regressámos para Coimbra. Aproveitei para revestir a minha sacola extra e trocar acessórios na minha mochila. Depois segui sozinha para a segunda parte das minhas férias. Desta vez, para além de uma estadia prevista em Lisboa, tinha planos para uma escapadela até Sintra.

Caminha

Estando em Viana do Castelo, optamos por dar um saltinho até à vila da Caminha. Visitámos o Chafariz do Terreiro, a Torre do Relógio, a Igreja da Misericórdia, o Castelo de Caminha, a Igreja Matriz de Caminha e as Muralhas. Foi uma linda manhã, numa vila admirável! Do outro lado do atlântico, a bela Espanha apontava sinais da sua proximidade. Pena foi não termos ido à Vila Nova de Cerveira, ali ao lado!...

Viana do Castelo

Do longe, vimos o Templo de Santa Luzia, o nosso primeiro olhar do lugar. De olhos fechados fechadinhos, subimos até ao monte da santa. Ao colo da santuska, vislumbrei a magnífica paisagem que tinha aos meus pés: atrás de mim, a serra toda ela verdíssima; numa das laterais, o mar, embora não era parecido com o das minhas saudades; à minha frente, o rio Lima. Ao olhar a magnífica paisagem desse lugar, pensei num suspiro só: meu deus, como é possível uma cidade escondidinha contemplar os mistérios do mar, da serra e as águas do rio! Porque é que só agora descobri Viana do Castelo? Certeza apenas a de que desejo voltar...

Depois da visita à cidade, guardei três imagens na minha mochila: o Templo de Santa Luzia, pois não consegui afugentar os fragmentos de memória daquela ilha solitária lá no meu arquipélago, aquela entre as três que ainda não conheci; o Gil Eanes (misterioso barco que apareceu à minha frente depois de uma longa caminhada, respirando o cheiro fresco do mar e o odor das algas) com as lembranças daquele liceu mindelense nos anos idos do século XX cabo-verdiano; o Castelo de Santiago da Barra, plantado na margem do rio Lima, outrora com a função de defender a povoação.

Início da viagem... foi uma maravilha!

Este ano, com a chegada do «verão quente», aceitei o desafio de redescobrir bocados da terra lusa. Como adoro cidades históricas, sobretudo aquelas pacatas que quase ninguém dá por elas, foi com muita emoção que peguei na minha velha mochila de couro, metendo lá dentro um diário cor‑de‑rosa, um lápis afiado, uma máquina fotográfica digital, um livro de poesia com folhas soltas e uma caixinha de maquilhagem com um bâton de cor nenhuma e um pequeno espelho. Numa sacola extra, levei um protector solar, uma garrafa de água, uma escova azul para os dentes e uma outra para os cabelos, entre outras tralhas de mulheres... Saí de casa preparada para o grande sol que se previa: uma boina, uns óculos bué da giros, pernocas ao léu e uma blusa verdazul. Entrei na viagem.

A passagem mágica pela Ponte da Arrábida, que liga Porto e Vila Nova de Gaia, foi a primeira grande maravilha da viagem. O silêncio do rio Douro convidávamos para uma outra viagem, mas não caímos na tentação e seguimos o nosso percurso previamente delineado. Continuamos a flutuar pela auto-estrada com muita música, prosa e suspiros...

Vou de férias!!!

portugando de alto à baixo em oito dias:
Caminha. Viana do Castelo. Vila Nova de Gaia. Coimbra. Lisboa. Sintra.

não quero ouvir adeus, que seja até breve!




Oh, Lino, quase me fizeste gotejar com o teu segundo parágrafo. Porém, após uma respiração funda, percebi que as tuas razões não me satisfazem. Acho que podias continuar com o teu cantinho intimista, sem que isso atrapalhe os teus outros compromissos e responsabilidades. E no teu blog sabes que podes escrever quando quiseres e como bem entenderes. Esta é a grande vantagem em relação aos outros ciclos que fechaste no passado. Não consigo entender as tuas justificações, pois acredito que a vida é feita de múltiplos ciclos, muitos deles em simultâneo. Muitas vezes, perco minutos a reler o meu blog e pergunto para mim mesma se “quando for grande” irei continuar com o meu blog que é tão intimista e numa escrita afectiva, sensual e feminística. Não encontro resposta. Certamente, poderei adoptar uma outra forma de escrita, mais sociológica ou cronicada. Isto é para te dizer que, enquanto uma das blogueiras que gosta do teu blog e vai lá muitas vezes, acho que talvez chegou o momento em que devias adoptar um outro estilo de escrita e com outra periodicidade, mas nunca fechar o teu blog. Por exemplo, há um blogueiro na vizinhança (não o conheço pessoalmente, mas é amigo de uma tia minha e de um tio meu, mas ele não sabe…) que tem uma vida profissional de loucos, mas consegue colocar bons posts no seu blog. Faça uma visitinha até “Passageiro em Trânsito”! E há muitos/as outros/as blogueiros/as (tanto em Cabo Verde, como por outras bandas do planeta) que não têm muita disponibilidade, mas conseguem provocar debates e despertar ideias nos seus blogs.

No meu caso, nem imaginas a vida que tenho! Não tenho nem tempo para pensar em mim. É muita coisa em cima da minha cabeça: os meus compromissos académicos, profissionais e o activismo; as minhas responsabilidades pessoais e familiares. É muita coisa para os meus 26 anitos. Mas consigo tirar bom proveito do meu blog. Escrevo para partilhar as minhas angústias, emoções, reflexões e até consigo fazer amigos/as, o que já é bom porque tenho uma vida muito fechada entre “o meu quarto” e a faculdade. É um correr para aqui e para ali, que quando chego à casa no final do dia farto-me de aliviar com os meus passeios pela blogosfera.

Lino, desde o primeiro dia que te conheci na blogosfera, fiquei encantada com o teu sorriso verde, as tuas caminhadas na minha ilha, o teu espírito aberto, a tua forma alegre de encarar a vida, a tua paixão pelas coisas boas e a tua solidariedade, cooperativismo e atenção ao mundo que te rodeia. Passei a gostar mais da tua ilha, a ver pequenas coisas que às vezes na fugacidade dos dias esquecemo-nos de prestar atenção. Fui pessoalmente até Fajã Domingas Bentas. A tua mãe Silva de Junzim d'Polina recebeu-me com um alegre sorriso. Na companhia do teu irmão e da minha amiga-colega Elinha, a teimosia me levou a calcorrear pela montanha ti sukuru fitxa. O teu irmão disse-me que, por mais duas vezes naquele ritmo, eu podia ganhar qualquer maratona na Praia. E disse-me mais: “podes dizer ao Paulino que agora conheces Fajã melhor do que ele!” Foi uma linda caminhada e as gentes do teu cutelo foram amáveis comigo. E o teu irmão tão atencioso, não só contou-me estórias do teu cutelo, como mostrou-me sítios e encantos e apresentou-me pessoas que já conhecia através do teu blog ou através do teu livro “Gentes das Ilhas”. Veja lá o que estás a fazer comigo com este “teu gesto egoísta” (não combina contigo, pois não?) de fechar o blog que já não é apenas teu! É meu também e é de tantas outras pessoas que por lá passam para um chá ou um groguinho de Sintanton. Caramba, já basta o feiticeiro Barbosa que desapareceu sem deixar rastos ou o aprendiz de feiticeiro Djoy que saiu de fininho (vi que ele já regressou, mas não consigo meter nenhum comentário no blog dele. ele deve ter escolhido uma opção que está a bloquear a colocação de comentários – veja lá, Djoy!)!!! E mais, Lino, não me queiras ver chateada grrrrrrrrrrrrr!

Independentemente da tua opção em deixar a blogosfera berdiana (durante algum tempo, ainda indefinido), querido vizinho na blogosfera e na capital, desejo-te as maiores felicidades e quero continuar a ver-te nas minhas próximas idas às ilhas!

Um beijinho com muitos miminhos…



Um Poema Para Ti

Emprestei um poema da minha ilha para te oferecer. Quem melhor do que um poeta de Assomada (também ela verde) para te falar desta «cor mais bela, porque é a cor da esparança»!


Permanência

A pedra continua inerte
A loucura continua efémera
O sonho continua eterno
O solilóquio da solidão continua terno
O caminho das lanternas continua traiçoeiro
As promessas da madrugada continuam incertas

A água de cada dia continua térmica
O trópico de Câncer de olhar posto em Santiago
----------continua aridamente hemisférico
Os insultos no estádio da várzea continuam esféricos
O amor na praça da cidade continua desinibidamente espérmico
A aurora para além dos labirintos do subúrbio continua quimérica
O polegar de txibita continua cadavérico
----------e ressequido sobre o deserto do seu crânio
Os pedintes continuam elegantemente raquíticos
----------e sentados compõem o requiem do quotidiano

A ilusão continua verde
(do verde lunar das serenatas)
neste país
de pedras
que sonham
na face imaginada da água
e rejubilantes
digerem
a esperança
sempre erecta
no seu verdejar
----------na aurora do pedinte…

Lisboa, Julho de 2008
(versão ligeiramente refundida
do poema homónimo, constante
do volume II da obra poética
À Sombra do Sol, Praia 1990.
O autor dedica este poema ao Mito.)

José Luís Hopffer Almada

 
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