Por que (não) se fala do 31 de Agosto?


Para abrir o seu livro, intitulado A Tortura em Nome do Partido Único, Onésimo Silveira faz uma dedicatória, in memoriam, a um conjunto de cidadãos, segundo ele, «que nos legaram o exemplo da sua coragem na luta contra o estrangulamento da livre opinião pela Polícia Política». Onésimo é dos poucos ensaístas, por uma razão ou outra, que têm abordado o celebre 31 de Agosto de 1981. Publicado em Agosto de 1991, dez anos depois dos acontecimentos em análise, já após a abertura política e curiosamente quatro meses antes da sua eleição como o presidente de câmara mais popular de Cabo Verde, o livro de Onésimo é composto por um prefácio da autoria de Silvestre Évora acerca do «clima de terror e perseguição levado a cabo pelo partido através da sua polícia política», uma introdução do autor sobre a natureza do regime que vigorou durante a I República e um conjunto de depoimentos de pessoas que foram presas durante os anos de 1976, 1977 e 1981 nas ilhas de São Vicente e Santo Antão.

Para além destes depoimentos reunidos em livro por Onésimo Silveira, existe também o romance de Germano Almeida, intitulado O Dia das Calças Roladas, tendo como pano de fundo as cenas ocorridas a 31 de Agosto de 1981 em Santo Antão, nomeadamente a contestação popular à discussão do projecto da lei de bases da Reforma Agrária que esteve na origem de desentendimentos, distúrbios e prisões.
Encarado como político, esse processo foi desde o princípio prosseguido através de métodos pouco ortodoxos. Por exemplo: toda a gente sabia que algumas pessoas tinham sido presas em Santo Antão e transportadas durante a noite para São Vicente, sabia-se inclusivamente em que navio tinham sido transportadas, e no entanto nem o comissário da Polícia de Ordem Pública nem o comandante da Polícia de Segurança admitiam ter conhecimento de presos vindos de Santo Antão. Se fosse verdade, diziam ingénuos, então só podiam estar no quartel. Por sua vez o quartel recusava com obstinação: Deus livre, exclamavam, mas que ideia mais louca militares andarem prendendo civis, não se estava em estado de sítio, se havia presos então tinham que estar à ordem de alguma das Polícias, eles ignoravam tudo a respeito, que se perguntasse noutro lado qualquer.
Fala-se tanto da natureza opressiva e do clima de terror do antigo regime mas, infelizmente, tirando os relatos dos acontecimentos nas ilhas do norte, existe uma fraca difusão de informações sobre o tempo que passou. Talvez porque se trata de uma história recente num meio pequeno cujos protagonistas de um lado e do outro da barricada ainda estão cá entre nós, custa mais trazer à luz do dia as «tais verdades» suspensas.

 
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