Os instantes

Nunca conheci ninguém tão sorridente como o meu amigo Maravilhas. Quem lhe impingiu a alcunha foi um amigo do bairro onde morava nos tempos da infância. Tudo era: que maravilha, uma maravilha ou maravilhoso!

Uma vez, por sorte, descobrimos que estávamos na mesma cidade. Eu e ele em Paris? Pensei que certamente daria um filme de comédia. Marcamos um encontro na cafetaria da livraria fnac de saint-lazare. Ele chegou atrasado, com desculpas de que não sabia que metro apanhar, que não é assim atrasado, que esteve perdido durante algum tempo ali na gare a tentar recordar qual dos caminhos ia dar à fnac. Para ser simpática, apenas por ser o nosso primeiríssimo encontro fora das redes sociais, eu disse-lhe que fui-me entretendo com leituras vagas das contracapas de um molho de livros que tinha à frente. E ele sorriu muito, desfolhando dois livros ao mesmo tempo. Parecia um pouco atrapalhado.

Para pegar no meu pé, ele tratou de dizer que sou mais bonita «ao vivo», embora não fosse tão bonita como ele imaginava. Então, para pagar com a mesma moeda, disse-lhe que parecia mais velho do que na fotografia da badana do livro que me enviara para o endereço de coimbra e que, tal como me havia dito um amigo comum, ele parecia muito stressado. Ah, disse-me que a idade já lhe pesava, andava perto da casa dos quarenta, queria publicar um livro nesse entretanto, que a vida não estava a correr como tinha previsto. Conversamos sobre o seu projecto de livro, aliás a sua tese que seria traduzida de inglês para português e publicada numa editora de renome. Perguntei-lhe que mais queria. Durante um bom bocado só falávamos de livros e outras coisas em redor do mesmo assunto.

Dias depois do primeiro encontro, já estávamos do outro lado da cidade, no musée du louvre. Ficou combinado que encontraríamos na pirâmide translúcida. Dessa vez, atrasei-me. Tive que pedir desculpas, pois estava em visita a montparnasse, jardin du luxembourg e sorbonne, rememorando sinome de beauvoir. Falamos de tudo e mais alguma coisa: arte, poesia, boémia, ciência, conferências e música. Ao fim da tarde, deslizamos pela rue de rivoli até avenue des champs-élysées. Fotografámos o arc de triomphe. Sem saber como, de um momento para o outro, desdobramos até chegar às margens de seine. Uma sensação incrível.

Foi na hora do adeus que ouvi meu amigo dizer, sem querer, aquela expressão que lhe é característica: «maravilha, nunca mais vou-te ver». Rimos até não poder mais, abraçamos e saltamos como crianças... E nunca mais vi esse meu amigo. Isso me fez recordar de um outro amigo que, certa vez, numa estação, olhou para mim e disse: «Observa estas pessoas. Pode ser um espectáculo único.»

 
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