Se
Se cada gesto saísse solto
Se casa desejo tivesse corpo
De uma rocha de sol
Se cada lágrima cavasse a alma
E túnel fosse onde coubesse
Se com a força dos meus dedos
Rasgasse o vento (…)
Tacalhe
São Miguel Arcanjo, nosso intercessor lá no céu, batalhou contra os malvados espíritos que bolçaram sangue na nossa terra. Para fazer a justiça, durante três dias, não parou de chover, mansamente. Chovia na terra e no mar; chovia dentro de nós. Num piscar de olhos, um manto verde estendeu‑se pelo concelho, desde o cimo dos montes até às ribeiras. Verdejava ternamente. E as nascentes brotavam água como no antigamente, rastejando pelas ribeiras. Em Flamengos, Ribeira Principal, Ribeireta e Ribeira de São Miguel, as águas cristalinas relembravam os velhos tempos. Manguinho de Seti Rubera voltou a combinar o azul do mar com o verde da paisagem...
Um conjunto de equipamentos e infra-estruturas multiplicaram-se no concelho. Logo na primeira semana, a atenção foi canalizada no básico: rede de abastecimento de água, rede de esgoto, recolha e evacuação do lixo e iluminação pública. Nessa semana, dedicada ao ambiente, homens e mulheres entraram nos bairros da vila armados com martelos, picaretas, machados, pás de lixo e vassouras. E dois bulldozers circulavam-se pela vila, arrastando as inutilidades para uma lixeira. Recolhemos toda a lixarada de ruas e kobons para a reciclagem, enchendo a vila de árvores parideiras de frescas sombras. E as mulheres de mãos floridas, ofereceram cores nas suas varandas cheias de trepadeiras e girassóis.
Engenheiros, quase todos de Pilão Cão, queriam arrumar a vila. Do sol, do mar e do vento, colheram quantidade certa de energia; instalaram wireless nas principais praças da vila; montaram uma Rádio Comunitária para contar os feitos das gentes do concelho. A rádio tem sido um sucesso: cantigas da criançada, hip-hop da malta jovem, estórias da velharada, filosofias da malta sabichona e promessas de políticos...
Através da Cooperação Austríaca, a municipal câmara obteve verbas para resgatar os monumentos do concelho e as casas estóricas da vila que estavam a cair em pedaços, mantendo as feições do antigamente. As desabitadas casas do Porto foram adquiridas pelo município, tendo sido restauradas com a finalidade de preservarem a memória de boka‑portu.
Uma gorducha verba chegou à Espinho Branco, entrando na comunidadi d’rabeladus, contribuindo para a construção de bons funkus d'padja e proporcionando melhores condições de vida para aquela comunidade, «símbolo de resistência», que tem vindo a receber visitantes nacionais e internacionais com interesse em conhecer a sua ciência da vida, os seus hábitos e costumes. Inclusive, têm vindo a feirar as suas obras de artes tradicionais. Também um espacial donativo cambou pela Ribeira Principal para a produção do Singuelu, tanto para o consumo local e nacional, como para a sua exportação às comunidades de emigrantes do concelho.
Em Txatxa, Gongon, Cutelo Gomes e Mato Correia, as criancinhas encheram‑se de alegria com os novos jardins‑de‑infância e praças de diversão, pulando pelas ribeiras e kutelus de contentamento. Em Achada Monte, Pilão Cão, Ponta Verde, Veneza e Calheta, o desenvolvimento urbano e sime-urbano começou a flutuar aos olhos vistos.
Em meia dúzia de segundos, tudo voltou ao normal, numa versão moderna‑tradicional em harmonia com o passado, mas de olhos postos lá no futuro. Nunca tinha visto tão admirável sistema djunta-môn! Não consigo explicar tudo o que conseguimos ajeitar, mas nas próximas tecladas vou tentar resumir o que aconteceu no centrinho da vila.