As palavras do nosso dia
são palavras simples
claras como a água do regato,
jorrando das encostas ferruginosas
na manhã clara do dia-a-dia.
É assim que eu te falo,
meu irmão contratado numa roça de café
meu irmão que deixas teu sangue numa ponte
ou navegas no mar, num pedaço de ti mesmo em luta com o gandu
Minha irmã, lavando, lavando
p'lo pão dos seus filhos,minha irmã vendendo caroço
na loja mais próxima
p'lo luto dos seus mortos,
minha irmã conformada
vendendo-se por uma vida mais serena,
aumentando afinal as suas penas...É para vós, irmãos, companheiros da estrada
o meu grito de esperança
convosco eu me sinto dançando
nas noites de tuna
em qualquer fundão, onde a gente se junta,
convosco, irmãos, na safra do cacau,
convosco ainda na feira,
onde o izaquente e a galinha vão render dinheiro.Convosco, impelindo a canoa p'la praia
juntando-me convosco
em redor do voador panhá
juntando-me na gamela
vadô tlebessá
a dez tostões.
separam-se na areia imensa
desta praia de S. João
porque eu sei, irmão meu, tisnado como eu p'la vida,
tu pensas irmão da canoa
que nós os dois, carne da mesma carne
batidos p'los vendavais do tornado
não estamos do mesmo lado da canoa.
Escureceu de repente.
Lá longe no outro lado da Praia
na ponta de S. Marçal
há luzes, muitas luzes
nos quixipás sombrios...
O pito dóxi arrepiante, em sinais misteriosos
convida à unção desta noite feiticeira...
Aqui só os iniciadosno ritmo frenético dum batuque de encomendação
aqui os irmão do Santu
requebrando loucamente suas cadeiras
soltando gritos desgarrados,
palavras, gestos,
na loucura dum rito secular.
na tua voz agonizante, encomendando preces, juras, maldições.
Estou aqui, sim, irmão
nos nozados sem tréguas
onde a gente joga
a vida dos nossos filhos.
Estou aqui, sim, meu irmão
no mesmo lado da canoa.Mas nós queremos ainda uma coisa mais bela.
Queremos unir as nossas mãos milenárias,
das docas dos guindastes
das roças, das praias
numa liga grande, comprida
dum pólo a outro da terra
p'los sonhos dos nossos filhospara nos situarmos todos do mesmo lado da canoa.
E a tarde desce...
A canoa desliza serena,
rumo à Praia Maravilhosa
onde se juntam os nossos braços
e nos sentamos todos, lado a lado,
na canoa das nossas praias.Alda Espírito Santo, in É nosso o solo sagrado da terra.
A poetisa da libertação, Alda Espírito Santo, natural de São Tomé, faleceu hoje aos 84 anos. Mulher das letras e da política; lutou e escreveu pelo seu país e pela África unida. Juntamente com Noémia de Sousa e Alda Lara, foi pioneira do nacionalismo africano. Entre Lisboa e Coimbra, sobretudo à volta da antiga Casa de Estudantes do Império e do Centro de Estudos Africanos, este último criado na casa da sua própria família, conviveu com homens e mulheres do período revolucionário africano. Entre a malta desse antigamente, inspirada também pela figura do santomense Francisco José Tenreiro que lhes precedeu, encontram-se: Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e Vasco Cabral... Apesar das incursões da PIDE, discutiam as mais pertinentes questões sobre a África colonizada.
Celebrizou o massacre de Batepá. E é autora do hino nacional de São Tomé e Príncipe. Foi uma mulher singular, a quem a poetisa Conceição Lima - que lhe sucedeu no canto da afroinsularidade - dedica os mais belos poemas e prosas sobre o espaço afro-insular e a quem a nova geração chama de “a nossa poetisa”.
Celebrizou o massacre de Batepá. E é autora do hino nacional de São Tomé e Príncipe. Foi uma mulher singular, a quem a poetisa Conceição Lima - que lhe sucedeu no canto da afroinsularidade - dedica os mais belos poemas e prosas sobre o espaço afro-insular e a quem a nova geração chama de “a nossa poetisa”.
Na sequência da sua morte, o seu país decretou cinco dias de luto nacional.