Queria começar esta carta da seguinte forma: “Calheta, aos 30 de Novembro…”. De repente, apercebi-me de que estou em Coimbra e apaguei o que tinha já registado. Então, voltei à vida virtual para responder as tuas questões. Antes disso, vou tentar analisar o debate fomentado por sete blogs: Albatrozberdiano, Filinto Elísio; Pedrabika, Amílcar Aristides; Soncent, Eileen Barbosa; Son di Santiagu, Djinho Barbosa; Ala Marginal, Abrãao Vicente; So pa Fla, Chissana Magalhães; Igualdade na Diferença, Eurídice Monteiro.
(Albatrozberdiano, Filinto Elísio) Num post sobre a problemática do bilinguismo (18/08/2007), intitulado “O bilinguismo nosso de cada dia”, Filinto Elísio refere à necessidade de tradução para crioulo cabo-verdiano tanto da Bíblia, como também da Constituição Nacional. Ressalta a necessidade desta língua ser usada também nas situações de comunicação formais, como nas cerimónias religiosas e nas próprias instituições públicas (a Assembleia Nacional, os Tribunais, os Hospitais, as Escolas...). Ainda refere à necessidade da introdução do crioulo cabo-verdiano nos anúncios durante os voos da TACV, juntando assim ao inglês, francês e português. Numa melodia pessoana, Filinto Elísio afirma: “a minha pátria é a língua cabo-verdiana”. Contudo, não deixa de exaltar a língua portuguesa como a sua segunda natureza. Assim, defende a oficialização do crioulo, em prol da construção progressiva de um real bilinguismo, dando especial atenção ao papel central do Estado no que concerne à política linguística. Reforça o papel do português enquanto um recurso estratégico fundamental para o desenvolvimento e a inserção neste mundo globalizado. Neste post, importa realçar a problemática da marginalização do crioulo cabo-verdiano sobretudo no seio da “pequena elite intelectual” e da padronização linguística no que se refere ao domínio da escrita.
(Igualdade na Diferença, Eurídice Monteiro) Numa análise sobre a problemática linguística (19/08/2007), intitulado “A(s) Língua(s)”, tento realçar a diferença “portuguística” no espaço da CPLP. Lembrando do post no Albatrozberdiano sobre o bilinguismo no contexto cabo-verdiano, não deixo de reconhecer que o debate sobre a(s) língua(s) merece ser aflorado e levado a sério pelos responsáveis directos no processo de afirmação do crioulo cabo-verdiano. Para além disso, tento ressaltar duas questões. Por um lado, a questão da geopolítica da língua, referindo à questão do alfabeto unificado no quadro da “dita” CPLP e alertando para a necessidade de ter em atenção os jogos de poder(es) neste espaço em que o português nos (des)une. Por outro, o fenómeno da globalização, afirmando que, ao mesmo tempo que o uso do inglês se intensifica à escala global, faz todo sentido a afirmação da língua cabo-verdiana, sendo que aceitar que é inútil o investimento na língua cabo-verdiana significa “sacrificar a diferença em nome de um princípio de assimilação”. Por fim, frisei o direito e o dever do povo berdiano no sentido da valorização do crioulo cabo-verdiano, não só enquanto elemento cultural, mas também como veículo de produção de conhecimentos, mesmo que sejam (ou sobretudo porque são) os conhecimentos “catalogados” como tradicionais.
As minhas considerações suscitaram alguma discussão, reunindo vinte cibercomentários. Em termos gerais, importa ressaltar duas questões problematizadas ao longo da discussão. Em primeiro lugar, a língua enquanto elemento identitário. Em segundo lugar (e mais problemática), a questão da oficialização, chamando a atenção para a falta de paciência relativamente ao próprio processo e aceitando que o crioulo cabo-verdiano ainda não encontra-se preparado para ser uma língua oficial, tendo sido ressaltado a problemática da escrita.
(Pedrabika, Amílcar Aristides) Tendo tido uma participação activa no meu post sobre “A(s) língua(s)”, Amílcar Aristides (5/10/2007) lança o debate no seu blog, que suscitou comentários no sentido da valorização das diferentes variantes do crioulo cabo-verdiano. Uma questão importante realçada prende-se com o reconhecimento do simbolismo cultural e das práticas sociais associadas às diferentes variantes.
(Soncent, Eileen Barbosa) “Em badio é que nos entendemos?” Com esta interrogação começas o teu post (23/11/2007), gerando polémicas na blogesfera berdiana. Contas que ficaste surpreendida ao ouvir as boas vindas de uma assistente de bordo, primeiramente, na variante de Santiago e, depois, em Português, Francês e Inglês. Tendo perguntado a uma das assistentes acerca desta novidade, ficaste a saber que, até Janeiro, o crioulo cabo-verdiano vai ser introduzido em todos os voos daquela companhia.
Do teu post e dos quarenta comentários que suscitou, surgem um conjunto de questões que, embora não sendo inéditas, não deixam de ser preocupantes: 1) a problemática da oficialização do crioulo; 2) a “guerrilha linguística” entre a variante de Santiago e a variante de São Vicente (mais do que isso, entre “badiu” e “sampadjudu”); 3) a influência do português nas diferentes variantes do crioulo cabo-verdiano; 4) o português como língua que une (ou cria zonas de contacto/entendimento) entre @s cabo-verdian@s; 5) a mudança de posição na hierarquia linguística com a oficialização do crioulo cabo-verdiano.
Para além dessas questões, não posso deixar de fazer referência a duas passagens no teu post: “(…) di fora”; “eu até acho o Badio uma língua bonita (…)”. Podemos pensar também nos não ditos implícitos no teu post. Acredito que tenha sido apenas um descuido da tua parte, que, nem sequer, imaginavas que ias acordar os fantasmas da cabo-verdianidade que encontram-se atrás das marcaras da nossa modernidade forjada. Portanto, tocaste na velha ferida (sempre aberta, mas politicamente silenciada), acabando assim por suscitar tamanha polémica.
(Son di Santiagu, Djinho Barbosa) Num post intitulado “O post da Eileen é NORMAL?” (26/11/2007), Djinho Barbosa sugere uma análise crítica do discurso do teu post, sublinhando as partes mais problemáticas. Para além disso, Djinho Barbosa chama a atenção para o lado depreciativo associado ao “badiu”.
(Ala Marginal, Abrãao Vicente) No seu post (28/11/2007), Abrãao Vicente começa por abordar as discussões acerca de “badiu” e “sampadjudos” e os preconceitos que foram sendo enraizados na nossa cultura, com marcas bairristicamente traçadas. Ultrapassando a mera questão linguística, Abrãao Vicente belisca os pressupostos básicos escondidos atrás de um simples debate sobre a problemática linguística, remetendo para a própria problemática da construção identitária no nosso espaço insular.
(So pa Fla, Chissana Magalhães) Chissana Magalhães (28/11/2007) introduz na discussão a distinção entre língua e dialecto, que sistematicamente tem sido referido no âmbito dos debates sobre a problemática linguística sobretudo nas antigas colónias. Ainda realça a diferença que existe no interior da variante de Santiago, bem como as diversas formas de subalternização d@s falantes “di fora”. Para além disso, ressalta o esforço da malta berdiana no que se refere a outras línguas, questão que eu também tentei deixar clara na primeira carta que te escrevi.
[Irmandade Crioula!?...] Tive que recorrer ao debate que encontra-se aberto nos blogs berdianos, porque não podemos ignorar as suas implicações. E, agora, sem rodeio, aproveito para dizer-te que, o escândalo das tuas palavras prende-se com o facto de a Eileen ser uma jovem aberta e esclarecida, que acompanha as mutações da nossa contemporaneidade. No meu entender, devias fazer uma auto-reflexividade acerca do teu post e, por conseguinte, apresentar um pedido de desculpas por ter ferido a susceptibilidade de muit@s leitor@s do teu blog, nomeadamente por causa da seguinte afirmação: “achei mais piada que outra coisa”. Um pedido de desculpas evidenciará a tua maturidade e o respeito para com as nossas diferenças internas, sem comprometer a tua liberdade de expressão.
Bom fim-de-semana!
Eury