Depois do jantar, o Julião começou com a treta sobre a língua portuguesa. O sotaque da Andreia e da Néle não disfarçavam a diferença “portuguística” no espaço da CPLP. O João conteve-se e não entrou na discussão, mas tinha o Julião como o seu legítimo representante da Guiné-Bissau. Mas eu não podia ficar calada!...
Lembrei-me logo do post no albatrozberdiano sobre a problemática da língua cabo-verdiana, melhor sobre o bilinguismo no meu país. Realmente, o debate sobre a(s) língua(s) merece ser aflorado e levado a sério pelos responsáveis directos no processo de afirmação da língua cabo-verdiana.
Nesta minha nota curta, quero realçar apenas duas questões que tentei introduzir na discussão com os/as meus/minhas amigos/as do Brasil e da Guiné-Bissau. Em primeiro lugar, a questão da geopolítica da língua. Pensando no quadro da “dita” CPLP, a questão do alfabeto unificado deixa-me com uma “pulga” atrás da orelha. Parece-me que torna-se necessário ter em atenção os jogos de poder(es) nesse espaço em que o português nos (des)une.
Em segundo lugar, o fenómeno da globalização. Comungo da ideia do Boaventura de Sousa Santos de que vivemos num mundo de globalização, como num mundo de localização. Por conseguinte, subscrevo integralmente a ideia do mesmo autor de que o global e o local são socialmente produzidos no interior dos processos de globalização e aquilo a que chamamos globalização é sempre a globalização bem sucedida de um determinado localismo. Portanto, se a globalização pressupõe a localização, então ao mesmo tempo que o uso do inglês se intensifica à escala global, faz todo sentido a afirmação da língua cabo-verdiana. Aceitar que é inútil o investimento na língua cabo-verdiana significa “sacrificar a diferença em nome de um princípio de assimilação”.
O teórico literário Walter Mignolo realça que, uma vez que as línguas não são algo que os seres humanos têm, mas algo que os seres humanos são, a colonialidade do poder e do saber veio gerar a colonialidade do ser. Com essa referência, quero frisar o direito e o dever que temos (refiro-me aos/às cabo-verdianos/as) de valorizar a língua cabo-verdiana, não só enquanto elemento cultural, mas também como veículo de produção de conhecimentos/saberes, mesmo que sejam (ou sobretudo porque são) os conhecimentos/saberes “catalogados” como tradicionais...