Acordei com o sabor das palavras nos meus lábios, o desejo de soltar um grito pela sensação do primeiro aniversário deste ciberesconderijo, uma vontade de apalpar os rostos escondidos atrás de cada blog, um querer apertar as mãos anónimas que rabiscam num post ou noutro...
No dia 25 de Julho de 2007, comecei a nadar na blogosfera. Numa pranxa verdazul, fui tacteando no abecedário, dando cambalhota do meu jeito. Era para ter colocado este post ontem, mas não me recordava com precisão da data do aniversário. Só agora, numa visita cuidadosa ao blog, reparei-me que afinal já fez um ano, nem senti o deslizar do tempo... Nesta data de bolinhos e abraços, para além de oferecer flores às visitas, aproveito para falar um pouco de mim. Não sei como começar!... Sou uma cabo-verdiana quase perdida numa cidade distante: Coimbra. Passo os meus dias entre os livros e afastada dos miminhos da terra mãe. Sinto múltiplas saudades, vontade de chorar e outros sintomas parecidos...
Adoro a noite e, quando a escuridão invade o silêncio do pátio que cerca a vista do meu quarto, vagueio-me pela blogosfera. Decidi criar este ciberesconderijo de sociabilidade (que o Mito designou por “blogville”, para além de ter escolhido o bouquet de apresentação), para despejar as minhas angústias, emoções e pequenas reflexões comprometidas com o lema “Igualdade na Diferença”. Desde aquela quarta-feira, quando um menino de olhos azuis me desafiou a criar este espaço de partilha das coisas banais que me tocam a alma, fui deixando a madrugada penetrar no meu ser, enquanto misturo a realidade e uma faísca de ficção, deixando flutuar um pedaço de mim, dos meus sonhos, dos meus afectos e dos meus desejos.
Confesso que, muitas vezes, quando deixo ou encontro palavras neste ciberesconderijo, perninhas de lágrimas melancólicas deslizam pela minha face de menina-mulher. Recordo-me de um dia em que recebi uma visita da Lilian, que falava nos meus olhos tristes. Não consegui aguentar, desabrochei-me em soluços. Maravilha mesmo são os momentos de boas risadas, de conversa afiada, de cumplicidades e de solidariedade blogosférica. Não consigo descrever a minha alegria quando recebo visitas de pessoas amigas ou de outras desconhecidas. Gosto de receber as visitas com amabilidade, imaginando este cantinho como uma casa arejada e com muita luz do sol, na minha aldeia, no interior de Santiago.
Entre vários rascunhos que deixei aqui, vou escolher quatro de que mais gostei e que me trouxeram lembranças alegres da minha baía: boka-portu (registos quase-esquecidos), boka-portu, A Ilha da Batalha e Orfeu e Eurídice. Entre os comentários, muitos me tocaram profundamente e também muitos me obrigaram a reflectir sobre o segredo das palavras, a magia dos gestos e o calor dos afectos. Vou deixar em baixo alguns que são uma delícia, um verdadeiro glace de baunilha e chocolate do Marisol, num final de tarde, na Prainha.
Através da blogosfera, tenho conhecido muitas pessoas bonitas e queridas. Ganhei um primo, Tide Pedra; descobri uma amiga de infância, Eileen; e, como o mundo é pequeno, encontrei o Paulino, o menino de sorriso verde, que, afinal, é meu vizinho lá na capital. A vontade de viajar pela blogosfera e os diálogos construídos no meu ciberesconderijo ou noutras bandas foram sempre um incentivo para continuar a partilhar as palavras da forma como gosto, sem preconceito e com ternura.
«As palavras têm para mim uma carga. Sinto-me incapaz de escapar à mordedura de uma palavra, à vertigem de um ponto de interrogação» e, «quando escrevo, procuro tocar afectivamente o meu leitor... isto é, irracionalmente, quase sensualmente.», transcrevendo as belíssimas palavras de Frantz Fanon, in Peau Noire, Masques Blancs.
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conversa afiada, pedaços de ternura
o acto de descobrir...
«Não sei como o teu blog surgiu no meu caminho. Ou terá sido o contrário? O certo é que, um dia, ao navegar nessa auto-estrada sem fim, cai neste mar de desabafos que passei a visitar amiúde. Não te conheço, Eury, mas toca o que escreves. Quem descreve assim as memórias da sua infância, das gentes da sua terra, tem pela frente sem dúvida muita história por viver (…)…»
«(...) Continuo a seguir com atenção o teu diário suave, este teu caderno de memórias feito poesia. Um testemunho a que nos vamos habituando... continua,»
Waldir
«Olha só como te descobri… Tu estás cá com uma garra! Isto vai desde a poesia, às teorias pós-coloniais, ou pós-colonizadas (dependendo do ponto de vista), das reivindicações de justiça e direitos, da luta, da doméstica e da domesticidade... Nem consegui ver tudo. E assim certinha e com disciplina. Mesmo bem, Eury. Curti bués. Agora tem-me calma e não me dês mais trabalho do que o que eu já tenho que o que eu não gosto mesmo é de trabalhar (caraças esta frase ficou com demasiados "ques"!). Tem mais: desculpa desiludir-te mas estou na fase de uma fatalidade tal que já prefiro 10000 azulejos para limpar do que um computador para escrever a frase de uma tese. Ok, eu posso escolher. No entanto, nestas alturas lembro-me sempre da Tabacaria de Pessoa: "Vivi, estudei, amei e até cri, E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu." porque antropafagiando o poeta : malhas que o império tece, jaz morta e apodrece a tese filha da mãe. E quanto ao comentário posterior sobre a maioria das mulheres que tem possibilidades de estudar e provavelmente nunca ocuparão cargos de chefia e sem querer ser ofensiva, só consigo pensar: - sorte a delas e do mundo que conta pensamentos informados e que nunca ocuparão cargos de medíocres e inertes. Um registo feminino testemunhal: eu não me chateio nada com essas questões sexuais porque o que eu quero da vida é não fazer nenhum. Olha lá, isto de escrever em blogs até é giro, que uma pessoa pode descarregar a neura e ninguém sabe. Manda lá com mais posts a ver se eu animo e continuo a estudar para "ser alguém na vida".»
Anónima subalterna
cantarolando,
«Já que o tema de conversa é fim-de-semana, e uma vez que ninguém se interessa pelo meu, aqui vai a minha reivindicação para que deixem os subalternos falar. Então foi mais ou menos assim: segui de carro até a casa de uns amigos, mas antes parei para meter gasolina (bués de cara, até dá vontade de dizer um palavrão!). Tinha levado uns panados de porco e um taxo de arroz de alho embrulhado no jornal (como eles tinham cervejas e gelado, tava-se bem). Sentei-me a seguir em frente a um computador velho na tentativa de instalar um sistema operativo mais recente. Afinal esse era o meu pretexto de escape. Falhei. Fui tomar café e depois vi têvê. O raio do computador antigo não me saía da cabeça de modo que nem sei qual era o filme que vi (mas deve ter sido daqueles americanos que acabam ao soco, porque para eu ficar a ver até ao final...). Fomos comer uns petiscos (eram muitos e com um aspecto de "so typical"). Esses gajos fartam-se de fazer massa á conta da orelheira ensaboada em gordura. Mesmo bom (glup!) Cheguei a casa com o papo cheio e fui dormir. Acordei duas horas depois e dirigi-me a uma estação de serviço para comprar água das pedras. Depois lembrei-me que tinha lutado a minha vida inteira (bem, só prai depois dos 20 anos) para ser socióloga. Sozinhei: Isto não é vida para mim! Uma estação de serviço? Agua das pedras? Decidi então ir a um bar muito e bués de cultural onde costumavam parar sociólogos e afins (sociólogos, estudantes de sociologia e os seus respectivos professores preferidos e outros do mesmo grupo das ciências sociais, mas mais o género de verdadeiros artistas) e mais uns gajos que gostam de música e bebem uns copos e que são olhados pelo resto do gang como "ya, estes até davam uns bons entrevistados para eu fazer um doutoramento sobre culturas juvenis" (agora já são todos amigos porque os primeiros perceberam que "ya, eles é que curtem!"). Fui para casa e dormi até as 11 da matina. Moral da História: sou feliz porque pelo menos não ando nos centros comerciais a impingir cartões de crédito e a perguntar aos outros se gostariam de ser felizes. Olha, tinha que te dar esta seca! Fiquei roida de inveja porque nas minhas fugas à cidade só encontro cidades (ou às tantas vivo numa aldeia e não percebi - por favor não comentem algo com a expressão aldeia global que eu juro que grito). Bjs, linda! Até breve. Foi só para balear saudades.»
Anónima subaltarna
afinal, ainda existem “dinossauros”...
«Em nome dos homens – este ser tão maltratado ultimamente pelo género feminino quando o assunto é romantismo... - permita-me protestar vivamente quanto à subtil alegação de que “já não se fazem homens como antigamente!” Rs...
Olha, engano seu. Os homens (ainda!) continuam a apaixonar-se perdidamente, a sentir o coração kutrum kutrum que nem panela de pápa ta rompê férva quando pressente o tal olhar, o tal sorriso, o tal perfume, ainda – sim senhora! - escreve-se poemas de amor entre duas notas de um violão ou entre dois copos de cerveja, o olhar vago perdido sabe-se lá onde...
Provocação: será que foram as mulheres que deixaram de valorizar essas pequenas coisas? Em nome da emancipação feminina, talvez?
(Xiii, prepara-te meu velho, que lá vem chumbo...rs.)
Excelente poema, é um dos meus preferidos. Já agora, há cerca de 18 anos ofereci este mesmo poema a uma mocinha, colega de infância, por quem estava “adolescentemente apaixonado”. Pena que ela nunca me tenha respondido que sim, nem quando dancei com ela um coladera de quel bom...Thanks pela lembrança!»
Paulino
«Assino por baixo o protesto do Paulino. Sabes que há um rapaz que um dia falava com uma menina amiga no msn e decidiu perguntá-la como dizer na língua materna dela algo como isto “Quero gritar aos quatro ventos que estou perdidamente apaixonado por...” e “... a Rosa que veio do Norte”. Ela disse tudo. O que ela não esperava era que o rapaz ia mandar imprimir tais palavras numa t-shit branca e ficar à espera dela na estação dos comboios em Coimbra, num frio crepúsculo de Outubro. Quando ela chegou, por entre as amigas, ela viu o tal rapaz e elas também. Perceberam que algo de anormal estava a passar, pois ela ficou pedrada a olhar para ele; uns segundos volvidos agarrou-se ao rapaz e em soluços, dizia umas palavras que o rapaz reserva só para ele. Eram apenas amigos, mas o rapaz persistia numa relação amorosa. Tal viria dois meses depois.
Já não se fazem homens como antigamente? Será que as mulheres hodiernas estão prontas para ler os gestos genuinamente românticos? Não os encararão como uns tontos. Pois, não temendo ser tonto no amor, faço tontices de amor apenas para aquelas que as sabem ler.
Paulino, e nunca teremos medo de sermos dinossauros ou ETs.»
Jairzinho
intuição feminística
«Cara candidata à entrada na Sala dos Caramelos (Capelos, desculpem-me! Engano-me sempre...),
Permita-me que eu esclareça consigo - defensora incansável dos direitos das mulheres e portanto dos meus (o que eu acho óptimo, diga-se de passagem) - uma dúvida que me assaltou sobre a questão do silenciamento. Trata-se, com efeito, de uma pergunta importante para um trabalho de “descaramento” (sem autorização do nome do autor, 2006) que eu tento com todas as minhas forças arrancar: terá havido, no referido contexto, antes de se começar a ouvir a deliciosa voz/escrita da Ana Paula, mais surdos ou mais mudas? Se não for pedir muito, gostaria que me enviasse a sua resposta no prazo máximo de 1 ano, em espaço 1.5, letra 12, ocupando 600 páginas, com as referências bibliográficas em texto, diversificadas e destacando o contributo dos teóricos mais revoltados com a hegemonia anglo-saxónica. Claro que serei capaz de reconhecer o seu generoso contributo e agradecer (em nota de rodapé, letra 8) os seus preciosos comentários que ocupariam, volto a repetir para que não persistam dúvidas, 600 páginas em formato A4. Gostaria igualmente de me comprometer, na presença de toda a comunidade virtual, gestual e testemunhal, em partilhar consigo uma fantástica bolsa de estudos durante um ano. Lembro ainda que por este andar poderíamos ir as duas para Cabo Verde - tu para trabalho de campo e eu para um merecido trabalho de praia (pois apesar da dicotomia considero as duas tarefas interdisciplinares). Se eu fosse mais ajuizada, escusava de me sujeitar a semelhante humilhação pública de tentativa de “suborne” (chuuu!!! palavra proibida! não se diz, que é feio!) e aproveitava a treta para escrever. Mas como não sou.... Beijos. A estas horas só me dá para dizer tontearias. (da anónima subalterna que fala mais do que o que deve e que tu desmascaras sempre) hasta breve comandanta Eury. ah, não vou poder estar no dia 12, mas quase sempre estou em qualquer lado, quando precisares. Dá notícias.»
Anónima subalterna
«Cara subalterna
Foi com agrado que acabei de registar a sua pequena solicitação. Vou criar as devidas condições para poder ter uma resposta à sua questão “no prazo máximo de 1 ano, em espaço 1.5, letra 12, ocupando 600 páginas, com as referências bibliográficas em texto, diversificadas e destacando o contributo dos teóricos mais revoltados com a hegemonia anglo-saxónica”. Agradeço o seu nobre gesto em partilhar a sua bolsa. Mas apraz-me informar-lhe que o concessionário Automóveis do Mondego acabou de apresentar o Peugeot 308. Trata-se de um novo modelo que tanto me encorajaria durante o “trabalho de campo”, imprescindível para a resolução da sua questão. Sem a pretensão de possibilitar a sua inclusão (como elemento principal do grupo-alvo) no Observatório do Endividamento dos Consumidores, preferia estabelecer uma relação de proximidade com o Peugeot 308, na medida em que este modelo carece de um estudo sociológico a partir do sul. Risosss. Um abraço»
Eury
«Minhas senhoras: muita me apraz vir ter a este blog e encontrar por estas linhas escrita tão elaborada como prenha de humor e é do meu órgão pulsante que vos agradeço em verdade a generosidade com que apresentais este líquido para amolecer lentes de contacto ressequidas do trabalho diário. O poema da Ana Paula, que eu não conhecia, está também muito bem e é por estas e também por outras que apresento os meus sinceros parabéns à dona deste espaço e me dou por contente por tê-lo entre os meus preciosos e exclusivos links.»
«Cara Eileen
Igualmente, me apraz ter o seu blog entre os poucos que visito diariamente. Realmente, a sua escrita é "uma delícia para quem tem o bichinho da leitura". Confesso que me agrada bastante quando a Eileen “manda à merda”.
Saudações de Coimbra»
Eury
Un djatu...
«(...) continuar a negligenciar o papel do crioulo significa continuar a ignorar o caboverdiano que pensa, age e se expressa a partir do crioulo, mesmo que ele domine o Japonês.»
Obikuelu
...e a tod@s, obrigada pela vossa visita!
Eury